Desvendando o Internauta-padrão, parte 1: o crente

Estamos vivendo uma era de transição. Um momento que separa o passado, “desplugado” e sem qualquer acesso à informação, do futuro, totalmente imerso em um mundo sem fio e onde qualquer um pode consumir, produzir, transformar qualquer tipo de conteúdo.

Nesse cenário, duas coisas precisam ser consideradas. A primeira: existe uma defasagem muito grande entre o “heavy user”, sujeito tarimbado e acostumado aos meandros da rede, e o novato que descobriu para que serve essa tal de Internet agora há pouco.

A segunda: independente do nível de conhecimento, pessoas que já estão conectadas há tempos ainda não tem cultura (entenda “educação”) suficiente para aproveitá-la como deveria. E isso não é necessariamente um demérito: atire a primeira pedra quem nunca fez alguma burrada virtual, tendo a certeza de que estava tudo em ordem.

Vai chegar o dia em que estaremos num mundo ideal, onde as pessoas estarão incluídas digitalmente, seja por obrigação ou graças a incentivos públicos ou privados. Não importa: quando essas relações virtuais estiverem suficientemente claras para todos, essa visão caótica será substituída por um modelo onde as pessoas que criam, as que criam e consomem e as que simplesmente consomem serão facilmente identificadas – afinal, todos vão ter a mente aberta o suficiente para entender do que se tratam essas mudanças todas.

Mas até esse dia chegar, ainda vamos agir como o Internauta-padrão.

Mas o que é o Internauta-padrão?

Normalmente, usa-se “analfabeto funcional” para identificar qualquer mula virtual. Eu faço aqui uma ressalva: a expressão, usada para definir quem consegue ler e escrever mas não sabe interpretar, é perfeita para alguns cidadãos totalmente sem noção, mas é um pouco forte para peculiaridades que definem algum tipo de deslize, mesmo os mais corriqueiros e imperceptíveis.

É diferente do Internauta-padrão, derivado de “operário padrão”, isto é, aquele que bate cartão, dá uma enrolada, faz apenas o necessário e não está nem aí para o mundo. Assim como essa turma, o Internauta-padrão não pensa. Por alguma razão qualquer: limitação técnica ou saco cheio mesmo.

Por essa razão, Internauta-padrão não é um rótulo fixo. Ninguém é, necessariamente, Internauta-padrão o tempo todo. É bem provável que, a qualquer momento, eu ou você “estejamos” sob essa condição, permanente ou temporariamente (assim espero).

Para deixar bem clara a definição do Internauta-padrão, vamos mostrar gradativamente os tipos mais comuns, reunindo suas características específicas. Evidentemente, muitos desses tipos são complementares – e se algum usuário se encaixar em todos eles, “analfabeto funcional” ainda será pouco.

Depois desta breve introdução, finalmente a primeira parte…

Quem é o Internauta-padrão crente?

Seria um dia normal na vida de Crente 1, não fosse por uma notícia bombástica: descobriram que o asteróide 2-Pallas teve sua órbita alterada e vai se chocar com a Terra, trazendo mudanças sem precedentes na existência humana. Instantaneamente, Crente 1 repetiu o que fizera quando encontrou as fotos do acidente da Gol: apanhou o endereço da matéria e encaminhou para todos os seus contatos, via e-mail, Orkut, MSN e afins.

Muitos de seus amigos entraram em estado de choque. Um amigo do amigo, o Crente 2 jornalista e editor de um grande portal conteituado, reproduz exatamente os mesmos parágrafos em uma notinha e ostenta a notícia em sua manchete. Com isso, cada vez mais pessoas vão atrás do assunto em mecanismos de busca – descobrem que outros grandes portais conceituados replicam o mesmo tema.

Os dois só souberam muito tempo depois que a informação era, na verdade, uma campanha publicitária. Curiosamente, o Crente 2 já tinha sido enganado antes, ao fazer propaganda contrária à empresa Arkhos Biotech, que estaria prestes a privatizar a Amazônia. Coincidentemente, a empresa também fazia parte de uma jogada de marketing.

Aliás, o senador Arthur Virgílio (talvez o exemplo-mor de Internauta-padrão crente) reclamou publicamente do inexistente laboratório norte-americano, mas quando soube que era uma dessas “novidades da Internet”, reagiu com bom humor – foi até convidado pela empresa para brincar também.

Mas o que fez o Crente 2? Ficou irritadinho! Escreveu um novo artigo defendendo seus colegas jornalistas, que agiram de boa fé ao denunciar algo nefasto para seus interesses, e que isso era uma vergonha, uma tremenda falta do que fazer, e que deviam dar um jeito de tirar da Internet essas coisas nefastas.

De repente, se o Crente 2 soubesse o que é ARG… Não, menos: se ele checasse a notícia, como qualquer jornalista deveria fazer, talvez fizesse diferente.

Características do Internauta-padrão crente

– O Internauta-padrão crente QUER ACREDITAR, simples assim.

– Por isso, acredita completamente no que encontra em qualquer site, independente de sua procedência. Seu lema: “se está na Internet, é real”.

– Mantém a mesma crença em histórias mirabolantes recebidas em seu e-mail: celulares de graça, crianças desaparecidas, doações de sangue, abaixo-assinados…

– Espalha essas bobagens todas para os amigos, reafirmando sua crença cega a todo instante. Ou escrevem, no máximo, algo como “eu não confirmei, mas pode ser que seja verdade”.

– Publicam a “mentira” em diversas páginas simultaneamente, sejam elas blogs medianos ou grandes portais conceituados.

– Esquece de revisar o dogma e deixa a “mentira” publicada, para que outros crentes redescubram o mesmo assunto, via Google, nesta e em outras páginas, mesmo semanas, meses, anos depois (a “cauda longa da ignorância”).

– Fica surpreso quando descobre que foi enganado, se irrita profundamente e imagina todo tipo de ameaça para o autor da brincadeira.

– Pior cenário: mantém sua opinião até o fim, afinal, “se está na Internet, é real”. “Que Lost, que nada. As fotos são do acidente mesmo!”.

Eu sou um Internauta-padrão crente!!! E agora???

Se você caiu em uma ou outra pegadinha, relaxe. Certamente, sua vida anda corrida e, em um momento de fraqueza, foi surpreendido. Seu estágio como Internauta-padrão crente só existe por uma razão simples: falta de checagem.

Não importa se a informação chegar a você como uma propaganda, ou um hoax. Mesmo as fontes mais sérias costumam não apenas veicular publicidade, mas especialmente cometer erros. Claro que é chato pisar na bola. Mas mais chato é propagar a mancada como se fosse algo real ou alarmista.

Pode acreditar: não é a primeira vez e nem será a última vez que alguém será surpreendido por algum dado falso. E nem mesmo o Google pode ser julgado: ele não separa o joio do trigo, só traz opções baseado nos seus critérios de busca. Entre elas, talvez esteja a resposta desejada, ali entre alguns erros primários de informação e as manipulações movidas por algum interesse pessoal.

Por isso, antes de reclamar ou ameaçar o autor da sacanagem, lembre-se que você não pode obrigar os outros a terem bom senso ou análise crítica. Mas você pode. Na pior das hipóteses, desconfie de tudo, sempre. Caso ache um exagero, ao menos mantenha algum ceticismo, sempre no limite do bom senso. Pode ser que não salve vidas, mas pelo meos evita aquele “forward” desnecessário no e-mail.

Na parte 2: o plagiador.

Comentários em blogs: ainda existem? (13)

  1. Hahahaha.. muito bom o texto!

    Confesso que nessa última pegadinha do Pallas eu caí, mas ainda bem que não passei pra frente a notícia.. hehehehe…

    Acho que em algum momento qualquer internauta, por mais experiente que seja, está sujeito a passar um carão desses… por isso o melhor é desencanar, dar risada e continuar adiante… mas sem sair replicando esse tipo de viral, independente de ser verdadeiro ou não…

    []s

  2. Ótima análise, estou ansiosa pelos próximos.

    Confesso que fiquei muito feliz ao saber que não sou uma internauta-padrão crente, na verdade sou bem descrente. Sempre que vejo na internet, digo: “será?”

    Mas sim já fiz burradas e uma das mais recentes foi descobrir que sempre fiz hotlink com imagens. Era praticamente uma Pollyanna em informações a respeito de espaço em servidor e coisas assim, até que alguém me alertou e vi a luz.

  3. Fala André!

    Além de ser n00b confessa, pois meu primeiro blog data de novembro de 2005, além de ser franca em excesso, o que me causou uns contratempos, ainda caio em rasgos de generosidade que me irritam depois.

    Vou assinar o feed agorinha porque minha vida anda enrolada e curto demaish ler teush poshtchs.

    Não quero perder parte 2, sobre plágio.

  4. ahahah, não sou internauta -padrão crente, mas sou das mais burrinhas…(rsss)

    para linkar qualquer coisa no meu blog tenho que pedir auxilio aos universitários…quanto a credibilidade da internet…
    ah,meu filho, acredito nas correntes que recebo…
    é uma dó..
    morro de medo de não mandar pra frente e depois ò…
    um abraço!

  5. Perfeita a sua definição do internauta-crente. E ainda por cima super bem humorada :). O pior é que esses tipos não se percebem assim e continuam acreditando em tudo o que lêem. E passando adiante – argh!
    Estou curiosíssima para ler o capítulo 2 😉

  6. Eu acho que o maior problema são esses “pseudo-jornalistas” que os grandes portais colocam para trabalhar.

    É bem provável que sejam jornalistas que acabaram de se formar, e nunca trabalharam em um jornal, onde não existe a opção de apagar uma noticia publicada.

    E, faz muito tempo que adotei a política: é mentira, até que provem o contrário.

  7. sobre a introdução (o sono não me permite seguir em frente com comentários mais comentantes). o que acho mais fascinante nesse usuário que vocês chamaram de padrão (ainda não entendi bem o uso de “padrão” na questão [rimou sem-querer]: padrão = modelo sem fins de elogio ou = modelo que se repete, como padrão genético? mas tanto faz, tá tarde pra burro).

    como eu dizia, fascinante é que a maioria dos usuários da internet ainda não sabe usar os mecanismos de busca. fico boba e intrigada: é gente que já circula faz tempão, mas insiste em digitar no google por que meu cão parece estar tossindo?. são casos antropológicos.

    sem mais, espero pelos proximos artigos.

  8. Hehehe, também achei que ia sair alguma coisa falando dos religiosos. 😛
    Mas fora a parte de ser jornalista/blogueira você descreveu uma prima minha da unha do dedão ao último fio de cabelo. Ahahahhaa!

  9. Interessante o seu texto. Concordo com vários pontos dele.

    Entretanto, parece que você não leva em consideração que moramos em um país pobre, onde nossa população tem pouco acesso a uma educação de qualidade.

    Temos milhões de internautas padrões, sim, mas paremos para refletir um pouco: é melhor tê-los do que não ter internautas nenhum.

    Parabéns pelo Blog!

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