Um dos meus grandes projetos de vida a médio-longo prazo é me afundar numa dívida para comprar um apartamento. Talvez isso aconteça até o final do ano. Ou quando eu me casar, daqui algumas décadas. Não importa. Independente do tempo que isso vai levar, uma coisa precisa ficar clara em minha mente: onde vai ser o novo QG do Marmota.
Opções não faltam: vão desde Mogi das Cruzes até Porto Alegre, passando por Florianópolis. Sem divagar muito, decidi começar minha avaliação num velho conhecido: o bairro da Aclimação, zona sul de São Paulo. Reservei a manhã de domingo para caminhar nas ruas que fizeram parte da minha era pós-fraldas, entre novembro de 1980 e fevereiro de 1983 – época em que registrei minhas primeiras memórias.
Desci na estação Vergueiro e subi as velhas escadas para chegar à rua Apeninos, em uma das entradas do Colégio Santo Agostinho. Era a referência enquanto subíamos a Tamandaré: depois do colégio, podíamos respirar aliviados: o metrô estava próximo. Antes de chegar na José Getúlio, nossa antiga rua, fiquei com a impressão de que o tempo parou, e que tudo estava na mesma.
A impressão ficou mais forte quando virei à direita e caminhei por ela. Não tem como não concordar com Will Eisner ou Steven Johnson, ao analisarem a Avenida Dropsie e as ruas de Manchester: as ruas refletem a vizinhança. E aquela estava bem diferente. Cheguei ao número 130, edifício Caetés. Contei até 10 e me vi no parapeito da janela do décimo andar, como há vinte e poucos anos. O pátio era o mesmo dos tempos em que pulávamos após os jogos do Brasil na Copa da Espanha. Vi uma placa “vende-se” e fiquei tentado a chamar o porteiro, por curiosidade. Pensei melhor ao lembrar das reclamações da mamãe: aquele lugar não tem nem área de serviço.
Diante do portão, veio a imagem do mercadinho: ficava à direita, onde agora se lê “água mineral”. Do lado esquerdo, onde uma japonesa mantinha um bazar das antigas, um super-mercado – bem maior que o antigo. No outro lado da rua, a velha padaria Madame, onde tomava uma caçulinha com meu pai e ganhei meu primeiro ioiô da Coca Cola. Na outra esquina, ficava a banca de revistas, onde todo dia eu pisoteava forte e fazia manha exigindo um gibi. Ela ainda existe: deixou a calçada e ganhou status num ponto próprio.
Subi a Rua Urano. Essa eu lembro bem. Aprendi a ler naquele décimo andar, e logo perguntei aos meus pais “o que era urânio”. Sem distinguir, evidentemente, planeta de elemento químico. Era ali a minha primeira escolinha, o jardim da infância: o Colégio Aclimação. Gostava de fazer colagem e dobraduras, pintar figuras, brincar de massinha… Até escrevia um bocado. Só não gostava do recreio: todo mundo brincando de pega-pega e eu detestava correr. E no dia da piscina, então? Era o único que ficava fora, assistindo aos outros serelepes na água.
Há muitos anos o colégio não existe mais. Agora, na mesma esquina, fica o edifício Buckingham, de alto padrão: um apartamento por andar, com três ou quatro dormitórios. Umas duas ou três placas “vende-se”. Como o porteiro estava ali na frente, não resisti a tentação e perguntei: quanto custa um apartamento ali, na minha antiga escolinha.
“Tão pedindo quinhentos mil reais”, respondeu. Dei risada e segui caminhando.
Continuei a minha peregrinação, desta vez por ruas mais tranquilas: rua Júpiter, rua Rodrigo Cláudio, rua Safira… Dava pra ouvir o som dos pássaros entre as muitas árvores daquele pedaço tranquilo da cidade. Prédios tão antigos quanto o Caetés, outros tão bonitos e caros quanto o Buckingham. Finalmente, a Avenida da Aclimação e o parque. Novamente o tempo parou diante dos meus olhos ao ver tanta gente caminhando. Era criança novamente, jogando miolo de pão aos peixes do lago.
Enfim. A última volta ao bairro foi feita de ônibus, subindo a rua Topázio e seus prédios antigos até chegar novamente a rua Vergueiro. Poucos minutos depois, estava na Avenida Paulista – apesar de maltratado com o tempo, a Aclimação permanece perto de tudo. Foi como visitar e abraçar com carinho um velho amigo – mas antes que as reminiscências da infância tomem conta, preciso me perder por outros bairros bacanas da capital.
(Postado em 11/08/2005)
Puxa, que viagem gostosa!!
Já achou um apê do gosto?
Oi querido…
lindo texto. Me fez lembrar da minha infância, mesmo aqui tão longe da Aclimação… lembra de mim? Nos conhecemos no lançamento do livro do Doni. Vc até me deu carona…
Saudades
bjos
“a vida é boa e cheia de possibilidades.” Não seja tão pessimista. Tua personalidade é simpaática e seu rosto amável. Que mania de seca-pimenteira no teu casório.
Acho a idéia da Aclimação excelente. O prédi opode ser velho desde que o apê tenha tido manutençnao ou você tenha a grana para a manutenção. Dosi casais amigos meus compraram apê velho em Ipanema assim, para restaurar. Gosto muito do centro de São Paulo. Fora a Brigadeiro Luiz Antônio até o Shopping Iguatemi e Cidade Jardim.
Estou de visitas, tenh oque voar. Beijos.
A Aclimação tem cheiro de lar… 😉