O primeiro (e por enquanto único) ninguém esquece

Acordei cedo naquela sexta-feira: deixei o carro em casa e fui de ônibus ao encontro dela. Marcamos dez horas, na catraca do Metrô Ana Rosa. Durante a viagem, que durou pouco mais de uma hora, sintonizei meu radinho no AM: ouvi mais um jogo da Copa da França. Paraguai contra Bulgária. Partidinha chinfrim que terminou sem gols.

Na minha vida, no entanto, nada de zero a zero. Namorávamos há pouco mais de dois meses, estávamos no auge do nosso relacionamento. Como o dia seria comprido, não caprichei muito no visual: usava o tênis de sempre, calça jeans e camiseta. Finalmente cheguei ao meu destino, faltavam cinco para as dez. Estava ansioso, como ocorre em toda primeira vez. Nervosismo que só aumentou com o andar do relógio – pontualidade não era o forte dela.

Um e outro defeitinho bobo que nem damos bola quando estamos apaixonados. Dez e pouco e lá estava ela, esbaforida. Os sapatos combinavam com a jaqueta de couro; esta escondia uma charmosa blusa preta, sem manga. A calça? Não lembro. Mas seu sorriso é, até hoje, inesquecível. E naquele dia estava ainda maior… Nem deu tempo de pedir desculpas pelo atraso: um abraço forte, um longo beijo. Até que, finalmente, sussurramos, uníssonos, olhando um nos olhos do outro:

– Feliz dia dos namorados…

Sempre fui um namorado relapso: não tive tempo de comprar um presente! Já os meus estavam a minha espera, em seu carro, alguns metros dali. Caminhamos abraçados até lá. Não era um dos melhores dias de outono: o céu estava nublado e um ventinho aumentava a sensação de frio. Já dentro do carro, ela entregou seu embrulinho. Nele, um CD do Bee Gees e um abstrato quebra-cabeças de acrílico, que formava um sólido geométrico oval. No cartão, uma explicação filosófica comparava o “ovo desmontável” com o mundo.

– Comprei quando estava em Londres, significa muito pra mim.

Lindo, lindo! Mais um beijo!!!

Decidimos dar uma volta no parque do Ibirapuera. Durante o percurso, divagávamos sobre um futuro distante e absurdamente incerto. Ela dizia que não sabia cozinhar, não arrumava a casa e seria uma péssima esposa. “Acho que vamos ter que contratar uma empregada”, respondia. Passamos por ruas bucólicas na Vila Mariana e, vez ou outra, apontávamos: nossa casa vai ser ali. Ou ali. Ou quem sabe na praia.

Caminhamos longas horas pelo parque. Sentamos na grama. Tiramos fotos que, aliás, nunca vi. Tudo bem, as imagens dos outros casais de mãos dadas, se abraçando, beijando… Ao lado da nossa, que obviamente representava um casal ainda mais feliz, permanecem. Estávamos perto do lago quando decidimos onde seria o nosso almoço.

Optamos pelo Shopping Eldorado. Um lugar que remete a nossa história, inevitavelmente. Trabalhávamos juntos, na Cidade Universitária. Ela morava pr´aqueles lados. Nossos primeiros encontros, mesmo antes de oficializarmos a coisa, eram ali. Foi naquele estacionamento, em uma noite qualquer de abril, que conversamos longamente sobre “química”, “amizade” e afins, antes de deixarmos nos envolver pelos nossos sentimentos.

E ali celebramos aquela data, que apesar de comercial, era feliz. Escolhemos uma mesa no Galeto´s, com vista para a Marginal Pinheiros. Pedi o mesmo prato que o dela, o mesmo refrigerante… Depois das refeições, a sobremesa:

– Vamos ao cinema?

Por que não? Quer programa melhor para se fazer a dois? Entre “Será Que Ele é?”, “Tropas Estelares”, “Querida, Nós Encolhemos” ou “Titanic” de novo, escolhemos “Sete Anos no Tibet”, aquele que o Brad Pitt contracenava com o japinha. Vou ser franco: tenho apenas alguns insights do filme: estava totalmente hipnotizado.

Nossa comemoração estava prestes a terminar. Aquela sexta-feira fazia parte do feriado de Corpus Christi, e a família dela já estavam na cidade-natal de seu pai, no interior. Além de deixar o carro em casa, ela precisava ainda descobrir como fazer para chegar ao Terminal Rodoviário do Tietê. Não saí de perto dela em nenhum momento – instintivamente, precisava agradecer ao fato dela ter escolhido passar o dia comigo!

Pegamos um coletivo qualquer na avenida Rio Pequeno, descemos logo depois da ponte Eusébio Matoso, em frente ao Shopping Eldorado – sempre ele. Naquela altura, o sol, que já era pouco, tinha ido embora há tempos. Permanecemos abraçados no ponto de ônibus, até aparecer um ônibus tipo “executivo”, com destino à rodoviária. Era tudo que nós queríamos!

O adiantado da hora, além do “preço especial”, mantinha o ônibus praticamente vazio. Escolhemos uma poltrona lá no fundo, fechamos a cortina da janela e começamos a nossa despedida. Aproveitamos cada minuto restante, demonstrando tudo que aquele dia significou em nossas vidas sem precisar usar uma única palavra.

Só larguei a mão dela quando não dava mais para segurar: na porta do Cometa que levaria o meu amor ao encontro de seus pais. Nossas lágrimas deram um ponto final ao nosso 12 de junho de 1998.

No caminho para casa, já imaginava como seria o nosso próximo dia dos namorados. Sairíamos para um jantar cinematográfico, aquele com luz de velas. Enrolaríamos juntos durante a madrugada e a levaria para uma rápida viagem. Bertioga, talvez. Ao chegar abriria o porta-malas, onde encontraria uma toalha, duas taças e alguma bebida. Champanhe. Não, Guaraná Champanhe. Enfim. Defronte ao horizonte, assistiríamos juntos ao nascer do sol.

“Meu próximo dia dos namorados vai ser assim”, prometi a mim mesmo, faceiro, cantarolando Bee Gees, “wish you were here”.

E a promessa permanece. Até hoje.

(Postado em 12/06/2003)

Comentários em blogs: ainda existem? (13)

  1. Que belo dia…Pra mim dia dos namorados deve ser todos os dias… mas como sei que isso é uma utopia, já vale um dia mais carinhoso e cheio de chamegos ao lado de quem amamos…

    A descrição do seu dia “perfeito” deve estar pra sempre no cantinho do seu coração,não é?

    ’s

  2. Nesta mesma noite de 1998, eu fui assistir “Cidade dos Anjos” com a namorada de então. Assim como o teu amor, aquele ficou só na lembrança. Espero que, assim como está acontecendo comigo, logo alguma guria se toque do cara poderoso que tem aí e se dê ao luxo de ser feliz como Sra. Marmota 🙂

  3. Ei, André… Voltei. Depois de um chá de sumiço. (Preciso me formar)

    Sua história me lembrou “Pequenas Epifanias”…

    Vc é sensacional!!!

    beijinho

  4. Sei q vc ai ter esse dia perfeito, com alguém q te merece e q vai te amar muito, acredita na tua amiga! Vc é muito especial e merece muitos dias mágicos e especiais como este q vc sonha, depois te conto alguns sonhos tb… beijinho

  5. Sorte a sua… que tem lembranças lindas de um dia assim. Eu nunca tive um Dia dos Namorados a dois. Talvez por isso nunca tenha parado para pensar como eu gostaria que fosse o próximo. Você ainda terá muitos. E realizará todos os seus desejos.

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