A Canaã do chocolate

Segundo o velho testamento, Canaã é o lugar entregue ao povo de Deus para que lá os mesmos possam usufruir de fartura e progresso – longe da Bíblia, a “terra prometida” virou Israel, e a única promessa que ainda espera-se é a de paz em suas fronteiras. Mas isso é outra história.

Enfim, segundo o simpático e ágil rapaz que não usa plural, responsável pelo merchandising testemunhal no programa vespertino de Palmirinha Onofre, na TV Gazeta, “as oferta da Chocolândia são imperdível, são vinte mil itens em nove mil metros quadrado, tem pet shop, padaria, mercearia, brinquedo, papelaria, olha só isso, ovo das superpoderosas por apenas quinze e oitenta e nove, todos os ovo de páscoa com os melhores preço e todos os ingrediente pra fazer tudo em casa”.

Para quem não é de São Paulo, imagine uma loja tradicional, que passou de armazém a hipermercado nos últimos 20 anos e cuja especialidade é chocolate e derivados – para quem quer simplesmente se empanturrar ou mesmo produzir seus próprios ovos e bombons. Nesse último caso, a Chocolândia é a escolha preferida das donas de casa, em função das muitas ofertas e variedades de barras de chocolate, embalagens, formas, recheios e todo o resto.

Nesse contexto, adivinhem qual foi a opção da casa ao decidir, aos 43 minutos do segundo tempo, que não iríamos gastar fortunas em ovos de supermercados, mas sim colocar a mão na massa ralando, derretendo e modelando chocolate nas formas plásticas? Foi assim que, no último domingo, embarquei para uma aventura na terra prometida dos coelhos caseiros, sejam profissionais ou amadores. Para quem mora no extremo leste da Capital, um deslocamento até um ponto da zona sul, quase na Anchieta, é praticamente a “via sacra”.

Antigamente, as paralelas da Avenida do Estado no Ipiranga, como a Bom Pastor e a Silva Bueno, tinham mão dupla. Agora, para melhorar a fluidez, uma sobe e outra desce. Mas não adianta muito: foi só chegar na altura do dois mil para uma das faixas parar completamente. A culpa era do enorme prédio de esquina e dos carros parados nos arredores. Outra fila, que dobrava o quarteirão rumo à rua Lino Coutinho, onde fica o estacionamento da loja. Longos minutos até o carro chegar finalmente às mãos de um ágil manobrista: nem mesmo a ampla garagem comportava aquele movimento. As placas indicavam: gente de Guarulhos, Diadema, Santos…

Como imaginei uma compra grande, tratei de retirar um carrinho na entrada. Mas não consegui andar um único centímetro.

Chocolândia

Uma horda ainda maior de gente, tentando empurrar carrinhos, carregar cestas, retirar ovos de chocolate dos mostruários, escolher formas, embalagens, papéis chumbo, crocantes, panelas para banho-maria, balas de licor, recheios e afins. Muitos avisos alertando os visitantes: a loja é 24 horas. Mas da forma como eles comemoram o Natal nessa época do ano, mesmo às três da manhã, o inferno seria ali.

Larguei o carrinho num corredor qualquer e tratei de pegar algumas cestas de ferro, imaginando que seria mais fácil circular pelos corredores abarrotados. Que esperança. Tratamos de colocá-los no chão em frente à prateleira dos produtos de limpeza, a única área onde era possível ficar tranquilo, sem ninguém esbarrando. Enquanto um cuidava das compras, outro caçava os produtos.

Enfim, veio a hora do caixa. Disse ao meu irmão: “vai atrás da menor fila, depois me avisa para irmos direto com estas cestas cheias”. Pena que ele não viu a plaquinha discreta, ao lado do caixa mais livre: “aqui, pagamento só em dinheiro”. Seguramente, nossas compras somariam um valor muito superior ao das nossas notinhas no bolso…

Somando o tempo do trânsito, do estacionamento, do empurra-empurra e da fila no caixa (onde a dona da frente simplesmente havia esquecido dinheiro e cartões em algum lugar), foram mais de três horas de aventura, cansaço e um belo gasto. Tudo para que, nos dias seguintes, todo chocolate fosse transformado nas mesmas coisas que a população gastou até R$ 50 por unidade nos últimos dias.

Enfim, pela distração materna, pelo resultado final e pelos muitos bombons traçados nos últimos dias, a conclusão é a de que a peregrinação à Canaã do chocolate valeu a pena. Se bem que um dia ainda eu vou entender porque não fizemos isso bem antes. Ou mesmo bem depois…

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