Lembram-se do ano passado, quando fui pego de surpresa encontrando um e-mail do Papai Noel na minha caixa postal? Apesar de ter desdenhado do bom velhinho, tê-lo chamado de gordo capitalista, ignorado seus conselhos e reclamar do final de ano pouco agradável, mais uma vez ele apareceu.
Primeiro, na manhã deste sábado, quando encontrei meu presente embaixo da árvore: um belo envelope prateado, com um cartão em papel de altíssima qualidade. Todo em kanji.
Achei bacana, mas fiquei sem entender. Só lembrei do envelope prateado outra vez ao encontrar um novo e-mail do velhote barrigudo.
— original message —
From: Papai Noel <santaclaus@laponia.gov>
Fecha: 26/12/2004 20:27:41
To: André Marmota <uma@igualaquinzequilos.com>
Subject: Feliz Natal
Kurisumasu Omedeto, Marumota-San!
(Quis dizer Feliz Natal para você, meu bom menino. Mas em japonês… Ho ho ho!).
Novamente, gostaria de iniciar nosso pequeno diálogo particular com um rápido aparte. Acredita que, a cada final de ano, aumentam as cartinhas de cunho sócio-econômico. Todos execrando minha imagem, definindo meu trabalho como uma injusta obra capitalista. Até você, um garoto de coração tão bom, teve seu discurso contaminado por este vírus de características tão ocidentais…
Gostaria de frisar que, para tentar amenizar esta imagem (ao menos diante dos seus olhos), decidi viajar um bocado antes do Natal. Fui para o outro lado do globo. Passei alguns dias agradáveis enquanto meus fiéis ajudantes tocavam a fábrica de brinquedos – e antes que eu esqueça, meus ajudantes são todos artesãos, felizes e valorizadíssimos. No polo norte não existe lucro ou mais-valia.
Mas voltando, nobre rapaz. Sabia que os chineses, apesar do contato recente com as tais maravilhas do mundo ocidental, as festividades de final de ano, aquela que segue o calendário deles, sempre envolveu troca de presentes? Mesmo aqueles que não são cristãos – como a maioria que acredita em mim, e me chamam de Dun Lhe Dao Ren.
E no Japão? Dia desses circulava pelas cidades maiores e ouvia os gritos: “Jizo! Jizo!”. Aquilo me deixou muito feliz! É uma honra ser comparado ao monge Hoteiosho, um japonês das antigas que tinha olhos nas costas, de olho nas crianças matreiras… E lá o ato de presentear o próximo está embutido na própria cultura!
Devo lhe dizer que aprendi outras coisas nessas andanças todas. Voltei ao meu lar mais zen, com o espírito natalino renovado com alguma carga budista. Constatei que, para algumas pessoas, mais do que uma caixa colorida com uma fita radiante, o maior presente é a descoberta de sua verdadeira essência. E este é o significado do seu pequeno presente, meu querido!
Vamos falar no envelopinho prateado a seguir. Antes preciso te contar uma breve historinha, que ouvi de uma simpática chinesinha em Pequim. Uma antiga ancestral desta moça, chamada Sun Tui, tinha um marido dedicado e trabalhador. Mas morava com a mãe dele, uma senhora muito áspera, que exigia da pobrezinha todas as tarefas da casa. Nem a consideração de Sun Tui com seu esposo diminuiu os atritos que tinha com a sogra.
Cansada daquela vida, Sun Tui procurou um velho sábio, que conhecia o poder das plantas. Contou a ele sua história, além do desejo contido de matar a sogra. O sábio entregou a Sun Tui uma garrafa, dizendo: “mocinha, leve para você este poderoso veneno. Mas tenha cuidado, trata-se de um líquido muito forte. Para que ninguém perceba nada, você precisa dá-lo aos poucos. Ponha um dia no chá, outro na salada… Ao mesmo tempo, trate-a muito bem, para que ela sequer imagine que irá morrer por sua causa”, explicou.
Preocupada em não levantar suspeitas, Sun Tui executou seu plano e, ao mesmo tempo, controlou seu temperamento e antecipou todas as reações da sogra malvada. Os dias se passavam e Sun Tui era outra pessoa: entregava flores para a sogra, preparava sua sobremesa favorita, presenteava sem qualquer motivo… Enfim, se entregou totalmente a megera. Mas sem esquecer de jogar um pouco de veneno em sua comida ou na bebida.
Acredite, meu garoto: tais atitudes amoleceram o coração da velha. As atitudes de Sun Tui transformaram-na em uma senhora bondosa, que também se esforçava para retribuir aos mimos da nora. Até que Sun Tui se deu conta: o carinho que existia entre as duas passou a ser real! E o arrependimento é um duro golpe. Afinal, naquele momento, ela percebeu que estava matando alguém que a tratava como uma verdadeira filha!
Novamente desesperada, Sun Tui foi atrás do velho sábio, levando consigo a garrafa de veneno. E implorou por um antídoto. Sorrindo, o velho tomou a garrafa das mãos de Sun Tui e tomou tudo de uma única vez, provocando uma reação abobalhada da jovem chinesa. O sábio mostrou que não cohecia apenas as plantas, mas também a alma humana: o veneno era, na verdade, um placebo… Que serviu para amolecer o coração da mocinha.
Moral da história? Sun Tui aprendeu a amar, nobre amiguinho. Tenho certeza de que, se todos também aprendessem, o Natal não duraria apenas um dia…
Enfim. Tenho certeza de que você gostou da história. Até porque, ultimamente você já demonstrou que sabe amar as pessoas de maneira incondicional, sem se preocupar com uma troca. Você também tem outras virtudes. Na verdade, meu jovem, você não precisa de muita coisa para ser feliz. Sabe perfeitamente disso.
O que falta para você, caríssimo, é exatamente o que diz no seu presente: isamu. Em kanji, quer dizer coragem. É tudo que você precisa: coragem para decidir sair na chuva ao invés de simplesmente contemplá-la, imóvel, diante da janela. Coragem para olhar ao céu e receber a chuva sem se preocupar com o frio ou a gripe, mas para lavar o espírito e crescer. Coragem para admitir que, ao se fazer de vítima e evitar a chuva, abre mão da responsabilidade e corre o risco de se frustrar ainda mais, diante de sua virtual impotência.
Coragem para viver, meu amigo. É tudo que você precisa. Se ainda teimar em não acreditar em mim, ao menos acredite em você mesmo.
Acho que está bom desta vez. Até porque, os conselhos do ano passado (menos o que diz respeito a viagem para o sul do seu país) permanecem.
Feliz fim de Natal! Ho ho ho!
Papai Noel
http://www.santa.com
No envelope: ANDOREH-san
Na carta: do lado esquerdo, um dos kanji usados em ‘herói’; do lado direito, Isamu + carimbo da família (acredito ser algo como ‘Daishiro’)
Ah, se o velho Noel pudesse ler minha cartinha… hehehehe
Walter, como te falei, vc só não acertou o último item.
É, saber amar é uma grande virtude, realmente.
Lindo texto Marmota! Que o seu Ano Novo seja cheio de amor!
Beijo, Elisa
uia!
eu tenho esse kanji da coragem, = ao da sua cartinha, tatuado em mim há uns 5 anos. foi um bom começo, simbólico, claro, mas muito bom.
happy new year, dear.
Viva a chuva!