Em busca da ilusória segunda posição no quadro de medalhas dos Jogos Pan-americanos (nem é preciso dizer que os colegiais que vieram dos EUA serão os primeiros), o Brasil adotou Cuba como sendo a pedra no sapato. Para começo de conversa: não fosse a amarelada da seleção de vôlei feminina, o Brasil teria nesta segunda-feira 30 medalhas de ouro, contra 29 de Cuba. O número é exatamente o contrário, e à medida em que os cubanos avançarem no boxe, nas lutas e no atletismo, o Brasil jamais conseguirá alcançá-los.
Outras decisões entre Brasil e Cuba no Pan foram capazes de elevar os caribenhos ao patamar de “argentinos dos esportes olímpicos”. A maior entre as palhaçadas foi vista no último dia do judô: inconformada com a vitória da cubana Sheila Espinosa sobre a brasileira Erika Miranda, a torcida reativou a rixa atirando copos e papéis em direção ao tatame, revoltando alguns ilustres cubanos. O bate-boca culminou com uma briga nas arquibancadas envolvendo personalidades como a ex-jogadora de vôlei (e barraqueira) Regla Torres e o tricampeão olímpico de boxe Teófilo Stevenson – só mesmo o Aurélio Miguel para juntar coragem de apartar uma confusão envolvendo um pugilista. No fim da história, os judocas brasileiros (que nada tinham a ver com isso) pediram calma, viram João Derly faturar o ouro e entraram de mãos dadas com os cubanos, pondo fim à lenga-lenga.
Tirando uma ou outra atleta cubana do vôlei, que não consegue jogar tanto quanto sabe provocar, essa rivalidade é uma grande bobagem. Até porque, os brasileiros deviam era aprender com Cuba a ser uma potência esportiva.
Hasta La Victoria, Siempre – Uma ressalva é necessária antes que algum engraçadinho venha dizer que estou defendendo o socialismo. É óbvio que o esporte em Cuba, que viu sua ascensão cerca de dez anos após a revolução, em 1959, tem um lado que não pode ser ignorado: sua importância como instrumento político – não foi à toa que Fidel Castro garantiu educação, saúde e esporte de qualidade aos cidadãos. O modelo cubano funcionou, digamos, sem ressalvas até o colapso da União Soviética, grande responsável pelo financiamento do regime comunista. O fascínio exercido pelo capitalismo faz com que muitos atletas cubanos larguem a equipe em busca de profissionalismo e melhores condições – só no Rio 2007, dois pugilistas, um jogador de handebol e um treinador de ginástica desertaram, pedindo abrigo no país.
A “propaganda comunista” não deixa de estar errada. Na ilha, a elite esportiva é reconhecida pela população recebe salários mais altos (isso faz uma diferença enorme em Cuba). Mas a visão de que o esporte provoca efeito imediato na moral cubana, reforçando sua postura nacionalista, poderia ser aplicada, guardadas às devidas proporções, em nossa realidade: antes de formar campeões olímpicos em centros de educação física especiais, a prioridade é garantir o direito de qualquer cidadão praticar esportes.
O fato da garotada brincar na rua de futebol, basquete ou, na grande maioria, beisebol já faz parte da cultura local cubana. Todos estão envolvidos com esporte, seja por simples recreação, seja por pura competitividade, para serem cidadãos melhores. E aqui, quais são os exemplos das nossas crianças? Jogadores de futebol, é claro, assediados por empresários antes mesmo de saírem das fraldas. O problema não está em ganhar dinheiro como atleta profissional (óbvio que isso é bom), mas sim em contar com os ovos antes da galinha trabalhar. Como se uma cultura poliesportiva forte, baseada em um envolvimento coletivo desde a base, não contribuísse em nada para um potencial contrato de patrocínio e em benesses particulares…
Enfim. Não sei o que é mais difícil: um modelo de desenvolvimento do esporte aliado à educação de qualidade no Brasil ou um modelo de desenvolvimento econômico aliado ao atual regime político em Cuba.
Radical, Rebelde, Revolucionário – O livro Sport in Cuba – The Diamond in the Rough, da norte-americana Paula Pettavino (alguns trechos aqui, qualquer hora devo encomendar na Amazon) deve trazer uma ou outra explicação pertinente. Ela viveu cinco anos no país em função de sua tese de doutorado, que confronta o desempenho cubano em competições esportivas com o sistema político da ilha. Mas é possível dispensar a literatura acadêmica para entender o que se passa por lá – Alex Castro que o diga.
Eu sempre digo, em tom de brincadeira, que “preciso visitar Cuba antes que acabe”. Minha vontade só aumentou quando vi, por alto, algumas das crônicas (recheadas de imagens) escritas pelo Alex em seu Radical Rebelde Revolucionário. Não é um tratado político/social, muito menos um guia turístico: são histórias deliciosas de pessoas pobres, porém cultas, que não enxergam a vida com uma postura de esquerda ou de direita. É a vida deles, ponto final.
Ainda não consegui ler como gostaria, mas logo nas primeiras linhas, uma ressalva sensacional: são textos baseados em sensações absorvidas em uma imersão de um mês em Cuba. Portanto, tudo que está escrito é ficção – como parece ser a própria história da última nação socialista do globo. Afinal, “se tivessem o mínimo de bom senso, saberiam que a história de Cuba é impossível demais para ser verdade”.
Quer outro motivo para descobrir Cuba sob o olhar inteligente e irônico do Alex? Em 155 páginas, não existe uma única referência a esportes. É tudo o que você precisa para fugir da overdose pan-americana.
André, fiquei na duvida se comentaria esse post. estive em cuba por duas vezes.
a primeira em julho de 1986, o Brasil sequer mantinha relações diplomaticas com Cuba, foi um voo com muita gente da esquerda ( digo PT), e me senti gratificada por ter sido uma das que conseguiram ir. Tratava de um congresso, e minha “tese”,ou melhor meu trabalho foi aprovada e fui debatedora.
Apesar da grande expectativa e de tudo que imaginava, a decepção foi a grande marca da minha viagem. è um assunto longo, e não cabe aqui.
Voltei mais tarde, já em meados de 1992.
Acredite, nada havia mudado.
Se os atletas cubanos são bons, é uma questão de educação e necessiadade de sobreviv~encia.
mAS NÃO SOU ESPECIALISTA EM NADA, SÓ QUERO DIZER QUE VOU LER OS LIVROS INDICADOS, MAS SUGIRO , APESAR DE ACHAR QUE VC JÁ CONHECE, QUE LEIA O PEdro Juan Gutierrez..
ele conhece a CUBA verdadeira, ama aquela ilha, e relata em seus livros historias parecidas com a realidade…
Um abraço.
Em 2009 será o 50 aniversário da revolução… é só ir juntando as doletas e organizar um excursão 🙂
Falando sério, eu tenho curiosidade de conhecer a Ilha e o povo Cubano!
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