Diga sempre tudo o que precisa dizer. Mesmo.

– Antes de você sair, preciso lhe dizer uma coisa.

Então você tirou o cinto de segurança enquanto eu parava o carro. Pensava na melhor maneira de me despedir e, ao mesmo tempo, expressar esse turbilhão de sensações inevitáveis que tenho ao seu lado. É impressionante que isso permaneça, afinal terminamos há tanto tempo… Já resolvemos isso tão bem que, sinceramente, é difícil encontrar explicações razoáveis…

Coisas que só a sua presença é capaz de proporcionar. E olha que, se dependesse do nosso passado, tinha razões suficientes para nunca mais ter contato com seus olhos claros de novo. Logo que nos conhecemos, demos as mãos e vivemos uma fantasia. Tínhamos nossos problemas, mas eu acreditava na nossa felicidade. Sempre. Por essas razões da vida, os problemas ficaram grandes demais para você. Até os meus defeitos ficaram mais visíveis. Ser um cara bonzinho demais parecia legal no início, mas aos poucos isso me transformou num ser estranho.

Não foi um fim dos mais fáceis, você lembra bem. Nós dois tivemos a nítida sensação de que levamos tempo demais até alguém tomar uma atitude e pôr fim ao seu mal-estar. Não vou negar que também sofri com aquele chove-não-molha, mas mesmo assim, ainda acreditava. Porque eu realmente gostava de você, e isso superava qualquer obstáculo. Bom, aí veio aquele fim de semana horrível, onde seu jeito distante, refratário e introspectivo de sempre parecia me dizer “Nunca te amei de verdade, e por isso estou legal”. O bestão aqui achava que, levando um choque desse naipe, seria capaz de se dar conta do óbvio: Não era para ser. Não insista, portanto.

O tempo passou. Outras pessoas surgiram em nossas vidas. Começamos outras histórias, cada qual no seu lado. Também acabamos com elas – natural, a cada nova experiência, ficamos mais exigentes. E hoje, com a absoluta convicção de que nós dois jamais ficaremos juntos de novo, devo dizer que passei praticamente ileso pelo segundo choque.

Sim, estou preparado para ser seu amigo e acompanhá-la outras vezes. Passei pelos pontos da cidade que lembram você. Refiz alguns dos nossos primeiros encontros contigo. Passei a noite no sofá da sua casa e, desta vez, não chorei. Também não lhe enchi de elogios – disse apenas que você estava deslumbrante, naquela hora que você, com seu jeito refratário e introspectivo de praxe, fechou a cara e perguntou onde eu queria jantar… Definitivamente, eu me transformei num ser estranho.

Às vezes penso como seria se tivesse conhecido você ao acaso, num encontro despretensioso ou no supermercado. Provavelmente não ia lhe dar a menor pelota, minha primeira impressão não seria das melhores. Mas não foi assim. Dei de cara com alguém cuja personalidade vale ouro. Alguém que valoriza demais a família, que traçou um objetivo na vida e vai à busca, de maneira incansável. Tem segredos e fraquezas, é claro. Mas faz questão de preservar isso consigo, com incrível maestria. Sem falar no sorriso arrebatador.

E é engraçado como agora, quando tentamos solidificar nossa amizade, conversamos tão pouco… Você me olha desconfiada, tentando se armar contra qualquer coisa que eu possa fazer, pensar ou falar. Enquanto eu te observo… Nunca te vi tão bem, de verdade. Apesar de você permanecer reclusa, completamente protegida, absorvendo sensações sem transmiti-las. Como se quisesse me contar que vai ser difícil amar alguém.

Se é que, com todo respeito, você já amou alguém de verdade.

Ai, perdão, é um daqueles comentários particulares demais, que você tanto odeia…

Mas enfim. Depois de passar por esse segundo choque ao seu lado e concluir que a felicidade talvez não floresça se dermos as mãos, a sua presença ainda mexe comigo, como se fosse a primeira vez. Não importa como tenha sido, o que você tenha feito – seja bom ou ruim, como você esteja agora, com quem nos envolvemos.

Pra mim está claro: Eu amo você. E não é pouco. Admito que nem sempre o amor pode vir junto com a felicidade. Talvez por isso seja capaz de fazer qualquer coisa pra te ver sorrir, mesmo que para isso eu tenha que sumir da sua vida. Bom, você é perspicaz, acredito que você saiba disso. Até já demonstrei isso algumas vezes, aprontando uma ou outra coisinha para você sem nunca pedir nada em troca além do seu sorriso…

Nem sei se você está prestando atenção ou se continua bancando a mulher-gelo. Tudo bem, provavelmente isso não vai mudar absolutamente nada. Agora somos amigos. Eu vou continuar aqui e você aí, cada um com o seu problema. Mas a cada reencontro, tenho a certeza de que você entrou para a história com o papel de grande amor da minha vida.
E será assim até o fim dos meus dias. Vou conhecer pessoas novas e viver outras histórias, como já aconteceu depois que terminamos. Mas olha, nem de longe vai ser como o que sinto por você. Enfim, relaxe: Não vou inventar de falar isso no programa da Márcia, ou num daqueles fuscas pintados e com megafone…

– Ei… Ei… Vai ficar só me olhando? Fala logo o que você quer de uma vez! Já sei. Você quer dizer que foi um passeio muito bom.

– É… E também quero dizer que… Que você continua incrível como sempre.

– Você também, lindo. Me dá um abraço. E fica bem.

– Obrigado. Se cuide também. Tchau.

(Esse texto foi postado em 06/05/2005, e nem lembro mais porque um post que considero bacana simplesmente havia sumido dos arquivos… Enfim, dois comentários que recebi sobre ele ainda reverberam em minha mente. O primeiro, de um amigo, ao ler o arquivo tempos depois: “não se precipite, você só poderá dizer quem foi o amor de sua vida no leito de morte”. O segundo, na postagem original, que também se relacionava ao meu aniversário: “muitas alegrias, realizações e até eu ia te desejar coragem. Mas, definitivamente esta voce já conquistou”.)

André Marmota dialoga muito com o passado, cria futuros inverossímeis e, atrapalhado, deixa passar algumas sutilezas do presente. Quer saber mais?

Leia outros posts em E eu, uma pedra. Permalink

Comentários em blogs: ainda existem? (2)

  1. Esse texto me lembrou de uma vez que eu disse pra garota que ela tinha um olhar penetrante, e recebi uma sonora gargalhada de volta. Acho que, quando o amor nos deixa piegas, às vezes é melhor guardar as palavras pra nós mesmos.

Vai comentar ou ficar apenas olhando?

Campos com * são obrigatórios. Relaxe: não vou montar um mailing com seus dados para vender na Praça da República.


*