Penúltimo dia: só lembranças

Assim como no primeiro dia dessa aventura, Marmota e sua família retornam a Cachoeirinha, na Grande Porto Alegre, onde moram seus tios. Desta vez, cruzando a ponte do arroio Pelotas no sentido norte – a volta, sem sombra de dúvidas, é a pior parte de qualquer viagem.

Cachoeirinha, Grande Porto Alegre.
Hoje é 3 de janeiro de 2003

É, Diário. Amanhã eu me despeço oficialmente de você, depois de quase dez dias juntos, convivendo durante mais um final de ano no Rio Grande do Sul. Hoje o Dani foi o motorista em nossa primeira parte da viagem, entre Pelotas e Cachoeirinha. Como das outras vezes, a última escala fica aqui na casa da tia Dair. E o que não pode faltar em nenhuma despedida aqui no Rio Grande? Ora, churrasco!

Antes do sol ir embora, isto é, umas oito e pouco da oite, eu e o tio Nelson já estávamos num supermercado próximo, comprando costela para assar e coração de frango para o tira-gosto! No caminho, ele me contou que boa parte das casas ali da volta estavam à venda ou para alugar, tudo porque as fábricas do distrito industrial da cidade estão, aos poucos, conseguindo melhores resultados com menos custos - o que antigamente precisava de cem pessoas, hoje se faz com vinte, ou menos.

Mas o churrasco desta noite, que teve até bolo de aniversário pro Tiago, filho do Paulo da tia Florência, não foi nada comparado ao jantar de ontem, ainda em Pelotas. Assim que concluí o relato de ontem, fui dar uma caminhada pela Cohab, na mesma rua que, há poucos anos, era movimentada por crianças e jovens. Os poucos que restam nem se animam como antigamente. Como é o caso da Fernanda, irmã da Flávia, vizinha da vó.

Ela parecia saber que eu estava por perto: nas mãos, álbuns de fotografias do tempo em que eu era magro... Ah, na mesma época em que a Flávia e a minha ex-namorada eram solteiros. Num lugar onde o meu relógio trabalha contando anos ao invés de horas, a distância do ponteiro nesse instante, marcando 02/03, para o das fotos, 95/96, é questão de algumas horas.

Aqui cabem outros parêntesis. A primeira vez que vi a minha ex-namorada foi justamente na primeira festa de aniversário da Flávia ali na Cohab. Ela acabara de se mudar quando, em 27 de dezembro de 1990, um paulista de 13 anos com a camisa do Inter esmagou um copo descartável, no aniversário de 11 anos da pequena gremista. Como é que eu ia saber que aquela gente reaproveitava os copos? Desde aquela época, jamais havia faltado ao aniversário dela, sempre lembrando deste episódio cômico.

Pois é, Diário, jamais. Até este final de ano. No dia 27, estava justamente aqui, em Cachoeirinha, comendo peixe frito. E enquanto olhava aquelas antigas fotografias, resolvi que deveria visitá-la naquela noite, ao menos para dar os parabéns. Chamei a Fernandinha (agora Fernandona), que fez questão de me acompanhar.

E lá estava a Flávia, ao lado do maridão Felipe e do filho João Pedro. Tinha mais visitas, mais crianças - aquela casa estava uma verdadeira zona! Antes do jantar, tratamos de colocar o papo em dia. Mas logo depois, desatamos a abrir o baú e recordar velhas histórias, sempre emendando com o "por onde anda" - a Fulana sumiu, a Beltrana também casou e está morando no centro...

Antes de sair, caí na besteira de fazer uma última pergunta.

- Flávia, e aquela sua prima que era apaixonada por mim?

A prima da Flávia era linda, e na temporada 97/98, numa despedida exatamente como a que tivemos hoje, ela me deixou um bilhete romântico. Na época, respondi o que talvez ainda responderia hoje: dei maior valor a minha vida estabelecida em São Paulo, além das dificuldades em se viver numa cidade que não cresce, como é o caso de Pelotas.

- Agora ela está ótima, ao lado da filha recém-nascida! Mas ela se separou do companheiro, e está sozinha...

Aquele "sozinha" entrou na minha cabeça como um zumbido, daqueles que demoram a sair. Mas foi saindo, enquanto caminhava pelas ruas escuras da Cohab. Aliás, mudando radicalmente, passamos a noite de ontem e a manhã de hoje sem água... Saímos da vó meio sujos, mas ao menos tivemos bife à milanesa e batata frita no último almoço em Pelotas.

Enfim, chega por hoje. Já é tarde, e temos que tomar o rumo de São Paulo bem cedo - apesar de que os meus pais e os meus tios estão na beira da churrasqueira até agora, atualizando e repercutindo o noticiário familiar... Família é tudo igual. E amanhã tem mais 1100 quilômetros.

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