Rio de Janeiro (RJ) – “Tudo o que existe em mim de amor foi dado”, diria o poeta Vinícius, cuja obra tem dimensão tão grande quanto seus amores. Os meus devem estar encaixotados nos cantos do quarto. Eu curto uma coisa velha, dessas que ativam nossa memória. Qualquer antigo impresso tem uma força sublime, metafísica, como se quisesse dizer “estarei aqui para sempre”.
Em essência, é uma idiotice. Nada é para sempre: “que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”. Nem mesmo uma casa simples, com estantes de madeira e cheiro de papel ambientada como se o relógio parasse. Igual a um sebo. Mas puxa, tenho paixão por eles. Lembrei de um deles quando botei os pés no metrô, em pleno centro do Rio. Fica na Buarque de Macedo, quase na esquina da Rua do Catete. Sinto como se ali tivesse um tesouro enterrado, que só eu conheço – e se mais alguém souber acaba sendo apenas nosso, único no espaço e no tempo. o Todo o resto é ilusão.
Saltei no Largo do Machado questionando como consegui me desacostumar a seguir por este caminho. Porque sentia saudade. Uma saudade que parece vir de sempre, antes mesmo de conhecê-lo. Saudade antecipada de um lugar como aquele. Se fosse uma mulher, Vinícius chamaria aquele sebo de “minha viúva”, capaz de preencher seus desejos loucamente idealizados. “Se todos fossem iguais a você… Que maravilha viver”!
Entrei, sorri como dissesse “oi”. Os gatos, que costumavam ocupar as prateleiras, não estavam lá. Circulei pausadamente pelos balcões oferecendo títulos promocionais a dez reais. “Mas puxa, parecem rigorosamente os mesmos que vi quando estive aqui há uns três anos”, pensei. Aquele silêncio, comum em qualquer lugar que valoriza a paz da leitura, ficou pesado como aquele verso doído: “todo grande amor só é bem grande se for triste”. Gosto de coisas que se movimentam devagar, mas no fundo nem sei se ficar praticamente igual é uma coisa boa.
Decidi puxar papo com a atendente, ver se a coisa se anima. Perguntei pelo livro “Roteiro Lírico e Sentimental da Cidade do Rio de Janeiro”. É um título que invariavelmente aparece enquanto repito um ritual solitário em oportunidades assim: sair do Santos Dumunt a pé, passar diante daquele Íbis erguido perto de onde era o morro do Castelo, seguir por Cinelândia, teatro, biblioteca, Rio Branco, Largo da Carioca…
– Deve estar ali em cima, junto com outros autores nacionais, né?
– Xi, moço, não tem nenhuma área com livros do Vinícius…
Como assim?!
Enfim, tomei coragem e subi na escadinha estreita que leva aos “livros de poesia” e aos “títulos sobre Rio de Janeiro”. Seriam estes os únicos lugares onde, talvez, encontrasse algo. A atendente, bastante solícita, subiu junto e revirou alguns nichos. Nada feito.
Fui tomado por uma pontinha de decepção sem sentido. Tanto que saí dali sem comprar nada. Nem me despedi da mocinha solícita. “Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável”. Ora, o que eu poderia esperar de um lugar feito para ser exatamente o mesmo?
Pois sim, imaginava que nosso reencontro teria algo de “surpreenda-me” ao invés de “o de sempre”. Teria caído no Canto de Ossanha? “O homem que diz vou não vai, porque quando foi já não quis”.
Dizem que Vinícius se desapegava com a mesma força que o levou a se apaixonar, muitas vezes. Não é assim, tão simples: imagine rever algo fantástico até esses dias e sair com um “é verdade, eu reconheço, eu tantas fiz… Mas agora tanto faz”. Parece improvável explicar até sentir.
Talvez seja melhor prestar mais atenção em outros arredores e dar merecido valor a outros cantos que nos façam se sentir em casa, feita com muito esmero. Ao mesmo tempo, respeitar os efeitos do tempo e parar de gastar energia especulando um impossível “como seria se isto aqui fosse diferente”.
Então eu me dei conta que a frase “nosso tempo já passou” pode ficar mais leve. É assim que “deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces… Sei que devo partir, só me resta dizer adeus. Ah, eu te peço perdão mas te quero lembrar como foi lindo o que morreu”.