“Parentes, amigos, todo mundo na Igreja. Os padrinhos entram, bem arrumados. O noivo entra, de braço dado com a mãe, à sua direita. Ele fica à frente do altar, ouvimos os primeiros acordes e a noiva entra, com o pai à esquerda. Ela usa branco. Os dois trocam votos e alianças. Ao final, o noivo lhe dá o braço esquerdo. Saem todos da igreja. Os convidados jogam arroz e, no fim da festa, a noiva joga o buquê. Parece tudo igual, mas nenhum casamento é igual ao outro”. Foi mais ou menos isso que ouvi esses dias, em uma das cerimônias de casamento mais marcantes da minha vida.
Todo mundo deve resgatar facilmente alguma lembrança do gênero. As minhas começam aos cinco anos de idade, quando eu banquei o “daminho de honra” (daminho é bem mais legal que pajem, não?). Teve outra em Curitiba, onde eu cheguei muitas horas antes na cidade e mesmo assim atrasei lamentavelmente, o bastante para perder a cerimônia. A mais curiosa e engraçadinha até então havia sido uma celebração alternativa, onde o ministro (ou genérico) não dizia coisa com coisa – meus amigos se entreolharam e seguraram o riso quando o sujeito disse “o amor é como um cadinho, que ferve e borbulha…”. Cadinho?
Neste episódio, protagonizado pelo casal de amigos Fernando e Cristina, eu fiz minha estréia como padrinho – por si só, razão suficiente para guardar a noite na memória. Responsabilidade que me fez armar um verdadeiro esquema para não me atrasar: tratava-se do último sábado de julho, e eu estava enrolado com a cobertura do penúltimo dia dos Jogos Pan-americanos (sabidamente um dos mais intensos, definitivamente a dupla escolheu a dedo o dia perfeito). Tive que “fugir sorrateiramente” no meio da tarde, à paisana, para me padronizar naquele luxuoso (e alugado) estilo de primeira grandeza.
Milagrosamente, apesar de um ou dois percalços (ah, o maldito nó da gravata), o esquema funcionou como um relógio suíço: cumprimentei o noivo pontualmente no horário que combinamos. Rapidamente, conheci a moça que entraria comigo na Igreja: uma grande (e linda) amiga da noiva. Provavelmente eu só vá compartilhar a companhia de alguém assim no dia do meu casamento – em tempo, certamente não vai ser com ela.
Minutos depois, enquanto os instrumentistas da Catedral Anglicana ensaiavam/acalmavam os convidados ao som de Allegria, do Cirque du Soleil, ou até mesmo Who Wants to Live Forever, do Queen (!!!), o mestre de cerimônias posicionava os casais de padrinhos para o primeiro (e único) ensaio geral. “Os homens seguram as mulheres pelo braço direito, e permanecem assim até o fim. Os casais da noiva se posicionam, do fim para o começo do altar, à esquerda. Os do noivo ficam à direita. Dúvidas?”. Ah, moleza.
“Mas… Esperem, não está faltando gente?”. Sim, duas madrinhas a menos. É absolutamente normal alguém chegar tarde, e os únicos atrasos dignos de manchete são o dos noivos ou o do padre. Enfim, bom para a orquestra mostrar todo o seu repertório. “Daqui a pouco eles vão emendar com Faroeste Caboclo e Light My Fire, que é pra dar bastante tempo”, sugeri. Naquela altura, os organizadores do evento já deviam estar irritadíssimos: a celebração dos meus amigos era apenas a segunda da noite, e aquilo fatalmente influenciaria as outras cerimônias.
Pouco mais de meia hora até que, finalmente, surgiram as duas moças, além da mãe do noivo. Ufa. Aquela correria básica até o mestre de cerimônias dar o sinal verde. Antes da noiva entrar, mais uma inovação protagonizada pelos músicos: a clássica marcha foi precedida pelos famosos acordes de Assim falou Zarathustra, de Richard Strauss, eternizados no filme 2001: Uma Odisséia no Espaço. Meu amigo Ricardo aproveitou a deixa para interpretar a descoberta do fogo, ali mesmo. Como aquela noite estava muito fria, aquilo foi perfeito para quebrar o gelo.
Com o casal devidamente posicionado, noivos, padrinhos e convidados foram apresentados ao reverendo Aldo Pereira Quintão, uma das figuras mais carismáticas e alegres que já conheci. Sentimos o tom da cerimônia logo nas suas primeiras frases. “É com alegria que estamos reunidos aqui, nesta noite, para celebrar a união deste casal. Como todos nós admiramos e respeitamos estes dois filhos de Deus, é bom que todos os celulares estejam desligados!”. Pelos barulhinhos eletrônicos vindos da platéia, o aviso surtiu efeito.
Mesmo enquanto explicava a simbologia envolvendo padrinhos, noivos, vestido branco, alianças, arroz, buquê e outras informações relevantes ao matrimônio, o simpático vigário alternava tiradas espirituosas com estocadas ao Studio K, salão de cabeleireiro responsável pelos atrasos. Vieram então os “daminhos” – um deles, no alto de seus quatro anos, estava mais bem vestido que eu. Roubou a cena ao não sair do altar: teimou em ficar ao lado da mãe e, diante das negativas, decidiu “reinar” atrás do reverendo, como se nada estivesse acontecendo. Adorei ele.
Toda a praxe religiosa relacionada ao já esperado “sim” já havia terminado, quando o pároco lembra não apenas ao casal, mas também aos presentes, que o mais importante na vida é o amor. Sentimento que não pode apagar jamais, seja nos bons ou maus momentos. “Imaginem os dois, dentro de alguns anos, em sua cama. Ele assistindo TV, ignorando a presença dela. A mulher resolve se virar e dormir, até que sente a mão de seu marido passeando por seu corpo. Ela se entusiasma, e até imagina que a noite será diferente. Nesse momento romântico, ele diz: querida, pode me dar licença um minutinho, estou procurando o controle remoto…”, exemplificou.
Obviamente, o encerramento não poderia ser diferente. “Antes de irmos em paz, alguns avisos. Este casal que tanto prezo deverá receber todos vocês em uma recepção. Eu não fui convidado, mas tudo bem. Peço por gentileza para que os cumprimentos aos noivos sejam feitos lá. Mais do que isso, sejam ágeis ao deixar o estacionamento da Catedral, para que os convidados da próxima cerimônia possam chegar tranquilamente. E lembrem-se: nunca mais Studio K. E que o Senhor vos acompanhe”.
E que os noivos sejam muito felizes. Amém.
É por causa de textos como este que leio o seu blog… abaixo o calhau e abaixo blog-que-só-fala-em-blog!…
Eu gosto de blog que fale de pessoas… pessoas de carne e osso que são padrinhos de casamento de grandes amigos… pessoas que têm grandes amigos…
Enfim, você já conhece tooooooodo o meu discurso, né?
😉
Além de assinar embaixo do comentário da Luciana, gostaria de agradecer a dica de não me arrumar no Studio K!
=P
(Ótima cerimônia. Adorei.)
Beijos, saudades.
Muito boa história. E concordo com a Luciana: calhau de c* é r*. Viva os textos novos!
Há lugar pra todos os tipos de posts. Gosto desses assim como esta cerimônia de casamento porque essa praia tá é cheia de calhau, especialmente na arrebentação.
É triste realidade que estou atrasadíssima.
Parabéns, divertido e esmerado.
Beijos,
Cadinho? Eh, Brasil!
Andre, maior bunitim seu post de “quero uma casa no campo”…
Serio cara, vc é bem mineiro.. gaucho, morando em Sampa, com “jeitão ” de mineirinho…
bjos
ah…O casamento…que padre doido, sô…
eu tb amo crianças que fazem coisas divertidas sem encher o saco em lugares publicos…
bjos
Eu adorei essa cerimônia, esse daminho, mas, principalmente, o bom humor do vigário. Será que se eu pedir (e arrumar um noivo a tempo) ele faz o meu casamento? rs rs