Em um desses filmes comerciais que ocuparam cada instante dos intervalos da TV nas últimas semanas, o “Papai Noel da Coca-Cola” (esta expressão é um tipo de pleonasmo) questiona se alguém ainda acredita nele e, antes de se despedir, anuncia: “desta vez, eu vou escrever uma carta para vocês”.
Inevitavelmente, lembrei de um costume antigo: antes de usar o artifício como quem cria um publieditorial safado, o velho pançudo escrevia para mim após as festividades natalinas. A primeira foi há dez anos. Tempos divertidos e saudosos.
Minha primeira carta do Papai Noel (2003). Não existe vida sem problemas, sabemos disso. Mas aquele ano foi duro: a crise econômica fez com que o desemprego rondasse nossa casa por alguns meses. Ao mesmo tempo, vivenciava mais um fim de relacionamento. “Foram altos e baixos que lhe transformaram em alguém muito mais decidido e corajoso”, dizia ele. Também dizia para ” mudar seus hábitos alimentares e fazer exercícios”. De fato, tanto no corpo quanto na alma, algumas coisas não mudaram.
Nova carta (oriental) do Papai Noel (2004). Neste episódio, o gordo de saco vermelho viajou ao outro lado do mundo, trazendo uma fábula japonesa para explicar o significado do amor. Mais do que isso, tratou de estimular o destinatário usando uma palavra fundamental para quem espera por um ano novo cheio de novas possibilidades: coragem. “Coragem para viver, meu amigo. É tudo que você precisa. Se ainda teimar em não acreditar em mim, ao menos acredite em você mesmo”.
Nova carta (romântica) do Papai Noel (2005). Novamente, o nosso Karl Marx do Mundo Bizarro atreve-se a discutir questões do coração – provavelmente a partir do meu pedido constante: “o de sempre, uma namorada”. Aquele foi o ano em que desdenhava o presente mais louco e imprevisível que poderia receber. A mensagem, carregada de clichês, termina assim: “Nunca subestime o poder do destino: sua companhia perfeita pode viver do outro lado do mundo, mas também pode ser aquela que está há anos na frente do seu nariz”.
Nova carta (ferroviária) do Papai Noel (2006). A essa altura, você já se deu conta: no meu prisma, Papai Noel é a representação daquela tia conselheira que te puxa no canto da festa para falar da sua experiência ao constatar sua solitude. Desta vez, além das mensagens de auto-ajuda, o meu amigo capitalistinha entregou, por meio de uma bela portadora, um trenzinho elétrico. Além de uma pedra, um poema e muita vontade de sonhar. “O coração é uma estação pra embarcar no trem azul dos sonhos que vai passar”. E eu, um geodo.
Nova carta (vermelha) do Papai Noel (2007). Como num Campeonato Brasileiro dos anos 70, a final só foi realizada no ano seguinte, no Dia de Reis. Coincidiu com o atraso de outro presente especial, uma montagem em papel camurça vermelho que remete a um mapa, com pontos cardeais que adorava estar. “Não tenha medo de lutar por aquilo que acredita, pelo seu próprio espaço. Não se entregue logo nos primeiros dias, só porque vivemos um ano par. Siga em frente com toda a energia: você vai arrumar a casa e abrir novos caminhos agora para desfrutar de tudo isso lá na frente”.
Nova carta (Quintanizada) do Papai Noel (2008). Vamos brincar de encontrar citações? Nesse mashup preguiçoso, o chamado “bom velhinho” estava imerso em poesia, insistindo que só vale a pena se for maravilhoso e deliciando-se com um dos autores que se tornou um dos meus favoritos nos últimos anos: Mário Quintana. “Tão bom viver dia a dia… A vida assim jamais cansa. Viver tão só de momentos como estas nuvens no céu. E só ganhar, toda a vida, inexperiência… Esperança… E a rosa louca dos ventos presa à copa do chapéu”.
Nova carta (ecológica) do Papai Noel (2009). Na última vez em que recebi uma mensagem do velho batuta, o texto já não estava tão apaixonado. Mas não menos preocupado com as pessoas: a falta de amor e respeito estaria destruindo aquilo que nos cerca. “É uma insanidade fazer sempre a mesma coisa, inúmeras vezes, esperando resultados diferentes. O problema está na inércia. É lamentar os efeitos que já sentimos e, ao mesmo tempo, continuar enxergando o próximo como alguém longe da família”.
Já faz algum tempo que Papai Noel não me escreve. Nos últimos anos, realmente pedi pouca coisa: basicamente, agradecia por imaginar estar tudo bem. Engano estúpido: jamais devemos deixar de pedir, desejar. É a certeza, e não a morte, o inverso da vida.
Nesse último Natal, o presente que esperava ganhar não apareceu na minha porta. Pode ser que eu tenha feito um pedido equivocado. Provavelmente não tenho sido um bom menino. De repente, o presente estava na minha janela e não vi. Vai ver não é a hora ainda. Ou simplesmente o bom velhinho decidiu que nosso tempo já passou.
Em uma das minhas mensagens de boas festas disparadas ao pé de maracujá, dizia a um dos motivos que me fazem sorrir neste 2013 que andava meio sem inspiração. “Tomara que você se inspire logo, porque inspiração é sempre bom pra tudo, principalmente pra escrever coisas bonitas. Meu desejo é que você se reinvente, se
redescubra e se inspire para criar perspectivas boas para um ano novo repleto de utopias – mas com expectativas moderadas…”, respondeu.
Talvez comece este ano com novas utopias dando um voto de confiança ao Papai Noel: enquanto questiono meus planos para futuro e cresço ao ritmo de intermináveis debates internos, gostaria de (re)aprender a desejar. Quem sabe, com esse pedido, o velhote reapareça daqui uns 360 dias.
“Nos últimos anos, realmente pedi pouca coisa: basicamente, agradecia por imaginar estar tudo bem. Engano estúpido: jamais devemos deixar de pedir, desejar. É a certeza, e não a morte, o inverso da vida.” #fato