Tá rolando uma campanha interessante na rede, bolada pela trupe do Update or Die e reforçada por pilotos da TAM e funcionários da TV Record: se tiver que vir a São Paulo ou sair da capital, não o faça por Congonhas.
Pessoalmente, sempre faço isso quando posso escolher, mas por uma razão diferente da maioria: eu moro longe da civilização, mas a 20 minutos do Aeroporto de Guarulhos. Talvez eu seja um dos poucos a não reclamar das inúmeras alternativas que surgem por aí: reforma de Viracopos, vôos em Jundiaí ou São José dos Campos, trem expresso entre Cumbica e a Barra Funda, e da Barra Funda para Campinas… Tudo porque, de uma hora para outra, o lugar que até esses dias reunia a maior quantidade de pousos e decolagens no país, está condenado. Surpreendente, não?
Infelizmente nem sempre consigo passagens por Cumbica (agora isso não é problema), o que me força a partir e chegar pela pequena jóia da Washington Luís. Isso quando não sou obrigado a relaxar e gozar, como da última vez em que estive por lá, em seis de julho. Resumidamente: um vôo que deveria sair às 22h10 de Congonhas acabou deixando São Paulo depois das duas da manhã, em Guarulhos (se soubesse, teria ido direto). Com direito a detecção dobrada dobrada de metais (uma em cada aeroporto), gente estressada nas salas de embarque e funcionárias que pareciam vender hortaliças em feiras livres ao anunciarem o “novo portão de embarque” a cada vôo modificado. O horrô, o horrô.
Como todo castigo para brasileiro parece pouco, as reformas em Congonhas, que erraram ao priorizar o conforto em relação a segurança no pouco, nem isso conseguiu. Uma norma idiota e sem cabimento impediu a circulação de táxis comuns nas áreas de embarque e desembarque do aeroporto. Apenas os motoristas credenciados podem encostar vazios, provocando filas inevitáveis e muitos transtornos. Os desobedientes recebem multas pesadas, que atrapalham demais o orçamento dessa categoria. Ainda não tinha me dado conta disso até conhecer Rogério, o taxista que me levou ao aeroporto naquela noite.
O caótico trânsito paulistano contribuiu para que tivéssemos um bate-papo longo e agradável, que enveredou para o lado burocrático (devia ser “burrocrático”) do terminal. “Talvez seja melhor eu descer ao lado daquela passarela, assim eu me adianto e você não precisa fazer a volta”, disse, ainda longe da avenida Indianópolis. “Não, não faça isso. Eu preciso te deixar lá dentro, por favor”, pediu. A explicação é simples: é permitida a presença dos táxis comuns em Congonhas apenas com passageiros. Normalmente, o movimento é intenso o suficiente para que nenhum “marronzinho” (o fiscal) perceba alguém embarcando logo depois.
É a brecha perfeita para demonstrações de criatividade em função da necessidade habitual do brasileiro. “Começou com os moleques, que vendem bala ou lavam os vidros na rua”, explicou Rogério. Um de seus colegas abordou alguns deles, perguntando “quem quer ganhar dois reais?”. Dinheiro fácil: bastava sentar no banco do passageiro e dar uma volta até o terminal de Congonhas. Expediente usado diversas vezes, a ponto dos guardas abrirem os olhos ao perceberem a molecada “embarcando” no aeroporto…
O esquema proliferou e se profissionalizou, ao lado de outras técnicas infalíveis. Pequenos ambulantes abordam taxistas, perguntando se “queria uma voltinha até o aeroporto”; motoristas estacionam seus carros do outro lado, atravessam a avenida pela passarela e chamam por passageiros, longe dos olhos da polícia; abordam aeromoças e comissários na porta dos hotéis da região para dar carona, sem custo algum; trocam informações sobre todos os fiscais da CET que dão plantão no terminal (“o careca é gente fina, já o gordinho de cavanhaque não deixa passar ninguém”). Uma beleza!
A história mais bacana, no entanto, Rogério deixou para o fim. Seu pai, também taxista, passou quase trinta anos trabalhando em Congonhas. Em tempos bem mais românticos, ele foi o responsável por uma mutreta genial: trouxe do interior de São Paulo a réplica de uma placa oficial de trânsito, com a inscrição “ponto de táxi comum”. Instalou num poste da Avenida Washington Luís e ali deixou, atraindo outros profissionais do volante. “Essa placa sustentou nossa família durante muito tempo, e até o ano passado ela ainda estava no mesmo lugar”, contou Rogério, orgulhoso.
Não tive como dissociar a imagem dele ao saber do motorista que estava no posto de gasolina no instante da tragédia, e por não figurar em lista alguma da TAM até esses dias, só amplificou a agonia da família e de sua noiva – que, aliás, era a “passageira postiça” dele em busca de uma corrida na área restrita do aeroporto.
Ainda tem muita gente lamentando o fato do jovem estar no lugar errado na hora errada, assim como alguns funcionários da TAM Express e os passageiros a bordo daquele vôo. Mas não tem como não pensar, analisando friamente, no que vai ser das pessoas que se habituaram não apenas em sair e chegar por Congonhas, mas também nas que passaram anos ganhando a vida em função dele. Para os que tiveram suas vidas alteradas de alguma forma, é hora de repensar tudo.
E esse País vai ficando sem saída (sem trocadilho). Ou estou ficando velho, ou cada vez mais se torna difícil viver no Brasil? Aviões viram arapucas, estradas são uma piada. Gastei quase 20 reais em pedágio para fazer uma viagem de 300 km, contando ida e volta. Para que? Buracos dentro de buracos. Gostaria de ir viver em Londres ou em Sidney, mas provavelmente o avião cairia no caminho, isso se conseguisse embarcar. Não há nem como o último apagar a luz ao sair, já que ninguém sai, ninguém sai (TM Veríssimo).
É isso aí Marmota. É mesmo hora de repensar tudo. Belo post. abs.
Congonhas é um escândalo, um crime. E criminosos são os que só tomam medidas após quase 400 mortes.