Um encanto de novela

Há tanto a falar e sentir a respeito das movimentações dramatúrgicas da telinha nos últimos meses… Astros de um coração insensato que morde e assopra em pleno horário nobre. Felizmente, os interlocutores oficiais deste espaço – ainda atrapalhados com as interpéries da vida – podem contar com a visão certeira e sensível da Menina Eva, nossa moça do camarim, que nos brinda com esta participação especialíssima – e que nós assinamos logo abaixo!

Começou com os figurinos lindos, e a imagem que parece filmada em película.

Eu comecei a assistir Cordel Encantado na cantina da faculdade, após minha última aula. E quando vi, estava absolutamente viciada.

Em tudo. Viciada no sorriso lindo do Domingos Montagner (Capitão Herculano). Nos olhares meio maliciosos, meio engraçados meio neuróticos do João Miguel (que faz o Cangaceiro Belarmino).Viciada no clima de capa e espada, na trama de conto de fadas, na leveza nordestina.

No excelente trabalho que fizeram com os atores, que desenvolveram um sotaque uniforme, e interpretações boas – inclusive as crianças!

No desenho dos conflitos, capítulo após capítulo. Vi surgirem as parcerias, os namoricos, as relações de poder, chantagens e segredos.

E aí, que estou completamente viciada, e todo dia, quando acabam as aulas, eu faço um cálculo complexo: se dá tempo de chegar em casa até seis e meia da tarde, eu vou correndo pra parada de ônibus; se não dá tempo, eu preciso achar uma televisão. Preciso!

Outro dia, meu Sr. Galante (que é um santo de paciência, e, pra minha sorte, tão noveleiro quanto eu) perguntou pra mim, às seis da tarde:

– Amor, você quer lanchar onde? Sorvete, pizza…?
– Em qualquer lugar que tenha TV.

Transmiti o vício pra algumas pessoas. O já citado Sr. Galante discute animadamente comigo algumas peripécias da trama, e, como somos os dois estudantes da faculdade de Teatro, debatemos muito sobre caracterização de personagens. Ele gosta muito do trabalho do Osmar Prado (Delegado Batoré), e de como ele não compõe um tipo de vilão, nem de herói – é só um homem covarde, que quer manter uma vida segura e confortável, fazendo alianças e servindo aos poderosos; eu sou totalmente apaixonada pelos cangaceiros, particularmente os já citados João Miguel e Domingos Montagner, mas também o Tuca Andrada (Zóio-Furado), com aquela capa de remendos de couro, e o aspecto de príncipe maldito, ou coisa assim.

Minha mãe também foi mordida pelo bichinho cabra da peste, e nos dias em que não consigo assistir à novela (dias corridos e difíceis!), ela me recebe em casa assim:

– Tu viste a Ternurinha hoje?

Como se a personagem da Zezé Polessa fosse, digamos, nossa parente que mora no nordeste. Teve dias da mamãe me contar o capítulo todo como se fosse uma história da família, inclusive com comentários picantes (“Aí, ela olhou pra ele com uma cara de safada e disse ‘seu selvaaaaaaaagem, seu rústico’!”)

Aliás, digna de nota a interpretação de Zezé Polessa e do Marcos Caruso (Prefeito Patácio), perfeito com tiques, timbre de voz diferente, falas e marcações engraçadas. Dá a impressão que muito do que vemos na tela é resultado de improviso dele, e a afinidade entre os dois atores transborda para os personagens. O Prefeito Patácio chama a filha da Duquesa de…Duquinha. A Rainha-mãe é, logicamente, Rainha-Mainha, e quando a Ternurinha foi libertada do sequestro e saiu do acampamento dos cangaceiros, saiu vestindo uma roupa da “Cangaceira-Mainha”.

Estou completamente fascinada com o trabalho de produção, com os objetos de cena tão bem utilizados, com os cenários tão realistas que não parecem cidade cenográfica, e sim locação externa.

E, ao contrário de outras produções recentes da Tv Globo, o preciosismo de produção é acompanhado por um excelente texto. Eu detestei a série “Amazônia” exatamente por isso: a produção linda, inclusive filmada aqui em Manaus e no Acre, mas com personagens pouco cativantes, falas horrendas e cenas sem nexo (Christiane Torloni dançando flamenco para as araras…CUMÉQUIÉ?)

No momento, estamos todos preocupados. Houve um golpe de estado em Brogodó, o vilão está num momento de parente vitória, porém seus comparsas o utilizam como fantoche. Os heróis estão todos juntos, porém suas divergências internas podem prejudicar a causa.

E amanhã, segunda, recomeça a minha briga pra tentar estar em frente a uma televisão às seis e meia da tarde.

(As organizações Globo não me deram nem um centavo, nem um brinde para escrever este texto. Não fui convidada para conhecer as locações, não vou poder cheirar o cangote do Domingos Montagner, etc etc.)

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