E se fosse sua filha?

Desde setembro de 2007, quando Lello Lopes e eu caminhávamos pelas ruas de Copenhague, sou perturbado por um fantasma em forma de pergunta. Descansávamos durante um agradável fim de tarde na grama aparada do Oerstedparken, mas logo um jovem casal de namorados chamou nossa atenção. O rapaz, de pulôver listrado, calça preta e aparência emo, caminhava de mãos dadas com uma ruivinha de saia, meias de lã, blusa branca e larga. Então pararam de andar, deitaram na grama, abraçaram-se e, ignorando qualquer transeunte, demonstraram fisicamente a força de seu amor, ali mesmo.

“E se fosse sua filha, André?”. Confesso que, por mais que procurasse uma resposta qualquer entre o controle e a anarquia, não soube responder.

Imaginava ainda que, na perspectiva de constituir minha própria família, alguma luz poderia contribuir para uma resposta definitiva. Já se passaram quase três anos e o fantasma se tornou ainda mais assustador. “E Se Fosse Sua Filha?!?” poderia ser, por exemplo, o título de “As Melhores Coisas do Mundo”, uma visão cinematográfica do ambiente juvenil em uma escola de classe média paulistana, capitaneada pela diretora Laís Bodanzky.

Inevitavelmente, repeti a fatídica pergunta diante da personagem Valéria, a loira boazuda que, não bastassem suas estripulias sexuais públicas e privadas, ainda fuma. Ou a “jornalista blogueira” Dri Novais, que está ali para lembrar quanto nossa autonomia tecnológica para compartilhar conteúdos pode ser perversa. Mesmo a protagonista Carol, que só por usar moleskine e caneta merece meu respeito, dá suas rateadas. Num espasmo pós-sessão, diria sem pestanejar que as três, assim como a ruiva dinamarquesa, mereciam uma surra.

A realidade, assim como os defensores da psicologia familiar e dos limites, consegue superar a ficção. Giovanna Maresti Silva e Ana Lívia Destefani poderiam perfeitamente frequentar a escola fictícia de Valéria, Caril, Dri Novais, Mano, Deco e Fiuk, ops, Pedro. Em junho de 2008, Ana pediu R$ 250 para a mãe, queria um sapato novo. Também aproveitou o fato de ser quinta-feira para ir ao cinema com Giovanna e pagar ingressos mais baratos. Na saída, tiveram uma idéia genial: “São Paulo é um saco. A gente não gosta mesmo daqui. Tô com uma grana no bolso. Vamos para Buenos Aires?”.

Seguiram numa aventura alucinante. Do cinema, na rua Augusta, foram de carona ao Terminal Barra Funda. Pegaram carona de desconhecidos, que ainda lhe pagaram as refeições – quando não ofereciam outras coisas. Foram parar em Porto Alegre, onde foram assaltadas num bairro da pesada. Giovanna vendeu um celular e o óculos e, com o dinheiro, chegaram a Uruguaiana, mas não conseguiram atravessar a fronteira. Acabaram em direção a Santa Catarina: quando chegaram a cidade de Curitibanos, pensando em trabalhar. Até que, finalmente, foram encontradas pela polícia, aliviando o desespero dos pais e familiares.


Infográfico pinçado do Portal G1

Nem sempre o desfecho é feliz. Imagine sua filha comemorando a formatura num cruzeiro marítimo, e durante comemorações infindáveis regadas a muita bebida, ela morre a bordo. Sem falar em casos onde o controle não está exatamente nas mãos da sua filha, como na clássica tragédia da Eloá Pimentel em Santo André.

Não é preciso ir longe para se apavorar. O próprio Lello, esses dias, compartilhou uma angústia parecida: “andar na Augusta na sexta à noite faz repensar a ideia de ter filhos”. Pessoalmente, não tenho muita escolha: a provável mãe da minha filha não cansa em dizer que teremos em casa uma “versão miniatura” de si mesma… O que não deixa de ser preocupante, não? (Piada fraca…).

As dúvidas persistem, e certamente só vou resolvê-las após esse boeing decolar. Por hora, tudo o que posso dizer é que minha filha jamais vai se prestar a um papel como este aqui em rede nacional.

André Marmota tem uma incrível habilidade: transforma-se de “homem de todas as vidas” a “uma lembrancinha aí” em poucas semanas. Quer saber mais?

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Comentários em blogs: ainda existem? (13)

  1. André, desculpa, mas esse seu medo e esse seu texto refletem uma visão particular e generalizada do mundo. E é estritamente relacionado à visão de que o mundo tende a ser ruim.

    Medos vêm de coisas ruins, não tenho dúvida. Mas não dá pra generalizar um mundo em função destes medos. Eu tenho uma filha de 3 anos e não faço idéia de que tipo de pessoa ela será. E não é meu direito querer que ela seja alguém só para satisfazer minhas expectativas – ou mesmo para espantar meus medos.

    Minha expectativa é mais genérica em relação à minha filha: eu quero que ela seja feliz. De qualquer forma.

  2. Rapidamemte, responderia que a educação que ela receberia evitaria que ela fizesse algo não bem aceito. Agora, se mesmo assim ela fizesse, apenas lamentaria, mas com consciencia tranquila. Claro que no dia que eu tiver uma filha, posso mudar de opinião. É algo bem complicado!

  3. se a provável mãe da sua filha sou eu, não vejo porque é preocupante. não fumo, não bebo, nunca roubei o carro dos meus pais. sempre estudei.

    mini-lu será feliz, aposto contigo.

    e se vc é o provável pai da minha filha devo te dizer que nada de surras. olha o seu tamanho e o dela 😛

  4. Medos vêm de coisas ruins, não tenho dúvida. Mas não dá pra generalizar um mundo em função destes medos. Eu tenho uma filha de 3 anos e não faço idéia de que tipo de pessoa ela será. E não é meu direito querer que ela seja alguém só para satisfazer minhas expectativas – ou mesmo para espantar meus medos.
    +1

  5. me dá uma certa angústia pensar nisso também… acho que compartlho um pouco da idéia de que o mundo / o ser humano é ruim, salvo raras exceções!

    mas acredito que com uma boa educação, um bom exemplo, muito amor e diálogo não tem perigo não!

  6. Cara, excelente post. Ótimo texto, assim como dicas preciosas. Os comentaristas também estão de parabéns.

    E minha opinião é a seguinte: Os dias atuais estão carregados de desconforto e insatisfação, (quanto eufemismo). Preocupar-se com questões desta magnitude são normais, e aceitáveis, tendo em vista tudo a que estamos expostos em nossa época e o que a probabilidade nos indica.

    Porém temer excessivamente é de fato mais grave que os acontecimentos em si. Viver uma agonia constante, uma fobia social onde – “A verdade é que o fóbico não vive o presente, ele fica obcecado com as coisas que já deram errado uma vez, e obcecado, com o medo, do que ainda está por vir “o que vão dizer???… o que vai acontecer???”. “E se fosse sua filha??”

    Isso trava a pessoa e a impossibilita às realizações magníficas que poderia doar ao mundo, isso dentro de sua potencialidade.

    Tenho que ser mais breve….
    Sendo assim, Marmota, você se mostra muito ortodoxo, fechado… Até posso ver os sermões sendo dispensados à filha que ainda nem chegou. Ao primeiro sinal de fugir das regras (suas regras) $#%@&*¨%$@#$*&!@%#!@% …, coitadinha.

    Ensinar, educar, ser amigo, conversar, amar…Entre outras tantas coisas, é tudo que se pode e se deve fazer durante o processo de criação de um filho. E mesmo assim, mesmo que consiga fazer “tudo”, Literalmente “Tudo”, isso não garante que um filho lhe será inteiramente fiel e obediente, porque se assim o fosse, ele não viveria a própria vida, mas sim a tua.

    Um tema bastante instigante, e adoraria conversar por horas a fio, infelizmente por computador não dá.

    Sucesso.

    Obs.: Gostaria de ter lido o post antes, para que no apogeu dos comentários pudéssemos interagir juntos.

  7. Lembra-se da “Little Miss Sunshine – Pequena Miss Sunshine”?

    Quando vi aquela “Gagazinha” no SBT, só me lembrava dela, aquele lindo raio de sol,ofuscado pela falta de sabedoria de seus pais. Mas que no entanto, em sua ignorância o amaram, como acreditavam ser o melhor.

  8. Ensinar, educar, ser amigo, conversar, amar…Entre outras tantas coisas, é tudo que se pode e se deve fazer durante o processo de criação de um filho. E mesmo assim, mesmo que consiga fazer “tudo”, Literalmente “Tudo”, isso não garante que um filho lhe será inteiramente fiel e obediente, porque se assim o fosse, ele não viveria a própria vida, mas sim a tua.
    +1

  9. Fazer com que a sua filha vire uma “mini gagazinha” é mostrar para ela um mundo de futilidade,e querendo que ela vire uma metida de marca maior.Muitos pais querem que as filhas sejam assim pois eles só pensão nisso com já comentado : Futilidade e Metides .Será que é preciso tudo isso?

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