Pode ser uma impressão errada, mas sinto que a cada dia aumentam, especialmente em listas de discussão sobre o tema, as reclamações sobre a má qualidade dos textos em sites de notícia. Boa parte delas trazem a mesma pergunta: “como é possível um portal desse naipe, que certamente conta com profissionais formados, deixar passar esse tipo de barbaridade?”.
Obviamente, em coberturas extensas como o Pan (ou nas trágicas, como terça à noite), a sensação de despreparo é ainda maior. Mesmo em um portal onde há uma preocupação em não transformar conteúdo em um “show de calouros”, alguém pode estampar uma fotomontagem trazendo alguém pulando do prédio em chamas como se fosse verdade.
Mesmo a mídia eletrônica tradicional (rádio e TV) mostram dificuldades para lidar com o tema… Imagine em sites noticiosos, onde as equipes são reduzidíssimas e repleta de gente jovem. Começa com perguntas estranhas, mal formuladas e fora de contexto em conversas com as fontes (isso quando existe o mínimo de checagem), esbarrando em um produto final repleto de falhas.
Antes que o Adilson, meu interlocutor preferido no tema, coloque sua opinião, vou reproduzir aqui seu último comentário, que reflete a minha opinião: a qualidade do que se lê na Internet não está caindo por acaso.
André, André, André... Olha, todos adoram jogar suas pedras. Mas lembremos que também teremos nosso dia de vidraça!
Para quem não sabe, a maioria das vagas dos repórteres hoje é preenchida por estagiários. Mesmo assim, em todas as redações, existem pessoas responsáveis por corrigir as besteiras que os jornalistas escrevem: os editores.
Portanto, se um erro assim passou e ficou tanto tempo no ar, a culpa é do editor, e não somente da pobre repórter que escreve "trocentas" notícias por dia.
Antigamente, esses editores eram caras mais velhos, experientes e talentosos. Com a crise na imprensa, os bons mestres do jornalismo viraram consultores, ou qualquer outra coisa. Para o lugar deles foram promovidos os repórteres mais espertinhos. Apesar do talento evidente dessa geração, eles ainda são muito jovens, têm pouca quilometragem e, assim como o que sobrou dos repórteres, estão sobrecarregados.
Então, a culpa de tudo isso é do esquema montado pelos barões da imprensa. Eles pagam cada vez menos, para menos pessoas e exigem mais produção.
Sei que esse discurso parece um tanto quanto corporativista, mas quem conhece a situação concordará comigo. O que não dá é apenas achar que a culpa é da repórter e pronto.
O Adilson tem toda razão. Eu mesmo me encaixo nessa longa relação de profissionais cada vez mais novos, com pouca quilometragem, de olho em tudo que vai ao ar num site. Basta acumular o mínimo de rodagem para sermos alçados ao patamar de “responsável pela home”, por exemplo.
Ao mesmo tempo, os repórteres tarimbados são facilmente substituídos por profissionais recém-formados (ou mesmo do primeiro ano de faculdade), evidentemente com salários mais baixos (ou alguém acredita que isso acontece por causa das “oportunidades aos jovens talentos?”). O empregador acredita que não tem o menor problema alimentar seu noticiário com material de agência ou releases (o que explica a “pasteurização” que nos dá a sensação real de ler a mesma coisa em várias fontes). Mesmo assim, a molecada vive o tempo todo sobrecarregada e pressionada.
Assim como em qualquer tragédia aérea, podemos culpar muita gente: a crise da imprensa, o excesso de faculdades defasadas, a ganância dos donos do negócio… Meter o pau simplesmente no redator ou no editor é bobagem: nossa geração tem talento e muita vontade de aprender – e especialmente não errar. Mas não é fácil. É por isso que os erros, seja em uma nota perdida no índice ou logo na home, vão continuar por muito tempo.
Rapaz, dentre tantos exemplos, temos material suficiente pra montarmos um blog intitulado “Terra Facts”.
Ou piorar…
A cobertura em tempo real do acidente da TAM foi quase tão trágica quanto o acidente em si, especialmente na TV aberta. Os apresentadores da tarde dispararam asneiras inaceitáveis, inventando explicações para o acidente, tecendo comentários absurdos e sem falar no tsunami de informações “não-confirmadas” sem o menor fundamento.
Muito bom post escrito sob o ponto de vista de um jornalista.
Não são os barões de imprensa os únicos “culpados” de situaações pavorosas. É o sistema econômico em que vidas humanas valem menos que ranhuras. investimento em infra: 6% . Aumento em número de passageiros: 60%. Fonte: The Los Angeles Times.
Excelente, André; excelente.
Andre, concordo com a Tina, não são os barões da imprensa os unicos “culpados” ( sic).
falta de investimentos = falta de respeito para com o cidadão.
é isso ai. pau sempre na cabeça do mais fraco, ou…do mais poderoso?
bjos
só você mesmo para trazer isso á tona de forma tão coerente. Parabéns! independente dos diversos fatores que levam a estes resultados, acredito que os barões da mídia merecem ganhar destaque neste círculo de erros, osbtáculos e problemas. Afinal, são eles que podem transformar mais da metade da realidade que temos agora, ou não?
Realmente, essa geração de jornalistas fast-food não está nos alimentando com informações corretas. Muitas vezes, é melhor alimentar-se num restaurante tradicional (jornal do dia seguinte e revista da semana).
Até que ponto a busca pelo tempo real compensa? ‘Pausteurização’, erros, fatos não confirmados sendo repassados como se fossem verdades óbvias… Por outro lado, apesar dos erros, apesar dos problemas nas redações, a notícia é dada com uma velocidade incrível.
Muito bom o post 🙂
O que mais me irrita nessas coberturas é o sensacionalismo. Uma repórter despreparada da Eldorado, rádio de muito boa reputação, ficava apavorando as pessoas, já suficientemente apreensivas, com perguntas imbecis do gênero: “quantos botijões de gás a senhora tem no seu restaurante que está sendo interditado neste momento?” e por aí vai. O mais chocante é alguns repórteres, sem certeza da notícia, sem apurar bem os fatos, sem certificarem-se da informação, começarem a falar desse ou daquele suposto morto com verbos no passado, como se o fulano de fato estivesse entre as vítimas. Quando meu primo, que trabalhava na CET, morreu em serviço por ter sido atropelado por um caminhão em plena Av. dos Bandeirantes, eu soube da notícia pela imprensa. Li que o caminhão havia “passado em cima da cabeça do marronzinho”. E não foi isso o que aconteceu, apesar de o acidente ter sido feio. Eu, parente da vítima, soube da morte do meu primo por meio de um repórter mal-preparado e infeliz, mais preocupado com a dramaticidade da reportagem do que com o humanismo que a situação exigia. Não posso generalizar, porque conheço bons jornalistas (você é um deles, né, André), mas eu não confio na imprensa como eu deveria…
Marmota, acabei de publicar mais um exemplo material para o “Terra facts” do Tuca… citando vc, é claro. 😛