Sobre o mundo e o tempo que temos

Por Lucia Malla, do blog Uma Malla pelo mundo

Meu amigo Marmota há alguns dias veio com essa proposta para mim pelo MSN: “Ah, você não quer escrever um post pro meu blog? O tema é o seu predileto: viagens.” Ao ouvir a palavra mágica, nem cogitei não aceitar o desafio. Afinal, depois da minha estréia esquecível no antigo endereço do blog dele (o texto foi uma experimentação maionesística), percebi uma chance de me redimir, falando daquilo que mais gosto. Dessa vez, não decepcionaria Marmota.

É claro, a conversa no MSN não parou por aí. Logo perguntei o por quê do texto, ao que o Marmota respondeu: “Vou tirar férias e quero publicar textos dos amigos nesse período”. “Vai viajar?”, perguntei curiosa. “Sim. Vou voltar a alguns lugares que adorei na Europa.”

Voltar a lugares marcantes. É interessante que Marmota tenha se decidido a fazer isso, porque em minha fome de novos lugares, raramente volto a lugares que não sejam os óbvios (a casa dos meus pais, amigos queridos, a minha casa, etc.). Não é por mal, eu gosto de reencontrar pessoas, mas se abstrairmos as mesmas da equação, em geral, quero conhecer novas paragens. Buscar o desconhecido para torná-lo memória é uma constante tão presente nas minhas viagens, que me peguei, depois de desligar o MSN, admirando a coragem do Marmota em fazer o oposto: renovar a memória vivida. E pensando nos lugares que eu realmente gostaria de voltar.

Mas antes explico. Eu acho o mundo muito grande e a vida muito curta para tantos lugares legais que existem. Mesmo se eu viver por 100 anos, não vai dar tempo de visitar/conhecer todos os recantos que eu quero (sonhar não custa nada). Esse é um fato óbvio, uma realidade “dolorosa” com a qual convivo dentro de mim. Sofro da síndrome do “eu-nunca-fui-quero-conhecer-pelo-menos-uma-vez-na-vida” – deve haver um nome mais chique para isso em medicinês. É uma espécie de ansiedade crônica pelas esquinas novas do mundo, uma tendência bastante involuntária em escolher viajar para onde nunca fui antes. A condição pode ser frustrante se mal-administrada porque, bem, não podemos conhecer o mundo todo mesmo.

De tal forma que toda vez que sonho em viajar, a vulga síndrome ataca, e a preferência sempre recai para um lugar novo. É claro, tenho uma lista de destinos “prioritários” (que só cresce…). São imprescindíveis no sentido mais profundo da minha paixão por lugares e motivação para eles não falta nunca – falta apenas a dicotomia tempo/dinheiro. Os desertos da Namíbia, os vulcões do Kamchatka, da Islândia, mergulhar em Fiji, ver as montanhas do Nepal e as construções de Brasília estão nesse bolo. Depois dos prioritários, vêm os que eu chamo de destinos “colaterais”, aqueles que eu quero conhecer mas aguardo uma desculpa (geralmente esfarrapada) para ir – um congresso ou uma visita a um amigo que se mudou para lá, por exemplo. Destinos que não são alvo absoluto dos meus sonhos e leituras, mas se vierem, bem, não vou desperdiçá-los. Portugal e Recife são bons exemplos nesse caso.

Mas depois da conversa com o Marmota, eis que decidi fazer a lista dos lugares onde quero voltar. Buscar a memória vivida. E outro dilema surgiu. Um lugar é, por definição, algo estático, mas as circunstâncias que a interação humana e/ou biológica geram o tornam organismos dinâmicos, com vida própria. E nós, viajantes, somos como “fofoqueiros” do planeta. Por onde passamos, vemos, fotografamos, depois contamos pros amigos, parentes, escrevemos cartas, postamos em blogs, compartilhamos aquela vida tão particular da cidade-organismo com o mundo. Sem pedir licença ao lugar: papparazzicamente. O Rio de hoje não é o Rio do Pan e não será o Rio do carnaval do ano que vem. Detalhes farão a sutil diferença, e cada lugar que a gente visita é uma fotografia estática de um momento determinado, e o lugar uma semana depois provavelmente não será mais o mesmo. As cidades escorrem pelos dedos no momento em que você as deixa para trás: elas se remodelam, adaptam-se e estão sempre de cara nova, por menores que sejam, mesmo àquelas que parecem paradas no tempo, como Caixa-Prego.

E temos que nos conformar com isso. A melhor terapia viajante para a mal-fadada síndrome que falei acima é encarar a realidade: você nunca conhecerá plenamente nenhum lugar do mundo. Seja porque você não terá tempo para conhecê-lo, seja porque você não conseguirá vivenciá-lo em sua plenitude por todo o tempo.

A memória vivida é efêmera. Não dá para a gente reviver. Estamos sempre acrescentando novas perspectivas, informações, emoções, e com isso modificando-a. De repente, então, fiquei feliz pelo Marmota: ele faz como eu, busca o desconhecido para adicioná-lo à memória. Apenas o faz de uma forma sistemática, mais estatística: aumenta o número de repetições, voltando aos lugares e criando uma imagem muito mais completa. Dando robustez à memória resultante.

E uma memória robusta de um lugar é, parafraseando o Poetinha, infinita enquanto dura.

Enquanto Marmota lamenta o quase-fim de sua jornada, a série Colônia de Férias apresenta textos gentilmente preparados por seus amigos,fomentando nossa necessidade em preservar tudo aquilo que gostamos.

Comentários em blogs: ainda existem? (6)

  1. uau, me lembrei até de clarice, ou será thoreau? bravo! adorei o texto, me identifiquei com a necessidade de ir sempre para novos lugares e me surpreendi com a idéia de ir para lugares que já fui…
    ainda mais agora que tudo que preciso é ser literlamente estrangeira em um mundo offline!
    parabéns pelo post!

  2. AMEI o texto, Lucia!!!
    Me identifiquei com tudo o que vc escreveu!! Eu costumo dizer que “o mundo é muito grande e uma vida é muito pouco”! E concordo com vc, essa é uma realidade “dolorosa” e quem sofre desse “mal” precisa lidar com isso diariamente!!! Hehehe.
    Parabéns pelo excelente texto!
    Bjs!

Deixe um comentário para Laira Cancelar resposta

Campos com * são obrigatórios. Relaxe: não vou montar um mailing com seus dados para vender na Praça da República.


*