Foram pouco mais de 630 cromos autocolantes, incluindo figurinhas-jabá que todo colecionador amou odiar. Algumas dezenas de repetidas: mais da metade espanhóis sorridentes e hondurenhos com cara de “perdi”; sósias do Thiaguinho, clone do Marcos Mion de cabelo black power na Bélgica, clone do Romarinho na Colômbia, holandeses, nigerianos e holandeses impossíveis… Noites de trocas e negociações com amigos, companheiros do dia-a-dia, desconhecidos no vão do Masp. Finalmente, após dois meses, eis o momento solene: depois de um mês, um coreano teve a honra de fechar meu álbum da Copa.
Então acabou. Não é estranha essa sensação? Está tudo completo. Ponto final. Não sei se era este o lugar que eu pensava. Preencher tudo implica em esvaziar a razão por trás daquilo que impulsionou o desejo de colecionar e trocar figurinhas. Agora ele está ali num canto, perto da cesta do lixo, pegando poeira. Vai virar uma lembrança – ou vai ser esquecido, como a figurinha do Robinho. “Mas não era a grande coqueluche dos últimos tempos? Não se falava em outra coisa! E tem até capa dura!”.
Era. Mas nosso tempo já passou. Como foi pro espaço a deliciosa desculpa mal humorada das últimas semanas: “imagina na Copa”. E agora? Como vai ser?
“Ah, sobram as figurinhas repetidas pra gente brincar! Depois você fica folheando e revendo as páginas, examinando detalhes que não estavam lá, relembrando o caminho que você percorreu para chegar aqui”, vai dizer algum otimista, sem deixar de mostrar seu pacote de repetidas ao lado de seus álbuns anteriores – e ai de quem manuseá-los de qualquer jeito! Também dá para colecionar o mesmo álbum, de novo. Este não é só um sujeito otimista: é um apaixonado! Quer chegar no mesmo lugar outra vez, mas por caminhos diferentes!
O fato de chegar lá sem usar praticamente nenhum laço desconhecido coloca todos os meus amigos na categoria “loucos por figurinhas”. Dois deles, no entanto, se superaram. Meu aplicativo com escaneamento inútil da Panini apontava pouco mais de 20 faltantes na noite em que comemorei meu aniversário no bom e velho Pinheirinho. Reduzi para menos da metade antes mesmo de chega, graças ao infinito volume de repetidas do Trotta. “É que da última vez eu tinha poucas para participar, desta vez eu me preparei”, revelou o animal.
Durante a festinha, foi a vez do Narazaki esnobar: tirou da bolsa uma caixinha de smartphone Galaxy, com praticamente todos os cromos possíveis. O traficante de cromos explicou: “cabem direitinho aqui. São as do meu segundo álbum, mas decidi não colar nenhuma. Assim continuo trocando e negociando”. Excelente forma de prolongar a festa rumo à inevitável entropia, ao contrário daquele boboca que acabou com a brincadeira logo no primeiro dia.
Nesses trinta e poucos dias, devo ter gasto uns R$ 150 em figurinhas, na Capital e nas poucas viagens que fiz pelo interior. De toda forma, não fosse por gente boa responsável por movimentar a economia colaborativa dos crominhos, incluindo gente que jamais imaginou entrar na roda e se empolgou adoidado, eu não teria finalizado o meu álbum.
O melhor álbum do mundo
Mas o vazio permanece, restou a imagem dos alemães festejando sob os fogos do Maraca após o sol ir embora ao lado do Cristo Redentor. Sem estarem necessariamente naquele mesmo instante ou nesta dimensão, uma representação do Minduim conversava com sua garotinha ruiva sobre algo ainda mais inventivo.
– Você não acha que uma relação equilibrada é como um álbum de figurinhas sem fim?
– Mmmhhh… Não sei. Talvez seja um álbum que pode sim ser completo. Só depende de seu dono manter o interesse nele.
– Também não faço ideia. Pode acontecer desse dono monopolizar a brincadeira e o outro reclamar. “Ele não me empresa o álbum”, sabe? Fico pensando ainda que esse interesse só acontece se existir uma próxima página, em branco. “Ei, vamos para a próxima página?”
– E se cada um colecionar o seu próprio álbum?
– Ah. Fica chato. Cada um pode colecionar o que quiser. Eu posso colecionar postais. Você, joaninhas. Mas o álbum é uma coleção pra gente chamar de “nossa”.
– Uhum. Até um inventar de acabar. “Ah, cansei dessa coleção”.
– Não seria o melhor dos mundos acordar e falar: “e se a gente enchesse a próxima página com jogadores que começam com vogais e de cabeça para baixo?”.
– A gente podia imprimir umas figurinhas novas, baseadas em uma sequência completamente aleatória…
– Isso! Agora imagine cuidar disso por um tempão…
– Ah, isso dá um trabalho… E a quantidade de repetidas?
– Com as repetidas a gente poderia ajudar alguém… Doar!
– Ou guardar… Mas e o enigma das páginas-surpresa, que não estavam previstas?
– Eu gosto de surpresas. Elas podem ser divertidas!
– Como podem ser um saco… Mas não tem como a gente saber. Vai vir de um tudo.
– Mesmo sendo o “melhor do mundo”. Se é o melhor, há está completo e não tem mais nada para fazer, né?
– Ah… Dá para colar figurinhas diferentes por cima!
– Mmmhhh… Mesmo assim, as antigas vão estar lá. Aqueles careteiros de duas páginas inteiras!
– Mas não é pra elas deixarem de existir. São história.
– Enfim, ainda não sei se ele realmente não acaba ou se a dinâmica dele está nas nossas mãos. Mas é fato que, pra ficar legal, a tarefa precisa ter o tempo que ela precisar…
– É, cada um decide o que fazer com ele, se vai largar, guardar… E tem aqueles que enroooolam! “Você está com o álbum?” “Ih! Esqueci!”
– Devia ter um jeito desse álbum demorar pra completar, né? Podia se chamar “jogo de simulação de um parque de diversões”, e não “álbum de Copa do Mundo”!
– Hahaha! Igual aos primeiros SimCity ou o Civilization! Eu ainda jogo os dois, sabia?
– Nossa… Não acabam nunca!
– É…
O melhor do melhor do mundo
Aquele evento entre brasileiros e germânicos em Belo Horizonte tornou-se algo que costumo exemplificar para designar situações capazes de gerar perplexidade e surpresa (“você ainda quer saber como aquele namoro acabou? Então, sabe o 7 a 1?”). Ainda assim, ainda acho o time de 1990 pior que este. Seguindo o mesmo raciocínio, a melhor seleção brasileira de todos os tempos foi a de 1982. Não discuto com quem responde algo como “se fossem os melhores, teriam ganhado”. Não é o argumento mais inteligente: o time de 1994 foi campeão com o Zinho. A conclusão é simples e Eduardo Sterblitch explica: para que serve um rótulo de “melhor do melhor” de alguma coisa além de nada?
Nada. Não é mesmo?
Aliás, esse papo de “esta é a coisa mais incrível desse mundo” me faz lembrar de um texto delicioso da Camila, que traz em algum momento o seguinte diálogo entre seu pai e ela:
– Sabia que seu amigo me disse que sou muito especial, papai? Por que ele disse que sou muito especial?
– Porque ele estava bêbado, filha.
Atualizado em 24/07: passei uns dias em Buenos Aires e, para celebrar o vice-campeonato dos argentinos, rapelei todas as edições especiais de El Gráfico em uma banca de Palermo (episódio que merece ser contada mais adiante). Também usei cinquenta pesos para comprar dez pacotinhos de figurinhas na frente do hotel, no Obelisco (não me julgue). Ao invés do verde claro, os envelopes tem detalhes dourados e o verso revela um “indústria argentina”. A face, como era de se esperar, é rigorosamente a mesma. Inclusive os hondurenhos.
Pois é, minha gente: eu realmente não queria que a coisa terminasse. Imagina na Copa.
Bom mesmo é quando lançam aquelas figurinhas novas que corrigem magicamente os erros do passado! Epa, acho que essa possibilidade não é pra qualquer álbum, mesmo que seja o melhor do mundo.
Ah sim! Pra quem estiver preocupado, declaro que o cara que juntou pilhas e pilhas de repetidas não teve nenhum siricutico e passa bem! Hehehe