Temos todo o tempo do mundo

Em dez anos, minha vida mudou muito – era muito gostoso ter dezenove anos. Em 1996, experimentava a difícil tarefa de tocar uma vida dupla: técnico em eletrotécnica e funcionário de um laboratório de calibrações elétricas de dia, aluno do primeiro ano de jornalismo à noite. Já tinha me enturmado com o pessoal do fundão, mas mesmo à vontade, ainda alimentava dúvidas sobre meu futuro – ser um oscilante profissional de humanas ou permanecer na estabilidade de exatas.

Foi no dia 12 de outubro daquele ano, um sábado, que saí com o Marmoturbo pela primeira vez sozinho, ainda que já tivesse habilitação desde fevereiro. Um dia antes, na sexta-feira, o assunto tanto no laboratório quanto na faculdade era um só. Tema que, só para contrariar a juventude dos anos 80 e 90, não era dos meus preferidos.

Esse não é o Renato
Russo, mas sim seu
clone Adilson Fuzo!

Para ser mais claro: eu não era fã de Legião Urbana. Admirava a banda, sabia da sua influência na musica brasileira e conhecia muitos amigos que idolatravam Renato Russo… Mas eu nunca me entusiasmei. Pelo contrário: quando a banda lançou “As Quatro Estações”, minha vizinha tocava “Pais e Filhos” umas dez vezes por dia, e aquilo me irritava profundamente.

Então, em setembro de 96, veio A Tempestade, talvez a coisa mais melancólica que a Legião Urbana criou em seus quase quinze anos de existência. Era aquela coisa meio “não se preocupe, você vai morrer, não precisa dizer nada, nem chorar quando eu for embora”… Alguns dias depois desse lançamento, em 11 de outubro, Renato Manfredini Júnior deixou seus fas órfãos. Durante todo o dia, as rádios paulistanas tocaram muitas vezes o triste hit “A Via Láctea”.

O mais impressionante é que não parecem dez anos desde aquela sexta-feira – e não digo isso apenas pelos sete discos póstumos, cinco da Legião e dois de Renato Russo. Mesmo quem atravessa a adolescência hoje venera “a melhor banda de todos os tempos” como se o compositor estivesse ainda mais vivo. É inegável que as letras permanecem atuais, sejam elas retratos dos nossos sentimentos ou dos males enraizados em nosso país.

Não sou a pessoa certa para escrever sobre a perda desse poeta talentoso, intenso e revolucionário, cuja mensagem e atitude ainda inspiram o Brasil. Talvez eu devesse abrir espaço para o Lello ou qualquer outro cuja vida tenha sido influenciada por ele. Ou que ainda influencie. Afinal, temos nosso próprio tempo… O que foi escondido é o que se escondeu, o que foi prometido, ninguem prometeu, nem foi tempo perdido.

Comentários em blogs: ainda existem? (7)

  1. Esse cara e essa banda são campeões no “mesa branca records”. Se bem que aquele famoso quarteto de Liverpool e um tal Maluco beleza também são fregueses…

    Um abraço!

  2. Acho que esse culto à Legião Urbana acontece porque as letras continuam mesmo atuais. É só pegar “Que País é Esse?”, que foi escrita no final da década de 70 (!). Além disso, o fato do rock brasileiro do mainstream ser tão ruim contribui para que as bandas dos anos 80 sejam sempre relembradas. Sobre o disco “A Tempestade”, concordo contigo que é o mais melancólico do grupo, mas também é o mais poético. Depende da forma como você ouve. E por falar em formas diferentes de ouvir, por que o título do post não é “Temos todo o tempo do mundo”, que tem muito mais esperança do que “temos o nosso próprio tempo”?
    Abs

  3. Sabe, em 1996 eu estava no segundo ano da faculdade. quanto a parte de que nem parece que foram 10 anos concordo plenamente com você. Quanto ao Legião Urbana, como bom fã de Heavy Metal que estava saindo da adolescência eu nem sabia que eles existiam. Conhecia as músicas mais famosas e só isso. Mas, tive uma grande amiga durante a faculdade que era fã Die Hard do Legião. Depois de anos de contato com essa garota eu passei a respeitar o grupo. Não tenho nenhum disco deles, mas o respeito é verdadeiro.

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