Já sabíamos há uns sete anos: vai ter Copa. Foi quando Lula, como Fausto, teve com Blatter, um tipo de Mefistófeles. Assinou um papel e, graças a isso, um país inteiro virou hospedeiro de um vírus chamado Fifa.
Vai ter Lei Geral da Copa valendo com força. Vai ter rua fechada pelo exército barrando moradores que nasceram ali. Vai ter ônibus Hyundai, cerveja Budweiser, lanche do McDonalds e mais nada a partir de centenas de metros das arenas. Vai ter ambientalista questionando “como se destrói uma praia no litoral baiano liberando licença em duas semanas”. Mas também vai ter muito “padrão” quebrado pelo improviso, como o ônibus mexicano em Santos. Vai ter encalhe de fuleco e caxirola.
Vai ter o “ambiente mundialista” que nossos hermanos latino-americanos (dizem) não encontraram ao chegar. Rua pintada, bandeiras penduradas, pão com vinagrete na laje. Camisas piratas penduradas na frente do semáforo, cornetas, apitos, bandeiras na antena do carro. Especialistas avaliando formações táticas sugerindo substituições. Desencanados que “só torcem para times de futebol quando tem Copa”. Aficionados que acham linda aquela camisa com distintivos degradê usada em 94. Saudosos do Telê, do Zico, do Cerezo, daquele escrete do Tri, do Zagallo. Vai ter churrasco de paulista, pizza carioca, tacacá na festa junina, samba no trio elétrico de Viamão, argentino comendo feijão tropeiro, pagode e sertanejo em Fan Fest do nordeste.
Vai ter gente lembrando músicas lindas ligadas ao Mundial. Comerciais de TV legais no primeiro dia, mas que se tornarão um saco após três semanas. Videoclipes oficiais discutíveis com “ô ô ô”. Vai ter Alexandre Pires, Claudia Leitte, Miguel Nicolelis e um paraplégico trajando um exoesqueleto. Vai ter gente maluca trazendo ônibus num conteiner para circular pelo Brasil. Turistas do planeta inteiro pegando o trem da Copa e desembarcando em Artur Alvim. Gente viajando para Cuiabá. Fazendo aquele passeio caça-níquel no Rio Negro depois de assistir a Inglaterra e Itália a poucas quadras do Residencial Kissia. Torcedor da Argélia em Porto Feliz, do irã em Guarulhos.
Vai ter encantamento pelo exótico. Jogador australiano elogiando Vitória. Jornalista espanhol desacreditando todas ao encontrar Curitiba. Índio pataxó fazendo selfie com craque internacional. Paseio de escuna e braços abertos abaixo do Cristo. Treinador holandês rindo ao ver seus atletas brincando de frescobol em Ipanema pouco antes de tomar uma gelada no Leblon. Eto’o dizendo que Obina é, sim, melhor que ele. Neuer e Schweinsteiger cantando “baêa, baêa!”. Prefeito entregando a chave da cidade para a delegação enquanto o padre abençoa a todos.
Vai ter block no feice por causa da overdose de #vaitercopa. Matemáticos e economistas usando modelos matemáticos para prever o imponderável. Intelectuais discutindo a fragilidade do conceito de patriotismo e citando os livros (imperdíveis, diga-se) do Andrew Jennings. Amantes do esporte lamentando as ausências de Ribery e Falcão Garcia, mas preparados para Espanha x Holanda e Alemanha x Portugal. Descolados apostando na Bélgica. Bichos procurando comida enquanto outros animais acreditam que estão prevendo resultados de jogos. Enlouquecidos pagando pau para o Messi. Uruguaios vestindo lençol, dois buracos e o número 50 nas costas. Neymarzetes saindo pelo ladrão.
Vai ter Galvão. Aguentem Olodum, Sandra Annemberg, Tiago Leifert, mesas-redondas com personalidades adstringentes. Vai ter ex-jogador coxinha de time idem brincando de pebolim virtual em HD enquanto explica o nada. Sessenta e quatro jogos transmitidos ao vivo com centenas de correspondentes em todos os cantos do país e das 32 nações participantes entrando ao vivo para dizer muita bobagem. Reprise do decote da Fernanda Lima e close em outros parecidos entre um lance e outro. Vai ter segunda tela, com aplicativo Globo ou só o Tweetdeck – só não se sabe ainda qual vai ser a primeira tela.
Vai ter fila pro táxi. Fila para buscar ingressos. Fila para entrar no trem. Vai ter protesto, greve, manifestação política (pleonasmo?), policiais cumprindo ordens, jornalistas atingidos, cidadãos reacionários mas bem aplaudindo. Vai ter muita gente torcendo contra, pois não quer que o PT vença. Gente torcendo muito, afinal as eleições só esquentam depois da final. Romário e Paulo Coelho desdizendo o que tinham dito antes. Vai ter uma multidão na rua. Pessoas que jamais assistiram a um jogo de Copa do Mundo em casa – e não verão nunca mais. Torcedores de seus clubes que vão chorar ao ouvir o hino da Fifa nas arquibancadas do seu estádio.
Se o Brasil ganhar, vai ter muita comemoração. Entendidos elogiando a Família Scolari e elogiando a preparação alegre e solta na Granja Comary. Se perder, ao menos não será como no Maracanazzo: estamos mais fortes após anos levando nosso complexo de vira-latas no divã. E os mesmos entendidos vão lamentar o oba-oba da preparação da Granja Comary.
Vai ter mais promessas não cumpridas, desde amores fugazes envolvendo brasileiros e gringos até obras que “vão ser entregues depois do Mundial”. Vai ter gente lembrando da zona de antes e cobrando a fatura do depois – como fizeram na África do Sul. O que vai ser de Cuiabá, Natal, dos empréstimos do BNDES.
Mas vai ter festa durante um mês, e é nela que vou estar. Imaginem na Copa.
Extra! Não vai ter aficcionado que acha linda aquela camisa com distintivos degradê usada em 94! Só tem um.
Mas a camisa degradê era linda mesmo. 🙂