Aquele velho batuta de barba branca está me acostumando mal. Passei a noite do dia 24 inteira aguardando por um sinal qualquer. Uma lembrancinha, um recado, qualquer sinal de vida do gorducho vermelho. Nada feito.
Tive que esperar por mais uma madrugada até encontrar um embrulho enorme embaixo da árvore. Ao abrir duas surpresas: um lindo kit da Frateschi, para aficcionados do ferromodelismo – versão para adultos do Ferrorama, brinquedo que sempre quis na minha infância. Veio ainda uma curiosa pedrinha cor-de-rosa, que remete a uma das minhas frases preferidas, tirada daquele clássico desenho do Charlie Brown.
A explicação, como não poderia deixar de ser, veio no fim da noite, por e-mail.
— original message —
From: Papai Noel
Fecha: 26/12/2006 22:33:44
To: André Marmota
Subject: Feliz Natal
Ho, ho, ho! Adivinha quem é, meu amiguinho Marmota!
É com muita felicidade que lhe escrevo mais uma vez nessa época tão querida por nós! Eu só lamento profundamente o atraso… Infelizmente, nem todo mundo em seu país se comportou direito. Estou me referindo aos controladores de vôo em sua terra. Acredite, meu rapaz, cheguei a ficar mais de quatro horas com meu trenó parado, sem autorizações… Uma lástima.
Mas enfim, nobre colorado. Quero reafirmar aqui a satisfação que tenho em saber que, ao contrário da maioria das pessoas hoje em dia, você continua desejando presentes sentimentais e não materiais. Bem, você já sabe o quanto eu fico triste diante da deteriorização dos valores humanos…
Entretanto, não esqueci minha trapalhada com você no ano passado, quando lhe trouxe a pessoa certa no lugar errado. Dessa vez, resolvi ignorar seu pedido de sempre e lhe dar um presente por minha conta e risco. Lembrei então de uma antiga vontade sua, que você sonhava em ganhar quando era criança.
Por isso, meu querido amigo, é com alegria que anuncio: seu presente é um trem elétrico. Mesmo assim, meu rapaz, preciso admitir que fiquei um pouco ensimesmado, pensando se você iria gostar do presente. Afinal, eu sei que, ultimamente, você não anda muito afeito a sonhos. Para reforçar meu desejo, coloquei, dentro do embrulhinho, uma pedra.
Sim, senhor, sei que você adora essa metáfora simpática. Bem, para que você não fique tão zangado: não é exatamente uma pedra. Na geologia, esse tipo de rocha é conhecido como geodo. Ela tem esse nome por conta de uma característica bem marcante: por fora é uma pedrinha comu. Por dentro, ela tem uma cavidade oca, preenchida e revestida por minerais que formam a aparência magnífica de um cristal.
Percebeu que seu geodo veio repartido, especialmente para que você perceba isso? Agora, sempre que você disser “e eu, uma pedra”, pode dizer “e eu, um geodo”. Porque todos somos assim. Por fora, muitas vezes transmitimos uma imagem áspera, dura, pouco atraente. É a nossa armadura. Nosso brilho, aquilo que há de mais lindo, está no interior.
Repare ainda que existem duas metades de geodo. Ou melhor: se continuarmos com essa representação humanizada, é preciso reforçar que cada uma das partes é um geodo único, meu amiguinho. A outra parte existe apenas para que você se recorde: ainda que apareça outra pedra em sua vida, seu brilho interior permanece o mesmo. O mesmo acontece com a outra. Mas as duas pedrinhas, ainda que tenham formas distintas, fazem todo sentido quando estão juntas.
Entenda onde quero chegar, nobre geodo rosado: você não precisa abdicar seus sonhos, seu brilho, nada disso que te preenche, apenas para que qualquer pedregulho se aproxime. Quando você menos esperar, você vai identificar a pedrinha que dá todo sentido. Então voltamos ao trem elétrico: mesmo sem companhia, este presente pode aflorar em você justamente a percepção de que os sonhos são fundamentais na vida de qualquer um. Até mesmo a sua vidinha regrada e de poucas mudanças.
E nós sabemos que os sonhos, para se realizarem, precisam de esforço, dedicação e tempo para ser embasados, construídos e lapidados na terra onde você tem os pés bem cravados. Como cantava aquela bandinha de música da sua meninice, lembre-se que “o coração é uma estação pra embarcar no trem azul dos sonhos que vai passar”.
Já posso ouvir sua pergunta: “Mas Noel, meu velho, o trem que ganhei é vermelho, não azul!”. Ora, e você acha que me esqueceria da sua cor favorita, meu amiguinho maquinista! Agora você tem um trenzinho vermelho, que vai te levar, com ou sem o geodo extra, para o ano novo!
Aliás, você anda reclamando demais de 2006, sem qualquer razão. Porque veja só: seu Inter foi campeão; você passeou por Buenos Aires e Montevidéu; participou do aniversário de 90 anos de sua vó; desempenhou seu trabalho dignamente; preparou um DVD daquela viagem de maneira especial…
Foi um ano que você também se predispôs a gostar um pouquinho de poesia, não é mesmo? Segue um poema do Bandeira, que tem tudo a ver com esse seu presentinho. Chama-se Trem de Ferro, conhece?
Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge Maria que foi isso maquinista?
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
Oô…
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
Oô…
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô…
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matar minha sede
Oô…
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô…
Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente…
Espero, querido amiguinho, que 2007 seja o ano dos sonhos pra você. Dos sonhos possíveis e, quem sabe, alguns sonhos impossíveis. Um ano em que você não precisará voar nas alturas como um tresloucado – coisa que nunca foi o seu perfil – mas você também não terá que ficar com os pés tão fincados assim no chão. No trem, já estará bom.
Dedique-se ao seu trenzinho dos sonhos e à construção da cidade ao redor dele. Trabalhoso será, eu sei, mas nada é mais gratificante do que ver florescer algo que lhe exigiu o máximo de força de vontade, desvelo, cuidado, atenção, paciência, criatividade, sagacidade, devoção, ternura, alegria e amor – qualidades que você tem de sobra, sendo um cara bacana como sabemos que é. Se quiser, deixe o geodo bem perto da estação: de repente, alguém desembarca trazendo nas mãos aquela pedrinha especial…
Espero que curta bastante o presente, assim como eu adorei procurá-lo. Um abraço pra você e pra toda a sua família.
E, como de praxe,um feliz fim de Natal! Ho, ho, ho!
Papai Noel
www.santagreeting.net
PS – A Mamãe Noel fez questão de embrulhar o seu presente nesse lindo papel com motivos infantis – é que ela é sua fã, lê seu blog todos os dias e te admira muito! Eu sinto um pouco de ciúme, confesso, mas sou maior que isso. Não vê minha barriga? (Piada fraca, como você gosta).
Leia também
Carta do Papai Noel (2003)
Nova carta (oriental) do Papai Noel (2004)
Nova carta (romântica) do Papai Noel (2005)
Grande André,
Better late than never, espero que tenhas tido um um otimo Natal e ficam aqui os votos de um Prosperissimo 2007 para você, familia, amigos e demais.
Abraços,
Fabio S. (yet another idiot)
Graaaaande Papai Noel! 😀
Adorei a expressão “E eu, um geodo”. Vai ser um dos meus hits pra 2007! 😛
Imagino o quanto deva ter ficado feliz com este presente, André. Só cuidado para não chegar atrasado à Gazeta por ter ficado brincando com ele hooooras… 🙂
Feliz Natal atrasado! Ho ho ho! 😉
Mestre, um 2007 espetacular pra vc!!!
Fantásticos os presentes e o texto, a carta do Papai Noel e seu senso de humor. Linda a metáfora do geodo. Adorei ler tudo! Feliz Ano Novo!
André, espetacular o texto, sem comentários.
Que 2007 seja um ótimo ano pra você, muita saúde, paz e felicidades.
Abraços.
A pedra, ou melhor, o geodo, é bonito por fora também.