Violência doméstica: Moçambique é aqui

Mulheres, podem me bater diante da confissão a seguir. Mais uma vez, me vi atropelado pelo caminhão de informações não absorvidas, ao me dar conta de um crime essa semana: como eu nunca tinha ouvido falar em Maria da Penha?

Maria da Penha Maia Fernandes se viu sem forças por longos seis anos. Seja por ter levado um tiro do marido (o que a deixou paraplégica), alem de choques elétricos e tentativa de afogamento… Seja por ver esse acéfalo (que era professor universitário!!!) punido apenas após 18 anos de julgamento, e após muitas idas e vindas… Ficou dois anos de cadeia! Dois anos!!! Mas os senhores são uns fanfarrões!!!

Agora, o que mais me deixa perplexo é ter que celebrar a sanção de uma Lei Federal que aumenta o rigor em cima do bandido em casos de agressão em âmbito familiar (que, merecidamente, leva o nome de Maria da Penha). Afinal, por que diabos só em 2006, quando as estatísticas revelavam dois milhões de casos do gênero por ano, desde sopetões até agressões verbais (sem contar os que não aparecem ali) para alguém agir?

Mais do que isso: precisava mesmo uma lei nova para ratificar algo que me parece tão óbvio? Espero que a Denise e suas amigas não me entendam mal, mas eu realmente ficaria feliz ao descobrir, num futuro, o dia que as mulheres não precisassem mais dos gritos de ordem feministas. Dia em que homens e mulheres finalmente descobrirão o significado da palavra “respeito”.

(Aliás, um adendo: minha perplexidade chega a ser ingênua, afinal de contas a pergunta “precisava dessa lei” vale pra tanta coisa…).

Partindo por esse raciocínio, não é difícil chegar a uma nobre (porém perigosíssima) conclusão: se homens e mulheres são iguais perante a Constituição, não haveria razão alguma para favorecer qualquer lado. Reafirmo aqui: seria realmente fabuloso conviver dessa forma. É uma pena que o ser humano não esteja preparado para isso, justificando com facilidade uma lei dessas.

O que dizer, por exemplo, das frases infelizes de um juiz em Sete Lagoas, desqualificando a lei Maria da Penha já que “p mundo é masculino; a idéia que temos de Deus é masculina; Jesus foi homem!”. Ah, francamente.

Vou mais longe: eu me arrisco a dizer que, infelizmente, nossa espécie está cada vez mais despreparada e propensa a atos insanos e covardes, independente da legislação. Li em algum lugar que, quando o marido bate na mulher, não está sendo violento apenas com ela, mas com a ifamília. Instituiçâo que, diga-se, simplesmente se perdeu – e nem é o caso de entrar nesse mérito, haja vista o volume de bebês recém-nascidos em bueiros, latas de lixo e afins…

Comecei a divagar nesse tema não só pela história da Maria da Penha, mas também graças a este registro do meu amigo Arno Rochol.

Ele esteve recentemente em Moçambique, por conta do projeto Rádio e Desenvolvimento Local. As participantes – todas mulheres – elaboraram uma mini-reportagem sobre violência doméstica, problema tão (ou mais) grave quanto aqui. Embaladas por uma musiquinha: “Quem cuida das crianças”, canta uma, e o coro responde: “É a mulher.” E assim vai, com outras perguntas, até o refrão: “Pois é, pois é, pois é, pois é, tem homem sem-vergonha que ainda bate na mulher”.

Enfim, a colonização portuguesa é apenas uma das semelhanças entre Brasil e Moçambique.

Comentários em blogs: ainda existem? (7)

  1. Depois desta visita vou seguir tua recomendação no cabeçalho e tratar da vida. Soube deste problema do juiz de Sete Lagoas justamente através da Dê e sua pracinha do SdeE.
    Há muito tempo atrás achava que no Brasil as mulheres tinham o bem-bom. Houve um programa, “60Minutes” mostrando uns assassinatos de mulheres impunes no Brasil. Bateu um “AHHH!” em mim.
    No caso do juiz não entendi e nem você me explicou como uma lei federal de uma república federativa pode ser desobedecida em Minas e até ter parecer em contrário. A menos que o Brasil tenha voltado a ser os Estados Unidos do Brasil.

    Quase hra de almoço aí e nem café tomei. Meus direitos!

  2. A Lei Maria da Penha surgiu de uma necessidade urgente, mas veio com um monte de erros e inconstitucionalidades, como sempre acontece quando se aprova leis no oba-oba eleitoral.Bom… acho que a tendência é ela ser “consertada” com o passar do tempo. Só que lei penal é pra punir, não pra previnir, né? Então… enquanto não houver um trabalho sério com as famílias antes que os problemas ocorram, a gente vai só se entristecer com histórias absurdas de violência doméstica.

  3. A muito tempo me irrito quando escuto de mulheres felicíssimas, porque o marido ou companheiro as ajuda nas tarefas de casa! Pode parecer contraditório, mas me irrito sim, pq o meu marido não me ajuda, eu não aceitaria essa ajuda! O meu marido DIVIDE as obrigações da casa e da educação de nosso filho comigo, pois temos direitos e deveres iguais. Saímos para trabalhar, voltamos e todos temos roupas para lavar, casa para arrumar, tv para ver e jornal para ler… Sonho com o dia em que as mulheres não sejam mais machistas na criação de seus filhos e ao invés de lutar para verem alguns dos seus direitos mais básicos sejam respeitados, consigam dividir a tarefa de criar homens que tornem se juízes com honra e que julguem casos de assassinatos, violência doméstica e tortura contra a mulher como julgariam a qualquer ser humano, independente da raça ou do sexo!

  4. Como disse a Claudia, a lei é bastante criticada na esfera jurídica por ser tecnicamente imperfeita, como na necessidade de se retratar perante o juiz, ou na probição da “pena de cesta básica” (não existe uma pena com esse nome no país).
    Mas os problemas são de ordem meramente formal, e não excluem o bizarro da situação de nosso país, de precisarmos de uma lei para (re?)afirmar o que deveria ser óbvio: homens e mulheres são iguais e possuem os mesmos direitos (!).

Vai comentar ou ficar apenas olhando?

Campos com * são obrigatórios. Relaxe: não vou montar um mailing com seus dados para vender na Praça da República.


*