Em um ano repleto de más notícias, ao menos durante um mês o país ganhou um momento de aívio. Mesmo quem não é fanático por futebol acabou voltando suas atenções para a Coréia do Sul e o Japão, países que receberam a primeira Copa do Mundo do Século XXI.
Alguns fizeram isso com um pouco mais de intensidade. Em 28 de maio, troquei o dia pela noite, e assim foi durante boa parte do mês de junho. Minha missão, além de ajudar na cobertura do maior evento esportivo do ano, era cuidar de um projeto piloto: produzir boletins de áudio com um resumo da competição, tentativa de criar algo diferente e, acima de tudo, algo que não tínhamos a menor idéia do que ia dar.
De um jeito ou de outro, a mesma teoria se aplica ao time de Felipão. Antes do Mundial, a referência que tínhamos não era animadora: a classificação saiu na última partida das Eliminatórias, contra a “temida” Venezuela. As dúvidas sobre o desempenho da equipe aumentaram quando o capitão Emerson se machucou, na véspera da estréia. Teve gente que duvidou até da nossa classificação quando, aos 40 do primeiro tempo, Hasan Sas abriu o placar para a Turquia naquela partida do dia 3 de junho.
Mas já no segundo tempo daquele jogo, a seleção mostrou que já tinha uma quinta estrela por perto. Foi graças a ela que o Brasil conseguiu um pênalti mandraque, virar aquela partida e começar a Copa com o pé direito. Diante da China e da Costa Rica, dois treinos de luxo, o time começou a ganhar forma. Mais uma vez, a quinta estrela brilhou no dramático jogo contra a Bélgica, onde só aquele árbitro jamaicano com a cara do Ronaldinho não viu o gol do Wilmots ainda no primeiro tempo. A partir daquele jogo, Felipão se deu conta de que Kléberson era parte indispensável do esquema tático, para tristeza dos que gostariam de ver Ricardinho em campo.
Sexta-feira, 21 de junho. Naquela altura, já não aguentávamos mais as mesmas esfihas de queijo e o refrigerante quente durante a madrugada. Até ali já havíamos vibrado muito com a eliminação da França, com aquele gol de falta da Suécia contra os nossos “hermanos”, sem falar no gol de ouro do coreano diante da Itália. Mas já era passado: aquela era a nossa noite. O jogo entre Brasil e Inglaterra foi o que certamente mobilizou o maior contingente de torcedores acordados às três da manhã durante a Copa.
Bobeada de Lúcio, gol de Owen. Jogo dramático, Galvão Bueno estava ali, firme, para melhorar o ânimo… Arrancada de Ronaldinho Gaúcho, gol de Rivaldo. E o golaço do mesmo Ronaldnho Gaúcho, desmoralizando o goleiro Seaman. Tudo muito bem até a sua expulsão – o melhor jogador em campo não levou sequer o cartão amarelo. Mais uma vez, preocupação. Felizmente, o Brasil não parecia ter apenas dez homens em Shizuoka. Pouco antes das seis da manhã, éramos um dos quatro melhores do mundo. A Avenida Paulista começava a ouvir os primeiros gritos de entusiasmo dos torcedores brasileiros.
Na semana seguinte o ritmo dos boletins de áudio caíram. Voltei ao meu horário habitual, já que as partidas seriam todas pela manhã. Despachamos a Turquia do falastrão Senol Gunes e ficamos na expectativa do confronto contra os alemães – um time que não tinha nada de excepcional, mas com uma forte tradição. Esperávamos uma bela final, como seria em qualquer Copa – a decisão entre Brasil e Alemanha era aposta certa em 1994, não fosse a surpreendente Bulgária. Finalmente, as duas potências decidiriam o título mundial oito anos depois.
Vesti a minha camisa amarela pela sétima vez, cheguei na redação bem cedo, assim como centenas de torcedores que já tomavam a Avenida Paulista. O clima de entusiasmo e a certeza do penta eram inevitáveis. Final do primeiro tempo e o Brasil mandava no jogo – desespero depois daquela bola cruzada do Ronaldo e da bomba no travessão do Kléberson. A Alemanha voltou para a segunda etapa disposta a mudar a história: partiram para cima, pois sabiam que podiam contar com Oliver Kahn, o melhor goleiro do mundo. Bem feito.
As três cenas a seguir dificilmente sairão da minha memória. O chute de Rivaldo, Kahn batendo roupa e gol de Ronaldo. Cruzamento de Kléberson, genial corta-luz de Rivaldo e mais uma no barbante, mais uma do artilheiro da Copa. Finalmente, a terceira, registrada pelo gravador do Luiz Fagundes em plena Paulista: “Collina vai pegar a bola… Vai acabar… Vai acabar!!! Acaboooou!!!!! É penta!!!!”. O boletim daquele domingo não precisava de mais nada! E o mundo se curvava ao talento da seleção brasileira!
Esse boletim é mesmo inesquecível!Acabou! Acabou!Dessa vez não deu nem pro Galvão hahaabraços!
Vim do futuro só pra avisar que 12 anos depois essa mesma Alemanha iria golear o Brasil em casa numa semifinal de Copa do Mundo por 7×1!