A incrível arte de voar

Dando sequência a série “leia algo que eu não escrevi já que tá difícil encontrar tempo para pensar em algo diferente”, segue um trecho do Capítulo 11 de A Vida, o Universo e Tudo Mais, terceiro livro da trilogia de cinco episódios do Guia do Mochileiro das Galáxias. A propósito, leia todos. É infinitamente melhor que o filme.

Mas enfim. O texto pinçado refere-se a um passatempo bastante simples, mas que exige treino e disciplina: voar. Na minha opinião, um dos melhores trechos do livro. Mais do que isso: uma explicação bastante racional para muitas das coisas que não sabemos definir em nosso cotidiano, mas que vez ou outra nos deixam nas nuvens – há quem se sinta à vontade sem sentir o chão embaixo dos pés. Não é o meu caso.

O Guia do Mochileiro das Galáxias diz o seguinte a respeito de voar:

Há toda uma arte, ele diz, ou melhor, um jeitinho para voar.

Encontre um belo dia, ele sugere, e experimente.

A primeira parte é fácil.

Ela requer apenas a habilidade de se jogar para a frente, com todo seu peso, e o desprendimento para não se preocupar com o fato de que vai doer.

Ou melhor, vai doer se você deixar de errar o chão.

Muitas pessoas deixam de errar o chão e, se estiverem praticando da forma correta, o mais provável é que vão deixar de errar com muita força.

Claramente é o segundo ponto, que diz respeito a errar, que representa a maior dificuldade.

Um dos problemas é que você precisa errar o chão acidentalmente. Não adianta tentar errar o chão de forma deliberada, porque você não irá conseguir. É preciso que sua atenção seja subitamente desviada por outra coisa quando você está a meio caminho, de forma que você não pense mais a respeito de estar caindo, ou a respeito do chão, ou sobre o quanto isso tudo irá doer se você deixar de errar.

É reconhecidamente difícil remover sua atenção dessas três coisas durante a fração de segundo que você tem à sua disposição. O que explica por que muitas pessoas fracassam, bem como a eventual desilusão com esse esporte divertido e espetacular.

Contudo, se você tiver a sorte de ficar completamente distraído no momento crucial por, digamos, lindas pernas (tentáculos, pseudópodos, de acordo com o filo e/ou inclinação pessoal) ou por uma bomba explodindo por perto, ou por notar subitamente uma espécie muito rara de besouro subindo num galho próximo, então, em sua perplexidade, você irá errar o chão compleamente e ficará flutuando a poucos centímetros dele, de uma forma que irá parecer ligeiramente tola.

Esse é o momento para uma sublime e delicada concentração.

Balance e flutue, flutue e balance.

Ignore todas as considerações a respeito de seu próprio peso e simplesmente deixe-se flutuar mais alto.

Mão ouça nada que possam dizer nesse momento porque dificilmente seria algo de útil.

Provavelmente dirão algo como “Meu Deus, você não pode estar voando!”.

É de vital importância que você não acredite nisso: do contrário, subitamente estará certo.

Flutue cada vez mais alto.

Tente alguns mergulhos, bem devagar no início, depois deixe-se levar para cima das árvores, sempre respirando pausadamente.

NÃO ACENE PARA NINGUÉM.

Quando você já tiver repetido isso algumas vezes, perceberá que o momento da distração logo se torna cada vez mais fácil de atingir.

Você pode, então, aprender diversas coisas sobre como controlar seu vôo, sua velocidade, como manobrar, etc. O truque está sempre em não pensar muito a fundo naquilo que você quer fazer. Apenas deixe que aconteça, como se fosse algo perfeitamente natural.

Você também irá aprender como pousar suavemente, coisa com a qual, com quase toda certeza, você irá se atrapalhar – e se atrapalhar feio – em sua primeira tentativa.

Há clubes privados de vôo aos quais você pode se juntar e que irão ajudá-lo a atingir esse momento fundamental de distração. Eles contratam pessoas com um físico inacreditável – ou com opiniões inacreditáveis – e essas pessoas pulam de trás de arbustos para exibir seus corpos – ou suas opiniões – nos momentos cruciais. Poucos mochileiros de verdade terão dinheiro para se juntar a esses clubes, mas é possível conseguir um emprego temporário em um deles.

Aliás, estou devendo também um post decente sobre Douglas Adams. Vai ficar tudinho pro montão no fim do ano.

Comentários em blogs: ainda existem? (9)

  1. Comprei o livro tão logo ele chegou nas lojas, era o único dos quatro lançados pela Brasiliense que eu não tinha lido nos anos 80 (a editora fechou as portas antes de lançar o quinto da “trilogia”). Uma lição de vida disfarçada de comédia, não? Esperemos para dizer, em breve, “Adeus e obrigado pelos peixes!”

  2. Realmente, o livro é infinitamente melhor que o filme, se bem que eu achei o filme deveras interessante.

    Esse livro, o terceiro, é o melhor da série que eu li até agora. Se bem que no segundo, o capítulo do Marvin dialogando com um robô armado até os dentes é o ponto alto da (até agora) trilogia..

    Um abraço!

  3. Não li o livro nem vi o filme. Pouco antes de saber que iriam fazer um filme desse livro, li o verbete da wikipedia que trata do segredo do universo e fiquei MOR-REN-DO

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