Uma pedra nos bastidores

Faz tempo que eu não conto nenhuma história nova, dessas que podem acontecer com qualquer um, mas em razão das circunstâncias, acabam acontecendo comigo. Pois bem, para não perder o pique esportivo – e aproveitando a minha atípica noite de quarta-feira, preparem-se para gritar: e o Marmota, uma pedra!

O expediente começou no final da tarde, quando embarquei na van da Gazeta em direção a baixada santista. Pauta: cobrir o jogo Santos x Portuguesa Santista. Ao meu lado, o fotógrafo Carlos Oliveira, responsável pelas imagens do jogo (que também ilustram este post), e o inseparável Narazaki. Fora do horário de expediente, apenas em busca de uma noite agradável regada a bom futebol. Por motivos de segurança, o carro não traz nenhuma indicação de sua origem – torcedores mais exaltados não gostam muito da emissora, em função de algumas coisas desagradáveis ditas na TV. Não tenho nada a ver com isso, mas fico sempre feliz com essa preocupação.

O tempo fechou bem antes, já na descida da Imigrantes. A zona sul paulistana já estava coberta por nuvens carregadas, não demorou para que a chuva tomasse conta do trajeto. E o mau tempo persistiu: pisamos no estacionamento do Ulrico Mursa, em Santos, com água vindo de cima e de baixo – em forma de lama… Felizmente o estádio é pequeno: não tomei muita chuva para chegar ao setor de imprensa. Para chegar lá, é preciso subir num pedaço das arquibancadas. Felizmente, ainda haviam poucos torcedores – ainda faltavam pouco menos de duas horas para o início do jogo.

Enquanto lá fora a chuva refrescava o clima, lá dentro a multidão de jornalistas se esforçava para suportar o calor naquele reservado sub-dimensionado para a partida. Repórteres vestindo camisa de manga comprida suavam tanto quanto aquele famoso locutor de rádio, que estava apenas de bermuda. Tinha mais gente sem camisa, ao lado de outros que, como eu, preferiram ficar com a roupa ensopada.

Próximo passo: montar o esquema “repórter online”. Nas mãos, um laptop com processador Lentium e um pedido para a companhia telefônica puxar uma linha telefônica. Instalar aonde? Nesse momento, contei com a ajuda de Narazaki, não só para entender os segredos daquele laptop, mas também para posicioná-lo convenientemente: encontramos uma mesa vazia, atrapalhamos a passagem dos colegas tentando arrastá-la, encostamos em uma das paredes e, finalmente, estava quase tudo pronto.

Quase. O Lentium não funciona apenas na bateria, assim tive que contar com a boa vontade de um cinegrafista – a câmera dele, sim, funcionava com baterias. Tudo ligado, esperei alguns longos minutos até abrir o editor de texto, ao mesmo tempo que a bagaça tentava estabelecer a conexão discada. Sempre com um ouvido ligado na transmissão da Rádio Cultura e o outro no burburinho dos coleguinhas.

Estava confirmando a escalação das equipes quando… Puf. O Lentium apagou. “Queimou essa mer…”, pensei. Constatei que o problema estava na fonte. Era o famoso Osmar. Osmarcontato (piada velha e fraca detected). Bastava alguém chutar aquela caixinha para que todo o processo “ligar-abrir-conectar-esperar-abrir de novo” tivesse que ser repetido. E foi exatamente o que aconteceu, exatas quatro vezes durante o jogo. Da mesma forma, repeti, gentilmente, o seguinte diálogo.

– Meu amigo, posso te pedir um favor? Essa fonte está com problemas, e toda vez que alguém chuta, o computador desliga…
– Opa, desculpaí… Foi mal…

Tudo bem. Quase não liguei para isso durante o primeiro tempo, onde fiquei em pé ao lado de dezenas de olhares atentos. Não em Diego e Robinho, mas sim em Souza e Rico. A dupla da Santista surpreendeu e matou o jogo antes do intervalo: 2 a 0 para os donos da casa. Mas não foi só isso que vimos antes do apito do juiz. Faltando alguns minutos para o fim da primeira etapa, um estrondo. Era um raio, que caiu bem perto do estádio. Naquele segundo, gritos assustados, repórteres de campo molhados soltando o microfone simultaneamente e um cinegrafista caído, sobre a laje onde a TV posicionou as câmeras. Felizmente, tudo bem com ele. Foi só o susto.

“Não dá para trabalhar assim”, disse o repórter da rádio, assim que a transmissão deles voltou ao normal, já no segundo tempo. Eu digo o mesmo. Sem cadeira alguma nas redondezas (as poucas já estavam tomadas), comecei a redigir durante o segundo tempo. Aqui, confesso que vi pouco o jogo – felizmente, nada demais aconteceu, além da expulsão do Fábio Costa, poucos lances de perigo e mais nervosismo dentro de campo. Ah, o melhor: o resultado do jogo não se alterou, o que não provocou nenhuma reviravolta na linha de raciocínio do texto – coisa muito comum no futebol, quando o time que está perdendo resolve virar o jogo nos últimos cinco minutos. E adeus matéria.

Voltando. Sem cadeiras, e sem condições de escrever nada em pé e com o corpo inclinado, resolvi ajoelhar. Não demorou para que pintase a piada pronta:

– Ajoelhou, tem que rezar, hein?

A resposta, no estalo:

– Com esse computador “plug and pray”, nem é preciso pedir…

A reza deu certo, a conexão não caiu, o jogo acabou e publiquei o texto. Apesar das condições precárias – calor, cadeira, conexão e outros “c’s” impublicáveis, a nota entrou no ar alguns minutos depois, como manda o dinamismo proposto pela Internet. Mais alguns minutos para desarmar o circo e carregar tudo para os vestiários, onde acontece o mais importante: o rescaldo do jogo, entrevistas que rendem notinhas durante todo o dia. Ali, além do calor, temos outro desafio: cada um buscando o seu espaço, tentando ouvir o que os responsáveis por tudo aquilo tem a dizer.

Pronto. Agora só faltava voltar ao lamaçal, entrar na van, subir a serra, chegar à redação, escrever mais algumas notinhas, pausa para um lanche no Burdog e, finalmente, ir para casa dormir, às cinco da manhã. Como uma pedra. Até o início de mais um dia, com mais surpresas.

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