É muito fácil bancar o Juscelino da Luz e apontar ao mundo, com uma impáfia ao estilo “eu já sabia”, alguma obviedade após um fato contundente. Igual aquele seu amigo corneteiro, parindo um filho coreano e ofendido com o excesso de sensibilidade durante aquele empate apoplético com o Chile. O mesmo que, durante o primeiro tempo contra a Colômbia, provavelmente falou algo como: “Tá vendo? Eu sempre soube que essa choradeira ia passar e o time mostraria aquele futebol da Copa das Confederações”.
É o mesmo cidadão que vai deixar pronta a frase para uma possível derrota em Belo Horizonte, aquela cidade onde os nossos sonhos e esperanças costumam desabar inexplicavelmente como um viaduto. “Também, o Fred, o Paulinho e esses outros chorões nunca venceriam a Alemanha sem o Neymar”.
Não fique triste se os seus critérios costumam ser negligenciados como o exoesqueleto do Nicolelis durante a abertura da Copa. A todo instante, somos surpreendidos por notícias capazes de abalar nossas convicções. Considere, por exemplo, alguém que não goste do camisa dez da seleção. “Esse cai-cai enganador é o maior artilheiro do Brasil quando joga contra Naviraienses. E a postura de bom moço é só pra vender cueca: não vê que ele está processando a menina da revista? E o que ele fez naquela Páscoa de 2010, quando se recusou a entregar chocolate pras criancinhas espíritas? Tomara que quebre”.
Agora que quebrou, não me surpreenderia ouvir um “bem feito, Neymar”. Mas é nessas horas que a gente pode evoluir, não?
Mas e aquele papo de aposta?
Há meses vinha repetindo, em qualquer menção ao dia 13 de julho de 2014, a expressão “depois de Argentina e Alemanha no Maracanã”. A maioria não levou a sério (como deve ser). Alguns poucos me acusaram de “descrente”, “urubu”. Um amigo mais chegado repetiu um discurso antigo – que talvez você já leu em algum lugar. “Eu conheço essa sua tática vagabunda, leio o seu blog há muitos anos. Em agosto você vai posar de profeta sabidão. Na boa? Isso não acrescenta nada. Mas isso não vai me impedir de torcer. E se perder, é do jogo. Qualquer discussão vai ser eterna e desnecessária. Faça me o favor!”.
O Caio Colão quis saber mais. Disse a ele que torceria como sempre, mas em algum momento viria um tropeço. O Brasil passaria pela primeira fase (como aconteceu), ganharia do Chile nas oitavas (estava claro que Holanda ou Espanha ficaria logo de cara) e talvez suasse diante de Itália ou Inglaterra nas quartas (mudo o meu nome para James Rodrigues se alguém apostou na Costa Rica), mas cairia diante da Alemanha no Mineirão e jogaria a decisão do terceiro lugar nas nababescas instalações do Planalto Central.
– Isso é bobagem. Aposto com você que o Brasil vai ser hexacampeão.
– Sei. Vai dizer que a Dilma comprou a festa… Já fomos mais inteligentes, como diria aquele jornalista.
– Nada disso. Vai ser no campo. E quando eu digo “apostar”, falo sério.
A conversa continuou no seguinte tom: “pense em algo que eu dificilmente seria capaz de fazer para selarmos a brincadeira”. Propus algo bem simples e prosaico: caso o Brasil não conquiste a taça, o são-paulino Caio terá que usar uma camisa do Corinthians durante um dia de trabalho.
– Eu topo. Mas vou cobrar na mesma moeda. Se a seleção for campeã, você virá para a sua primeira aula do semestre usando traje social. Completo. Terno, camisa, gravata…
“Caramba. Deve ser assim que um Tricolor se sente só de pensar em usar o uniorme do Timão”, pensei, usando meu jeans de sempre e alguma das minhas camisetas largas com mensagens edificantes. Talvez a última vez em que alguém me viu assim tenha sido em algum casamento.
Apertamos as mãos diante de testemunhas. Estava tranquilo: salvo as “costas ricas” de outrora, ainda tinha 31 chances contra uma de vencer. A Copa começou e o time revelou suas fraquezas, especialmente na articulação do meio-campo, diante de Croácia e México. O gol contra logo na estreia, as mãos do Ochoa e toda uma “neymardependência” reforçavam meu palpite. Depois do desempenho contra o aplicado time de Sampaoli, acionei o Caio: “pode ser aquela antiga com o patrocínio da Kalunga, mas vá tomando suas providências”.
Então o Zuniga acerta uma joelhada na terceira vértebra do “cara da Copa das Copas” durante um segundo tempo que, convenhamos, não precisava ser como foi. Faltam dois jogos e minhas chances diminuiram: ao final das quartas, serão de três para uma. Incluindo a regularidade germânica, a sensação holandesa (que protagonizou o melhor jogo deste Mundial logo na primeira rodada) e os vizinhos albicelestes, que invadiram as ruas do país perguntando como os fregueses se sentem enquanto cantam que “Maradona es más grande que Pelé”.
Sem Neymar, Felipão e os onze que entrarão em campo vão ter que tirar coelhos novos da cartola. Henrique como terceiro zagueiro, espécie de líbero. Fernandinho e Paulinho, dois volantes no meio campo trancando a casa com cadeado. Todos, no entanto, usando uma camisa dez embaixo do uniforme. Vai ser praticamente o Palmeiras de 2012 buscando a Copa do Brasil. Ou aquela decisão da Libertadores em 99, coincidentemente diante de uma equipe colombiana.
É uma reviravolta psicológica ainda mais insana do que os recentes blablablás nas cercanias de Teresópolis. A ponto de eu acreditar realmente que, graças a desse episódio, eu tenho tudo para perder minha aposta.
Já foi o “fantasma do Maracanazzo”?
Luiz Suarez já mordeu, disse que não mordeu, foi punido (severamente, diga-se, mas por conta da reincidência), viu o aguerrido Uruguai se desmantelar no Maracanã nas oitavas-de-final, pediu desculpas e está prestes a se tornar companheiro de Messi e Neymar em Barcelona. Isso não significa que o “Fantasma de 50” já tenha sido exorcizado.
A derrota há 64 anos teve, é claro, uma boa dose de garra e superação charrúa. Mas acima de tudo, o caminho daquele placar de 2 a 1 passou por uma postura inacreditável de “já ganhou”. Assim que puder, conecte sua televisão ao Netflix e procure pelo documentário “Maracaná”. É a versão dos campeões sobre aquele fatídico Mundial. Provavelmente você chegará à conclusão de que, com base no ambiente criado, o desfecho não poderia ser outro.
Dessa vez, não há nenhuma chance de uma nova perda representar cicatrizes tão profundas. Não só pelo abismo de tempo, mas também pela história e amadurecimento acumulados. Vai ter choro, desculpas, erros apontados, gente metida dizendo “eu já sabia”… De toda forma, caso o Brasil atinja a final, bem que a ideia incrivelmente genial do Marcos VP poderia ser colocada em prática.
Não há jeito melhor de colocar um fantasma em seu devido lugar: enfrentando-o com as forças do presente. Nesse caso, uma camisa branca, igual ao usado por um de nossos melhores escretes de todos os tempos, cuja proeza (o vice-campeonato mundial) representou um castigo sem fim para quem esteve lá. “Depois, é só deixar tudo com a histeria de Galvão Bueno. E claro, não esqueçam de combinar o resultado com a equipe adversária”, completou, ao apresentar a proposta.
Ficaria ainda melhor se a semifinal fosse diante da França – um fantasma bem mais recente. Mas enfim, é fato que o time tem mais com o que se preocupar no momento.
Atualizado em 08/07: a vida nos surpreende com perplexidades que ficam marcadas pra sempre, mesmo após pegar a bola no fundo do gol e tocar adiante. Ganhei a aposta nesse clima de “não precisava ter sido assim”.
Pior que essa aposta você não perde, viu? O são-paulino vai se dar mal.