A primeira vez que lembro ter sentido algo diferente por alguém do sexo feminino foi em 1988. Eu e a mocinha em questão dividíamos o posto de “mais inteligentes da quinta série”. Durante alguns meses, as duas panelinhas mais fortes da classe eram as menininhas da frente, ao redor dela, e a turma do fundão, onde eu sempre fiquei. Olhando para trás, lamento por essa divisão imbecil: poderia ter começado ali, aos 11 anos, um tratamento de choque capaz de acostumar meus sentimentos aos meus tropeços.
Mas enfim. Longos anos depois – uns 15, pelo menos – eu fiz algo fora de propósito. Graças ao poder dessa poderosa rede de informações, foi fácil jogar o nome completo dela e descobrir o telefone da época. Minhas mãos tremiam com o gancho na mão, mas não desisti. Disquei, esperei chamar e ser atendido. Depois do “alô”, ainda levou alguns segundos até ela lembrar “quem diabos era esse sujeito que, depois de tanto tempo, resolveu ligar”.
Não é difícil imaginar o tamanho de uma surpresa como essa. Talvez aquele telefonema permaneça também na memória dela, já que foi o primeiro e último. Começamos com aquele papinho bobo de praxe: quanto tempo, como você está, e a família, o que anda fazendo, tem notícias do pessoal. Minha habilidade jornalística em elaborar uma pergunta relevante, mas discretamente, foi acionada na primeira oportunidade. “Puxa, seu sobrenome é o mesmo… Quer dizer que você não casou, certo?”.
Quanta inteligência. Diante daquilo, tive que admitir que realmente “cacei” o nome dela na Internet, atitude de qualquer solteiro desesperado. De todas as palavras ditas por ela naquele telefonema, lembro apenas do “não, eu me casei há dois anos” e do “nossa, nem queira me ver, estou longe de ser a mesma pessoa dos tempos do ginásio”. Ela não entrou em detalhes, deixando milhões de lacunas no ar: que tipo de baranga ou coisa do gênero havia encapsulado minha paixão inocente da quinta série?
Lembrei dessa história esses dias, num animado encontrinho de ex-companheiros da faculdade na Vila Madalena. Episódio que reuniu dois desafios bem maiores que aquele telefonema: andar de carro naquela porcaria de bairro em uma noite de sábado e rever outra das minhas paixões não correspondidas. Quer dizer, uma das mais fascinantes, a ponto de ter sido uma das poucas que realmente ouviram isso da minha boca. Fazia muito tempo que ela estava na minha lista batizada de “não insista, deixe-a viver em paz, não estrague as suas lembranças e nem deixe a realidade massacrar essa visão platônica e ingênua”.
Felizmente, não estava sozinho: uma amiga comum, que conhece as minhas dificuldades com auto-estima e confiança, estava lá para servir, indiretamente, de “proteção”. Conversávamos felizes enquanto ela permanecia em outro canto da mesa, não menos feliz. Vez ou outra ela até lembrava da minha presença ali… Mas preferia dançar e sorrir, aproveitando a noite sem remexer qualquer lembrança. E eu consegui deixar o barzinho aliviado: era mais um fantasma desmistificado em minha cabeça oca. Até um breve abraço, seguido por um “até outra hora”, eu pude lhe dar.
Logo depois, veio a inevitável curiosidade da minha amiga. “E aí, como foi revê-la?”. Disse a verdade: foi tranquilo, ela estava diferente daquela moça que havia conhecido. “Ah, mas ainda que você pense que não mudou, você também não é o mesmo da faculdade”, devolveu. Prossegui com um comentário bastante egoísta: para o bem das nossas memórias, algumas pessoas deviam ficar no passado, junto com decisões e escolhas mal feitas relacionados a elas. “Deixe de ser idiota. Você precisa é lidar com o que está por vir, com as muitas coisas que a vida pode te dar, e não com esse seu bauzinho inútil do passado, cheio dessas coisas que não foram como gostaríamos que tivessem sido”.
Pois é, preciso lembrar que as pessoas mudam. E eu também devia mudar de vez em quando.
Incrível como isso se repete na vida da gente…
O pior, para mim, é ex-namorado ligando depois de anos e querendo saber como eu estou… às vezes dá aquela sensação de que a pessoa pensa que paramos tudo na vida para esperar por ele ou, pior, que não fizemos nada, nos congelamos esperando a sua volta.
adorei o post.
bjs e boa semana
Às vezes me pergunto se não estamos perdendo nada ao deixar para depois, ou simplesmente adiar indefinidamente (procrastinar?) certas coisas que precisariam ser ditas, mas que no momento não temos a coragem necessária.
De qualquer modo, já estou abrindo o Google para procurar minha paixão da 5ª série… 😛
Reencontrar pessoas que foram importantes no passado – ah, rapá! -, não quero não!!! Duas únicas experiências que tive há pouco tempo me deixaram traumatizada…
Às vezes é difícil perceber que tudo muda, inclusive nós…
Só agora, depois de 22 anos morando aqui nos EUA começo a entender que várias das minhas amizades do passado são as cascas dos meus amigos ma slá dentro não têm a ver comigo mais. Muitos se tornaram bombeiros e foram incendiários. Outros se apegam ao __Ah, os Beatles sim! E há os que têm preconceito com blogs e aí , não dá de vez. Estou-me acostumando.
Guarde as boas lembranças. Isso é o que vale.