A teoria do suco de repolho


Entre tantas pessoas interessantes que já passaram na minha vida, encontrei apenas uma capaz de beirar a perfeição – a ponto de querer casar com ela agora mesmo. Claro que ela sabe disso, e até onde eu sei, jamais deixou de ser minha amiga por conta desse pequeno detalhe de ordem matrimonial.

Uma das suas incontáveis qualidades: ela me entende. Sacou o meu jeito preguiçoso de ser, a ponto de avaliar todos os prós e contras em alguém antes de tentar um relacionamento. E depois de ficar “um ou dois anos pensando”, segundo ela, eu resolvo agir. Tarde demais, a dita cuja se transformou em uma amiga ou arrumou outro. Então já era, diria aquele vocalista de uma banda chamada Charlie Brown.

Acho que ouvi um “ae, trouxa, ela tá falando dela mesmo” ao fundo. Pois bem, aqui cabe uma nova ressalva: ela tem namorado, e é apaixonada por ele. E isso já é motivo suficiente para respeitá-la e, com isso, deixar a tal vontade trancada e amordaçada num quarto escuro. Em situações consideradas “normais” para a maioria, não existe mulher inatingível. Mais do que isso: abrir mão da luta só por causa do outro é dar um tiro no pé. Pessoalmente, prefiro vê-la feliz ao lado de quem ela quer e continuar sendo seu amigo. O que, convenhamos, já é sensacional.

“Preciso te dizer uma coisa que pode mudar a sua vida: um beijo não quer dizer compromisso”, prosseguiu minha amiga, defendendo ainda a premissa de que é mais fácil apaixonar-se por alguém aos poucos, começando um relacionamento sem criar qualquer expectativa. Movido apenas pela atração inicial, notada pelos hormônios que não titubeiam em gritar “estamos vivos”.

Talvez eu não seja deste planeta, mas não me sinto bem diante da banalidade insustentável em beijar, ficar, transar, qualquer coisa com alguém que que, em princípio, não represente algo duradouro e promissor.

Em meio a esse turbilhão de imposições sociais, concordo com a minha amiga em um aspecto: viver é correr riscos. A diferença é que eu só aposto quando tenho a sensação de que vai dar tudo certo – ainda que eu esteja errado.

Tenho certeza de que essa filosofia de vida é a grande responsável pela minha solteirice interminável. Da mesma forma, acredito totalmente nesse estilo de vida, estou convicto de que, mesmo de maneira lenta e teimosa, vou encontrar alguém para repartir a felicidade que já tenho. Por uma razão muito simples: não sou o único ingênuo desse mundo.

Diante da minha postura, minha amiga citou um sujeito, que desenvolveu a chamada teoria do suco de repolho. “Outro bocó que inventou algo ridículo”, segundo ela. De acordo com a teoria, tanto a minha amiga quanto outras pessoas, capazes de compreender e lidar com essas relações humanas complexas, são como suco de laranja: sempre estão com alguém, já que todo mundo aceita seu paladar. Eu, o sujeito e os demais cururus do planeta são suco de repolho. E quem pede suco de repolho?

Também achou a teoria ridícula? Pois eu gostei. E acho perfeitamente normal esbarrar com alguém que tenha a amizade como pré-requisito para um bom relacionamento, que acredite em amor eterno, casamento, equilíbrio e outras caretices, que tenha paciência para esperar uma atitude minha… Enfim, que seja capaz de pedir suco de repolho. E uma pedra.

(Postado em 08/12/2004)

André Marmota pode perder um grande amor, um amigo de longa data ou uma oportunidade de trabalho... Mas não perde a piada infame. Quer saber mais?

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Comentários em blogs: ainda existem? (10)

  1. Se você montar um clube, eu me afilio. 🙂

    Eu também penso da mesma forma. Hoje em dia está tudo banalizado, o significado verdadeiro dos relacionamentos foi perdido, não há mais aquela inocência em querer se aproximar de uma garota(e vice-versa), etc.

    E caretisse é não ser assim, é não ter coragem de assumir que vivemos na época errada. 😉

  2. Ah, tudo bobagem.

    Já sabes como conquistar a moça. Basta cantar as palavras mágicas “comprei um kilo de farofa pra fazer farinha” dançando daquele jeito especial que ela tá no papo!

  3. Também me acho um suco de repolho. Já vi gente falar algo como “tanta mulher que deixa recado em seu Orkut e você sozinho?”. Primeiramente, é preciso ver o teor do recado. E em segundo lugar, perguntar para as ditas cujas se dariam para mim. São dois aspectos que facilmente eliminam um bocado da lista das que se dirigem a mim com intenções de construir algo juntos sem que seja uma casa no mutirão da comunidade.
    O pior de tudo na mineralização charliebrowniana são as justificativas esfarrapadas que a outra parte tende a dar. Se ouvir papo como “não quero estragar nossa amizade”, responderei de bate-pronto “já estragou e não adianta querer remediar”, fora outras. Ou mesmo interromper a conversa assim que ouvir um “mas” ou qualquer outra coisa. Ou então, partir para o machismo puro e simples de não ser amigo de mina solteira que possua potencial namorável. Tipo tratar no chute mesmo. Se bem que essa última está ficando cada vez mais difícil, pois em meu grupo social, cada vez mais só há casais, o que não justifica soco no coração, chapa no peito e soco na cabeça para desentupir o célebro, como diria o imortal Gil Brother…

  4. Dada a raridade de pessoas que pensam assim, o suco nem é de repolho. Deve ser suco de alguma planta que só floresça uma vez por ano e que sobreviva por apenas alguns poucos minutos no pico do mais alto monte da terra.

  5. se a gente pensar bem, todos nós somos lovable, nesse sentido mesmo estrito do verbo. em português, o uso já é outro: cai naquela d ser bonzinho, amável.

    é só lembrar: não acontece d sentirmos falta até daquela pessoa diletantemente insuportável do trabalho? dos comentários ridículos, etc, etc…

    se todos somos able to love, onde tá a questão d haver hoje tanta gente fuck up nesse sentido?

    quem sou eu pra responder…

    é imensuravelmente mais fácil um cara ou uma moça saírem por aí transando com quantos quiser: prazer e descartabilidade ajax. porém, às custas da intimidade (e todo mundo sabe que beijar a boca d quem se gosta traz um sabor muito melhor do q beijar uma boca ainda desconhecida, por mais sapeca q essa seja, rs).

    se a questão, então, tampouco está na oferta, e veja, essa oferta nem anda tão grande e sedutora assim, o q faz uns serem suco d laranja e outros, suco d repolho? (pelo o q vemos, tanto um qto outro pagam o preço d suas escolhas.)

    há duas coisas importantes q, geralmente acontecem simultâneas e nas entrelinhas.

    uma é a convivência. sem essa tal continuidade, a intimidade fica órfã d pai e mãe. logo, numa relação direta, a convivência alimenta a intimidade que potencializa a amorosidade. (a maior parte dos casais se conheceu ou no trabalho ou no tempo da faculdade, por ex.)

    o segundo passo d mãos dadas é q a pessoa q te atrai, me refiro “à” pessoa, ou à essas poucas mais-mais, muito provavelmente sabe dar e receber, e se oferecer, na mesma medida que vc. e acho q é aqui que todo mundo caga nas calças. e é aqui q a maior parte da confusão está.

    teoria dos sucos à parte, é aqui q as coisas se definem. daí, vai depender da abertura e da coragem d cada um: “a man should lie with a hurting heart rather than a closed one.”

  6. Marmota, valeria a pena nessa série também falar das muitas vezes em que se vai a um lugar, depara-e uma mina, consideramos interessante, mas uma olhada mais atenta revela coisas bem decepcionantes. Só ontem deparei-me com duas que eram uma gracinha, mas que qualquer interesse que eu tivesse até então foi cortado ao vê-las fumando…

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