Brasília (DF) – Observe atentamente a foto a seguir. Repare na caminhonete prateada, estacionada.
Agora faça um esforço com a imaginação, retorne 17 anos e veja, bem ali, uma Brasília amarela.
Que não ficaria parada ali por muito tempo.
Você já leu essa historinha aqui, perdida em um mega-texto sobre todos os meus finais de ano. Mas acho que, desta vez, tenho um bom pretexto para detalhá-la. Em 1988, meu pai tinha sido deslocado temporariamente para a Capital Federal. Eu e o meu irmão, dois moleques, não tínhamos o menor compromisso com nada – especialmente entre dezembro e março, ah como era bom ter férias escolares… Estava decidido: moraríamos em Brasília, todos juntos, por três meses.
A viagem, de carro, durou todo nosso primeiro dia de 1989 – o sol ainda estava surgindo e já estávamos na Anhanguera, ainda sem a infinidade de pedágios. Meu pai no volante e, a bordo da valente Brasília amarela 1978 (jovem como eu), muita tralha. Malas de roupas, utensílios domésticos, fitas cassete, minha mesa de botão, uma pipa de plástico, uma maquina fotográfica… Uma infinidade de coisas – o exagero foi visível na beira da estrada, quase em Catalão, quando um dos pneus furou, obrigando meu pai a esvaziar o porta-malas (na frente) para reencontrar o estepe.
A primeira visão da cidade, já no meio da noite, foi o Memorial JK. Bem ao longe, antes de fazer a curva, subir e descer viadutos, estava a Esplanada dos Ministérios e o Congresso Nacional. Sem descarregar todo o carro, aportamos no simpático apart hotel, nosso novo endereço. Aliás, que endereço: setor residencial e comercial norte, quadra 715, bloco F, apartamento 204. Deixamos algumas poucas coisas no carro: as fitas, a máquina fotográfica com as fotos do Natal, a mesa de botão…
Nunca mais veríamos essas coisas novamente. Já estava bem instalado na cama, assistindo ao inédito “O Príncipe e o Mendigo” no SBT (canal 12) quando meus pais gritam, após um telefonema da portaria. “Roubaram nosso carro!!!”. Logo nos primeiros minutos de Brasília. Era muito injusto.
Levou menos de uma semana para a polícia resgatar nosso carrinho. Ou melhor, o que sobrou dele. A placa (NK 7048) e a carcaça. Não servia para nada, além da revenda. Valia Cz$ 750 mil, grana que dias depois se transformariam em apenas NCz$ 750.
Nossos passeios eram de um dos dois tipos a seguir. Ou partíamos em busca de um novo carrinho, a partir dos classificados do Correio Brasiliense – foi assim que conhecemos Sobradinho, onde resgataram a lata da Brasília, e outras cidades-satélite…
Ou tomávamos o “Grande Circular” e partíamos para os arredores do Eixo Monumental. Em uma das primeiras caminhadas, desembarcamos na rodoviária central, olhamos em direção à Praça dos Três Poderes e concluímos: ah, é logo ali.
E não era bem assim. Ali descobríamos as três razões básicas para evitar um passeio pedestre em Brasília. O primeiro é a ilusão de que estamos perto. O segundo é a ausência de calçadas próximo aos “cruzamentos” e em outros locais. O terceiro é o clima: quando você menos espera, chove. Dez ou quinze minutos depois, a chuva acaba. Em alguns casos, chuva e sol convivem harmoniosamente, ao mesmo tempo.
Em outro passeio micado, decidimos fazer a chamada “cobertura de guerra aqui mesmo”, mesmo sem saber disso. Vimos um ônibus apontando para o Lago Paranoá e embarcamos, até o ponto final. Confesso: eu nunca tinha visto nada tão amedrontador. Aquilo, assim como algumas cidades-satélites, explicam onde foram parar os mais desprovidos, que não se encontravam em nenhum dos setores planejados do plano piloto. Não lembro como foi, mas conseguimos sair dali.
Mas também tenho boas lembranças. Fomos muitas vezes ao parque da cidade, que chamava-se Rogério Pithon Farias (agora chama-se Sarah Kubitchek) para andar de pedalinho e botar a pipa de plástico bem alto. Também fomos (de carona) ao parque nacional, onde passamos a tarde inteira mergulhado em piscinas de águas naturais.
Tudo isso sem uma câmera fotográfica. Mas tudo bem, haviam os cartões postais. Foi exatamente nessa época que comecei minha coleçãozinha – também era uma forma de visitar alguns pontos turísticos sem muito esforço.
Mas o melhor não estava propriamente nos parques ou outras atrações: o clima seco da cidade simplesmente mandou minha rinite alérgica para o espaço. Foram três meses inteiros sem espirros ou revoluções líquidas nas narinas. Quem diria…
No fim, desistimos de comprar um novo carro. Pouco depois do Carnaval de 1989, juntamos todas as tralhas em malas, sacos de estopa e afins. Embarcamos bem cedo na rodoferroviária e, no inicio da madrugada, já estávamos em casa. Não da pra chamar esse período bacana e intenso de nossas vidas de férias.
A sensação de rever um lugar depois de tanto tempo é muito estranha. Porque tinha uma imagem gravada na mente, mas que foi duramente atualizada, graças a implacável ação do tempo. A quadra 715 norte, assim como praticamente toda a cidade, sofre com o “envelhecimento”, que lhe dá uma sensação estranha de descaso.
“Essa região da Asa Norte cresceu bastante dos anos 80 pra cá”, me disse o Alexandre Sena. Ele tem razão. Da varanda do nosso apartamento, tínhamos a visão de um terreno gramado, além da rua que separa as quadras 715 e 714. Agora, a visão do prédio é interrompida por outros edifícios, da mesma altura erguidos naquele terreno.
Uma das minhas lembranças dos meus 11 anos de idade era a Panificadora Chaplin, que ficava quase no fim da quadra. Tinha um pão de queijo sempre quentinho e saboroso. E todas as atendentes eram muito simpáticas. Agora existem duas padarias, uma praticamente do lado da outra. Nenhuma delas se parece com a saudosa Chaplin.
Caminhando pela W3 norte, resgatei outras duas recordações: a banca de revistas onde comprava o Correio Brasiliense e alguns postais (ainda está ali, meio desfigurada) e o supermercado do outro lado da rua, as Casas da Banha. Ficava escondido, descendo as escadas do Edifício Imperial. Hoje, nem sinal do CB: duas agências bancárias tomaram conta do mesmo espaço.
Ainda a pé pela cidade, resolvi checar os três itens que impedem qualquer pedestre de caminhar por essas bandas. Realmente, em muitas avenidas, é impossível não andar pelo asfalto. Também não da para sair sem um guarda-chuva: ele certamente será muito útil.
Mas a sensação de que tudo fica muito longe, admito, ficou menor. Saí do meu hotel, diante do shopping Pátio Brasil, por volta das duas. Caminhei pela tradicional feira de artesanato da torre de TV e subi o eixo em direção ao Memorial JK, pelo lado do parque da cidade.
Na volta, desci pelo lado do complexo esportivo, onde fica o ginásio Nilson Nelson (adoro esse nome!) e o estádio Mané Garrincha. Segui pela rodoviária central, Teatro Nacional, Esplanada… Quando vi, já estava na frente do Palácio do Planalto! Tudo bem, depois de fazer a volta em praticamente todo o “corpo do avião”, minhas pernas estão um bagaço. Mas acho que o dia valeu.
(Postado em 16/03/2006)
Eu tenho essa sensação estranha de rever um lugar… principalmente se eu estive lá qdo criança… tudo parece que perde a graça … sei la …
Mudando de assunto, vc fez jornalismo onde?
Bjo!
Mas que azar ter o carro roubado no primeiro dia! Putz!
Sim hoje posso comentar pois também estive lá e uma cidade sem nome de rua fica fora dos meus padrões e a quela sensação de que tudo é logo ali eu também tive , grande engano rsrsrrs