Tardes de play, rec e pause

Curitiba (PR) – Então você liga o rádio e ouve o último sucesso da espetacular Norah Jones. Mesmo sem saber que o nome dela é esse, certamente seu encantamento pela canção será tamanho a ponto de você entrar no Google e digitar algumas palavras entendíveis, seguido de “lyrics”. Está lá, entre os primeiros resultados: What Am I To You. Apontar coordenadas no seu programa P2P preferido e… Voilá. A voz maravilhosa quantas vezes quiser, em MP3.

Nem sempre foi assim. Minha infância e adolescência sem internet foi marcada pela absoluta ignorância, inclusive sonora. Tudo bem, não deixava de me esforçar em registrar para a posteridade as canções que o rádio trazia para o meu prazer. Durante anos, contava única e exclusivamente com uma tecnologia meio desconhecida atualmente: o k7, a popular fita virgem.

Começava na loja de discos perto da escola, onde alguns cruzeiros valiam uma fita Basf. Preferia a de 90 minutos, que quase nunca tinha. Depois, eram finais de semana deliciosos, sentado ao lado do bom e velho National e sintonizado nas FMs da moda. Com ajuda de uma caneta bic, rodava a fita até o início, metia no gravador e apertava play, rec e pause. Tudo pronto para mais uma… Podemos chamar de “transferência analógica de arquivos”!

Expectativa a cada final de intervalo comercial. Dedo fixo no botão pause. O locutor, normalmente um mala, anunciava a hora certa, soltava a vinheta, lia o prefixo e falava uma ou outra groselha. O fim do blablablá era a deixa: hora de soltar o pause e “fisgar” a música – normalmente as melhores tocam justamente nas aberturas de bloco.

Claro que o coração sempre batia mais forte quando os acordes da música mais desejada tocavam. Claro também que nunca estava a postos quando isso acontecia… Normalmente a correria era inútil: era melhor esperar a danada tocar de novo outra hora. Pior ainda é quando dá tudo certo no início, mas o mala do locutor (sempre ele) inventa de interromper a música antes de terminar. Seja para não estourar o tempo ou mesmo para falar alguma abobrinha totalmente dispensável. Sem falar que os fiadaputas dificilmente falavam o nome da música, ou do intérprete.

Fui me tornando “especialista”: antes da fita chegar ao final, sabia se dava para gravar mais uma ou se era melhor partir para o lado B. Isso quando não aproveitava o “chorinho” para registrar algum comercial interessante ou mesmo um quadro de humor – se bem que esses sempre mereciam tratamento especial: gravava fitas inteiras com quadros do Escova na Jovem Pan ou na Atlântida; Café com Bobagem na Band FM ou a impecável Turma da Maré Mansa, com Antônio Luiz, nos 1100 da Rádio Globo…

Não sei se fico feliz ou triste em saber que, a cada dia, um indivíduo no mundo deixa de “soltar o pause”…

Atualizado – Garotas, juro pra vocês que não tinha visto esse texto antes. Deve ter sido obra do nosso inconsciente coletivo.

(Postado em 28/09/2004)

Comentários em blogs: ainda existem? (3)

  1. OFF POST: Prezado André Rosa: Em nome de todos os leitores do SPOILER, o MARMOTA, MAIS DOS MESMO foi indicado ao 5º Prêmio Spoiler de Cinema e Blog em 3 categorias: Melhor Editor (André Rosa), Melhor Pauta Original e Melhor Produção Técnica. Parabéns!

  2. Sabe que minhas fitas favoritas são gravações de rádio? Havia o programa do Maurício valadares na Fluminense – A maldita! de Niterói e gostava de gravar tudo. Tive umas fitas de Dee-troit, também de rádio, e até, creia você, construí um radinho de plástico sozinha. Gostava das vozes dos locutores da rádio Tamoio, que atribuía cores às músicas: cor ciclamen, cor violeta. Só me lembro mesmo é de “Echoes of Love.” De madrugada escutei muito Adelzon Alves enquanto resolvia minhas equações de álgebra. Gosto de jingles também. Há Museu de Radio e Tv no Brasil?

  3. O meu barato era ir à casa dos primos (em geral mais velhos) e vasculhar a coleção de discos procurando músicas de que eu gostasse, e gravar as mais-mais em uma fita de 60 minutos. Eu devia ter 9 ou 10 anos quando fazia isso…

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