Rio de Janeiro (RJ) – Eu até posso entender a necessidade das conexões em vôos domésticos nacionais – tudo para atender a demanda, além de contribuir para a tranquilidade de aeroportos modestos como o de Vitória – que comporta uns três embarques por vez, no máximo. Para o meu azar, nenhum deles para Guarulhos.
“Tanto o que já decolou quanto o próximo para São Paulo, depois do seu, descem em Congonhas, mas o embarque já está encerrado… Puxa, você vai chegar tarde, hein?”, comentou a mocinha do check-in, ao constatar que minha viagem levaria cinco vezes mais tempo para acabar – eu não sei o que se passava na cabeça de quem marcou essa passagem.
Agora estou aqui, na sala de embarque verde do Galeão, fazendo uma aposta particular: quantos serão os minutos de atraso desta vez? Em minha última passagem pelo Tom Jobim, foram uns cento e poucos. Funcionários ignoraram nossa capacidade de obter notícias e diziam que a culpa era do mau tempo (inexistente) em São Paulo. Já instalado na poltrona, o comandante pediu desculpas, alegando congestionamento no tráfego aéreo… Aeroportos são assim: informação correta é tão abundante quanto rede wi-fi a custo zero.
Tudo que me resta é ficar sentado nessa cadeira futurística esperando pela gravação da voz rouca anunciar o vôo 1903. A minha frente, uma família de alemães – pai, mãe, filha e genro – caçoavam do inglês gravado e com sotaque a cada “flight, one, six, zero, now boarding, gate five”. Perto dali, uma senhora corpulenta, pinçada de uma cena com a Whoopi gravada naquelas igrejas festivas do Brooklyn, tentava convencer o filho, de uns quatro anos, a parar quieto. Ficou impossível: o baixinho encontrou uma menininha, da mesma idade. Ficaram se olhando, sorriram, brincaram… Até que, finalmente, se despediram. Os alemães, que também sorriram com a cena, também foram embora dali.
E o tempo não passa, que tédio. Se o quiosque de café não fosse tão mal acabado, juro que tomaria um agora. Prefiro pegar um toblerone na Laselva e passar o tempo. Mal volto ao meu lugar, em frente ao portão quatro, e ela aparece. Vestido lilás, decotado, pequena mala de rodinhas. Sentou exatamente na minha frente. Tirou da mala um livro vermelho, grosso, parecido com aquele do Philip Kotler. Mas ela não tinha pinta de publicitária. Ela tinha era um belo decote.
Continuo com o laptop aberto, digitando como se fosse algo muito sério enquanto belisco algumas lascas de Toblerone. Uma voz perdida invade minha orelha. “Olhe pra ela e oferece esse chocolate aí! E seja discreto, pare de olhar pros peitos dela!”. A morena continua ali, concentrada em sua leitura. Mando a voz calar a boca: e daí? Quantas morenas como esta já não sentaram na sua frente, no aeroporto ou em qualquer lugar, e seguiram suas vidas sem jamais imaginar que eu existo.
Fico imaginando quantas pessoas já tiveram coragem de levantar de um banco de aeroporto para conversar, e quantas destas se transformam em algo frutífero. Imagino ainda qual seria a diferença entre o Galeão e uma balada: a morena também faria parte de um ambiente de alta rotatovidade, onde não há nada que sustente qualquer relação além de detalhes como um decote.
Acabam de chamar meu vôo, e ela nem se mexeu. Quer saber? Deixa ela seguir para a vida dela, feliz da vida. Provavelmente, quando chegar em casa, a imagem dela vai sumir junto com a da família alemã, da gordinha e das crianças. Melhor assim. Não quero que minhas histórias sejam tão efêmeras quanto uma espera na sala de embarque.
Gostei da estorinha. É recente? As descrições são boas exceto a da locutora do Galeão. Todo mundo tem sotaque. A locutora escolhida para o Galeão, a menos que a gravação tenha mudado, é a Iris Letieri, a voz mais-mais na época. É natural que no Brasil falem com sotaque brasileiro. Sincerammente nunca achei sua locução tremendamente infectada por um sotaque.
E quem são os alemães para julgar sotaque do inglês?
Devia ser um belo de um decote!
O que eu tomo de tapa por decotes assim!
Risos
Tive bastante sorte no voo da lua de mel… nadica de atrasos…
Rá! Apanha mesmo senhor Rodrigo! 😛