Olha, ando com um pesadelo recorrente há semanas.
Começo sentado num lugar onde sempre desejei estar um dia, ao lado de uma vênus. Gostoso como biribá ao fim da tarde, com direito a café e internet – praticamente tudo o que preciso para ser feliz. Num estalo, a luz se apaga. Esqueletos que julgava trancados no armário reaparecem e me derrubam da cadeira. E a vênus, convertida num exu misantropo, recita Bukovski: “um bom poema pode quase tudo, e o mais importante: um bom poema sabe quando parar”.
Acordo só, com um buraco no peito e uma trilha sonora do Raça Negra.
Fiquei dias pensando a insanidade de quem joga no lixo uma coisa essencialmente boa enquanto diz “nosso tempo já passou”. Admito que carrego em meu discurso um descompasso, carregado de inércia. Mas seria idiotice acreditar realmente no “mais do mesmo”. O tempo passa, as coisas mudam. Inclusive eu, felizmente. Ainda que eu me movimente devagar, é impossível ficar parado diante do ritmo que marca a inevitável dança da vida, dinâmica que nos obriga a enxergar, diante de nós, todos os caminhos abertos do mundo ao sair à rua.
Mesmo assim, há limites. Para uma videolocadora, um zip drive ou uma revistinha com previsões do João Bidu para 2010, faz sentido cair da cadeira. Agora, para aquilo que valorizo genuinamente, nunca.
“Ops, cuidado com o nunca”, refleti, ao abrir o blog, sem nenhuma atualização em 2013.
Blogs nascem e morrem com a mesma velocidade de uma obsessão impensada, uma vontadinha momentânea. Como aquela criança que insistiu muito por um brinquedinho e quando ganha enjoa logo na primeira semana, desejando outro em seguida. Ou, vai saber, como em uma intenção positiva – como naquela primeira e única semana de caminhada no parque para manter a forma.
Assim a gente percebe: aquele “vou fazer” é mais uma das incontáveis apostas que caem sem parar em nossas cabeças, algumas com um estranho rótulo, derivado de um filme água com açúcar: “essa certeza só temos uma vez na vida”. Todos os dias a gente apanha algumas delas do chão e adota uma prática binária: ou é ou não é.
E são tantas as possibilidades, não é? Ao mesmo tempo, uma pagininha de nome “blog” fica insossa rapidamente, dá trabalho para manter, parece ultrapassada… Bem diferente, por exemplo, daquela festa interminável do Mark Zuckerberg. Fartura de snacks, pilhas de doces melados no chocolate e bebidas servidas a um preço que a gente prefere esquecer como foram pagas. Mas tá todo mundo lá. Uma multidão de povo facilmente controlada com botões: “suma”, “joinha”, “tô flertando”, “minha panelinha”… Um convite ao mais puro e delicioso desperdício.
Em outras palavras: é um clique em alguém que pode até ganhar mais dinheiro, fazer lindas promessas vazias ou demonstrar incrível habilidade na cama em uma noite inspirada. Mas duvido que vá telefonar no dia seguinte.
“Ué, mas você não estava falando em blogs?” Bom, se você já me viu falar do tema em algum boteco, certamente escutou algo como “blogs são pessoas”. Em onze anos perseverando, devagar e sempre, ainda não encontrei lugar melhor para plantar pensamentos e oferecer alguns deles a quem passar. Estas pessoas incríveis, que se conectaram aqui uma vez ou outra, que me animam a destrancar a porta da frente, aspirar as teias de aranha no teto, roçar o mato no quintal dos fundos e, entre um compromisso e uma procrastinada, botar a cadeira de praia na calçada para contar histórias e acompanhar o movimento.
A propósito de “movimento”, o próprio nome do blog, licença poética de um português errado, se torna irônico após uma rápida circulada por seus porões. E esta talvez seja a mais apaixonante das razões para mantê-lo. O velho MMM mudou de lugar algumas vezes. Nessas idas e vindas, todas as suas palavras foram e voltaram. Está tudo aqui. Histórias que adoro lembrar e outras que já devia ter esquecido. Palpites frugais embalados com ideias que já caducaram. Experimente a sensação frustrante de revisitar a si mesmo no histórico daquela rave azul que nasceu livro do ano… Modéstia às favas, abro um sorriso ao lembrar que estes arquivos já foram parar em apostilas ginasiais – isso quando a professora não pede para seus alunos “interpretarem o autor”, pra ver se entende alguma coisa.
“Sim, mas isso aí parece uma casa de solteiro! Você não cuida!” É bem verdade, e isso tem a ver com o que dizia sobre coisas que caem em nossas cabeças, desta vez com os rótulos “urgente” ou “importante” – ambos tem o mesmo valor infame daquela “certeza” vagabunda.
Só que ao invés de ignorar ou maltratar o blog por uns dias antes de abandoná-lo como se fosse o meu brinquedinho da semana, prefiro pensar em como algo realmente sério funciona pra mim. Juntos teremos dias lindos, agitados, especiais… Mesmo que sejam apenas alguns – considere que muitos não são felizes nem por um só dia. Em quantidade parecida, virão aqueles momentos chatos, regados à TPM, em que tudo sai do ar, azeda.
Mas a sua grande maioria, talvez uns 80% dos dias, serão absolutamente normais. Pessoas visitam, algumas cumprimentam, comentam, compartilham… Como naqueles em que, ao deitar no sofá para esticar os músculos doídos após um dia cansativo, ouço algo como: “que bom que está aqui, fiz sagu para animar sua noite”. Simples e doce.
Bem que podia chamar isso de amor. É o que sinto por este blog. E quando a rotina faz com que a saudade aperte a níveis estratosféricos, a gente acaba com ela. Como agora.
Antes de adormecer, mais uma boa dose de Quintana para fugir do pesadelo: “um poema não é também quando paras no fim, porque um verdadeiro poema continua sempre… Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras”.
Para este blog o tempo passa, satura, quebra e sabiamente reconstrói. Assim como em um bom poema, uma declaração de amor ou qualquer coisa que valha a pena.
Olha, gostei muito de ler você aqui! Quando te enviei aquele email sobre o dialética, me passou pela cabeça quando leria você novamente!
É engraçado, mas mesmo que vc não escreva sempre, é reconfortante saber que tem um lugar pra expor suas ideias e sentimentos.
Acho que aos bons blogs se aplica a filosofia dos bons amigos: podem se passar anos sem contato, mas quando há o reencontro, a conversa flui como se não houvesse passado nem um dia sequer…
Caro amigo. Que alegria que me dá ler algo novo nesse saudoso espaço em que até participação especial eu já fiz! Aqui nasceram histórias incríveis, amizades que mesmo distantes, sobrevivem! Ah, e a turma do NenFu! Se blogs são pessoas, a saudade que eu estava dele na verdade pertence a você, caro amigo! Grande e saudoso abraço!
Escrever é sempre um banho que a gente toma para refrescar, pensar, limpar, descansar. ;o) Mas às vezes a gente só quer ficar quieto, restringindo à cabeça (e ao coração) a inundação de palavras que nos encharca. Natural. ;o)
Oba. Oba. 🙂
Acho que os mais belos textos são aqueles que explicam os sentimentos inexplicáveis. Adorei!!!! Beijos prof!!
Feliz em rever você novamente em sua casa ! “Blogs são pessoas”… tá aí, gostei disso. Vou anotar no meu caderninho. A gente vive se questionando se os blogs chegaram ao fim, mas eles são vivos, como as pessoas. E quem é vivo sempre aparece ! Abraços Marmota !
Brilhante, divertido. Meio louco, como todos os sadios desvairados devemos ser. sacôkigostei, num?