Esses dias encontrei um amigo de longa data por acaso. Estava bem arrumado, como dificilmente o encontrava num passado distante. Perguntei como andava a vida, se ele ia para uma festa, uma entrevista de emprego ou para o laboratório de análises clínicas.
– Estive em um velório. Minha ex-namorada se matou.
Minhas piadinhas ficaram sem razão. Passei a fazer o que ele precisava: ouvi-lo. Em pouco tempo após conhecê-la, a relação já era arrebatadora, intensa… Beirava a loucura. Trocas de amor eterno e planos futuros eram entrecortados com brigas fúteis, mas praticamente intermináveis. O namoro dos dois passou a ser algo doentio, incontrolável…
Ele lembrou de uma noite em que dormiam juntos mas, quando acordou no meio da madrugada, ela não estava mais na cama. Muitos telefonemas, celulares desligados, chamadas não atendidas. Ela só retornou pouco antes do meio-dia. “Você ficou preocupado comigo?”, perguntava ela.
As situações caóticas foram capazes de suplantar seus sentimentos. Para o próprio bem do casal, decidiu se afastar dela.
Seguiu vivendo, encontrou outra pessoa para compartilhar seu dia-a-dia… Mas a antiga paixão continuava presente. Insistia em procurá-lo, visitá-lo, pentelhá-lo… Um dia antes de tirar sua própria vida, ela enviou incontáveis mensagens de texto. Dizia que sempre iria amá-lo, que era o homem da vida dele.
Enfim, imagine como está a cabeça desse meu amigo. Provavelmente, se estiver em casa (e longe da atual namorada), está ouvindo alguma música ou repassando fotos que lembrem dela. Dificilmente vai esquecê-la. E é irônico imaginar que, quando os dois se conheceram, certamente cogitaram a hipótese de serem felizes juntos, sem sofrimento.
Quando ouvi a história do meu amigo, lembrei de uma antiga matéria da Revista Época, assinada por Cristiane Segatto, sobre a boa e velha “química” – não aquela dos isóbaros, mas aquela que acontece quando você encontra aquele alguém.
A sensação indescritível, que pode passar do êxtase ao sofrimento do nada, é provocada por mecanismos químicos. Descargas viciantes de adrenalina, endorfina, ocitocina, feniletilamina, dopamina e norepinefrina, que – pasmem – podem ser controladas num futuro próximo.
Traduzindo: em alguns anos, você vai até a farmácia, compra um remédio injetável na nuca e decide: “hoje vou me apaixonar pela fulana”. Ou, dependendo do composto sintético, será possível esquecer aquela ingrata que lhe abandonou com alguns comprimidos.
Para quem tem certeza de que a gangorra da paixão é uma droga, essa visão pode soar uma piada. Enquanto ela não se concretiza, a matéria traz ainda um dado bem atual: “ao contrário do que se imagina, os homens caem na armadilha da paixão mais rápido que as mulheres”.
Mais: “quimicamente viciado na imagem do parceiro, não há dúvida de que gostaria de levá-lo para a cama. Mais do que sexo, porém, o ‘barato’ que anseia é a certeza da afeição correspondida, materializada em e-mails e telefonemas respondidos”.
A história da injeção e dos comprimidos pode até virar realidade – até mesmo a evolução da genética poderá render boas explicações e municiar nós, pobres coitados, a controlar tais reações e, quem sabe um dia, viver um bom relacionamento com quem desejamos. “Mas elas cumprem outra função social: a de gerar saborosa munição para as conversas de botequim”, conclui, sabiamente, a matéria.
Pode parecer egoísta, mas se esse tipo de medicamento existisse, provavelmente a ex-namorada do meu amigo estivesse pronta para um novo amor. Ao mesmo tempo, ninguém precisasse ter ouvido falar no conjunto habitacional do CDHU, no Jardim Santo André, durante a semana.
Uma menina linda, de cabelos compridos e escuros, estudante do primeiro ano do ensino médio. Tinha quinze anos, mas namorava desde os doze com um cara sete anos mais velho. Depois de inúmeras brigas e alguns ata-e-desata (pelo menos dez vezes), o rapaz decidiu acabar com a relação definitivamente, em agosto. A moça tratou de ser feliz, sair com os amigos, conhecer gente nova.
Lógico que, quando o rapaz tentou reatar o namoro, ouviu um sonoro “não”. Inconformado e arrependido, insistia em reaproximar-se dela, todo dia, na saída do colégio. A maluquice podia ser vista nas últimas semanas, quando passou a implicar com os novos amigos de sua ex, na esperança de voltar a namorá-la. Mostrava-se agitado, mudou seu comportamento ao lado de velhos conhecidos, que sempre o consideraram calmo e tranquilo.
O cúmulo do descontrole começou no último dia 13 de outubro. Enquanto a jovem fazia um trabalho de geografia, ao lado de sua melhor amiga e outros dois colegas, o sujeito invadiu o apartamento.
Armado com ciúme, sentimento de posse e um saco de munição, começou ali uma discussão de relacionamento que, coincidentemente, tornou-se o maior caso de cárcere privado da história do Estado de São Paulo. Alternava momentos de compreensão ou sofrimento, como se fosse um pobre coitado solitário, com instantes de agressividade – inclusive batendo e chutando a ex-namorada algumas vezes.
Foram cem horas num vai-e-volta angustiante e de difícil negociação. Como era de se esperar de nossa mídia, ávida por uma novela desde o caso Isabella, tratou de ocupar a programação televisiva com o episódio. Conseguiram – como assim!!! – entrevistar o sequestrador por telefone, ao vivo, no meio da tarde. Conseguia comida e luz elétrica, sem falar na oportunidade de fazer novamente a melhor amiga, solta um dia antes, como refém.
Era muito poder nas mãos de um louco apaixonado. Isso colaborou para a eternidade até o desfecho desse “big brother do terror” – que, segundo as palavras do ex-namorado, seria algo que “deixaria muita gente triste”.
O que me consola é saber que, se essa história fosse na Inglaterra, certamente a polícia local acertaria um tiro num brasileiro para deslocar os holofotes… Mas se o sequestro fosse num CDHU de Israel, as tais cem horas durariam uns cinco, seis minutos. Nos EUA, talvez até levaríamos algumas horas, mas certamente algum sniper daria fim ao sujeito, garantindo a integridade física da vítima a qualquer preço.
Nada contra o Gate, que já demonstrou competência em diversas situações. Mas não sei o que pensar desse triste episódio, onde negociações intermináveis “com um rapaz que queria conversar com a namorada” resultaram em refeições servidas com uma corda improvisada e confortável aparelho de TV ligado, uma refém volta a ficar em poder do sequestrador, na imprensa entrevistando o rapaz por telefone e, por fim, numa ação motivada por um disparo – explosivos na porta, quinze segundos até a invasão do apartamento e três tiros, um deles atravessando a cabeça da jovem menina.
Confesso que morro de medo de histórias passionais, onde pessoas apaixonadas perdem o controle e são capazes de qualquer coisa. Mas as vezes também fico com medo do que a polícia pode fazer. E nem estou falando na disputinha (com cacófato e tudo) entre a facção civil e a militar.
Por via das dúvidas, siga aqueles dois conselhos. Cuide bem do seu amor e olhe para os dois lados antes de atravessar a rua.
O que me assusta de verdade são duas coisas:
1) Menina linda? Só porque morreu essa biscatinha virou santa! É linda, pura, casta, maravilhosa… Me poupe. Aquela menina era mais feia que cão chupando manga. No Brasil basta morrer pra virar mártir e se tornar uma ótima pessoa. Ridículo.
2) As pessoas acharem normal um pedófilo degenerado que aos DEZENOVE anos, namorava uma menina de DOZE!!! Ridículo.
Marmota, o que aconteceu em Santo André não foi amor. Foi machismo e possessividade. E o sequestrador não é um louco apaixonado, ele é uma pessoa comum, que acha que pode impor a vontade dele à ex-namorada, inclusive planejando friamente e executando uma série de crimes. Enquanto perdurar essa visão romanceando o caso e vendo amor onde ele não existe, mais mulheres continuarão a ser agredidas e mortas ao terminarem relacionamentos.
E não precisa ir tão longe pra ter um desfecho do caso menos prejudicial para reféns. Na sexta-feira mesmo, aqui em Minas, um cara invadiu a casa da ex-namorada (deve ter pensado: se o de Santo André virou celebridade e saiu ileso, por que isso não aconteceria com ele?) Trocou tiros com a polícia, e agora está morto, sem direito a novelização do caso.
Nossa, André, que texto. Pra ler e reler com cuidado e atenção. Muitas vezes.
A sociedade anda um tanto amalucada. Sempre foi, mas parece que os últimos tempos estão mais agitados… é a sensação que eu tenho, pelo menos. Ao ver filmes como o Babel ou Crash, por exemplo, sempre fico com a sensação de que estamos vivendo no limite.
Cabeça no lugar é imprescindível e uma coisa pra gente praticar todos os dias, cuidar mesmo, não é fácil. Mas a gente precisa tentar, por mais que o esforço pareça sobrehumano.
Um beijo.
Gostei bastante do seu post. Foi a primeira vez que li algo que me deu uma boa visão geral do caso.
Excelente texto, como sempre. Descreveu a paixão com bastante conhecimento de causa e o horror com o tom certo. Parabéns, Marmota!! Você é demais. Beijo.
Pois é… por que não usaram um atirador de elite? Coisa estranha, muito estranha… não tinha como ter um desfecho mais triste…
O que me dá mais medo é o machismo das mulheres que dizem “ah, mas ela deu motivo.”
É, vc disse tudo que há para ser dito sobre isso. Inclusive o cacófato!
Vc esqueceu de frisar uma diferença entre os sexos que, pra maior parte das mulheres, é óbvia: quando uma mulher fica “louca de paixão” por um homem que não a quer mais, ela se mata. Sozinha, solitária. Não mata mais ninguém. Só ela. Quando é um homem, em geral ele se mata também. Mas só depois de matar a mulher, namorada, ex. O que vc acha que provoca uma diferença tão grande de comportamento? Talvez porque os homens são ensinados que mulher é posse sua? Que ser chamado de “corno” (mesmo quando a mulher já está em outro relacionamento faz tempo) é o pior insulto que um homem pode aturar? Que a resolução pra todos os problemas se dá através da violência? Essas são características muito masculinas. Características que vc, como homem, talvez não consiga ver.
Escrevi sobre o caso aqui:
http://escrevalolaescreva.blogspot.com/2008/10/espero-que-isso-termine-num-casamento.html
e aqui:
http://escrevalolaescreva.blogspot.com/2008/10/o-que-deu-errado-foi-o-tiro-que-ele-deu.html
André, não estou generalizando, as estatísticas existem. Eu não disse em nenhum momento que todos os homens são possessivos e saem por aí matando suas mulheres. Mas não se pode negar que a quase maioria dos casos “passionais” é de homens que matam suas mulheres. As aspas estão aí porque esses crimes são premeditados, o que contraria a tese de “movidos pela paixão”. Quem ama não mata. Esse é um slogan antigo do começo da década de 80 que vale a pena ser reeditado agora.
Meu marido tampouco é possessivo nem ciumento. Muitas mulheres são assim com seus companheiros, mas não é esse o caso. O caso é que, com muitos homens que encaram suas mulheres como posse, qualquer tentativa de separação (fuga mesmo) é respondida com violência. O seu texto falha em ver o terrível caso de Santo André como o que ele é: mais um caso de violência contra a mulher.
http://www.escrevalolaescreva.blogspot.com
Aquilo não era amor, era doença. E é complicado mesmo falar sobre eventuais erros da polícia depois do fato consumado, né? Só achei estranha essa história de a outra menina, a Nayara, voltar ao cativeiro depois de ter sido liberada… Essa talvez tenha sido a única grande cagada dos policiais.
Gostei do texto.
O limite entre amor e doença parece ser bem tênue.
É!!! Não dar pra imaginar tudo q se passou dentro daquele apartamento, mais pra quem já viveu cárceres privado sabe, o quanto as horas são eternas, viver uma hora que seja, sobre a mira de um revolver, que esta nas mãos do cara que a poucos dias, segurava a suas mãos e lhe jurava amores eternos, não é facil, nos faz refletir, se dentro de qualquer pessoa pode existir um mostro.
Antes imaginava q essa coisas só aconteciam em novelas e noticiários de jornal, mais hoje sei acontecem bem mais perto do que a gente imagina.
O chocante, é o fato desse psicopata conseguir tanto poder, e nos todos q assistimos tudo isso, estarmos de mão atadas, e uma polícia com tantas possibilidades, deixar chegar ao trágico desfecho que os nossos olhos cheios de lagrimas acompanharam.
A maior lição de tudo isso é que temos antes de tudo, a amar a nos mesmos, antes de se adoecer ao amar outros,…É lamentável morrer dessa forma, é triste acabar assim com a própria vida.
Oremos por todos os loucos de amor e odio, para q não surjam mais vitimas como a menina de cabelos negros.
O caso da menina realmente e trizte, mas não concordo que o rapaz fosse apaixonado. Ele era um cara doente e com orgulho ferido, isso sim é perigoso…
Infelizmente histórias passionais como essa aconteçam mais do que são divulgadas.
Espero que esse maniaco apanhe o suficiente na cadeia e sofra e que os “direitos humanos vá pra o inferno”
Por falar nisso, bom texto Marmota, parabéns!!!
😀
Eu ainda acredito no amor. Nesses casos prefiro culpar o desequilíbrio mesmo.
Desculpe, André, mas acho que quem não está analisando o caso com complexidade é vc. Ao equiparar um crime de violência desses com um suicídio de uma mulher rejeitada, vc deixa de ver o contexto. Sabe qual? Que metade das mulheres mortas no mundo são assassinadas pelo namorado ou marido, atual ou ex. São 3 mulheres por dia só nos EUA!
Coloquei algumas estatísticas no meu blog:
http://escrevalolaescreva.blogspot.com/2008/10/todo-dia-at-quando.html
sabe, ninguém nessa vida quer ser rejeitado, ser infeliz, sofrer por amor – ou pelo que chama de amor.
nem homens, nem mulheres.
quando se desequilibram e matam o outro ou a si é triste, como agora.
triste pra família, pros amigos, pra quem matou, pra quem foi o “pivô” de um suicídio, pra quem só viu apenas pela TV.
eu gostei do seu texto. acho que ele pode ter um desdobramento até maior, sabe como? abordando a doação de órgãos – a única parte feliz dessa história toda, nascida da consciência e da solidariedade dos pais da Eloá.
outro exemplo recente também foi o do menino morto pela polícia no Rio de Janeiro e que a família também permitiu a doação.
tenho medo daquela polícia que mata criança do nada. se o gate fizesse como nos eua e matasse o lindemberg todo mundo ia achar que era desnecessário. eu ia.
porque pra pagar por crimes acho a cadeia o correto, não a morte. morrendo, ele ia descansar. vivo e preso, ele vai não só apanhar como bem disse a keila lima como também virar mulherzinha.
enfim.
PS – quando eu tiver um blog eu vou vir aqui no teu pra promover. 😛
Excelente texto,mas tou com a Lola e a Luciana também.