Eu nunca sei o que fazer diante dos milhares que compartilham suas dificuldades em semáforos, calçadas e afins. Fazem malabarismo, limpam o pára-brisa, deixam balas e mensagens penduradas no retrovisor… Ou simplesmente oferecem balinhas, chocolates, frutas, bugigangas, enfim. O Tuca me disse uma vez que, diante de tamanha concorrência, ele já não dá mais esmola, mas paga couvert artístico: dependendo da performance, ele encontra algumas moedas.
Minha postura é mais radical. Como eu nunca sei qual o destino desses trocados, prefiro não dar nunca. Quer dizer, quase nunca. Nessa semana, algo inexplicável aconteceu enquanto eu via a vida passar sentado no escadão da Gazeta, na Paulista.
Surgiu repentinamente um homem, devia ter uns cinqüenta, quase sessenta anos. Tinha bigode, usava uma camisa pólo verde e trazia nas mãos uma caixa de Goiabinha – aquela da Bauducco, com poucas calorias. “Oi, me ajuda. Duas por um real”, pediu, com o rosto fechado e a voz para dentro. “Hoje não, meu amigo”, respondi. Não sei quem estou querendo enganar: normalmente é nem hoje, nem nunca.
O semblante daquele senhor se transformou. “Meu Deus do céu, não sei o que fazer. Eu já ofereci isso a cinqüenta pessoas, e ninguém quis comprar. Será que eu vou ter que fazer alguma coisa errada?”. Essa última frase soou como uma ameaça: ele faria uma coisa errada com o primeiro imbecil que recusasse a compra. E seria eu.
Se bem que, no fundo, acreditava que, se o sujeito tivesse um bom coração, dificilmente poderia fazer algum mal. “Ei, amigo, cinqüenta pessoas na Avenida Paulista é um número baixo. E quer saber mais? De repente, o problema não está no seu produto, mas no seu marketing pessoal. Já experimentou um sorriso, uma aparência simpática? Essas coisas fazem uma grande diferença”.
Ele esboçou um sorriso – o que, diante daquela primeira impressão, era um esforço tremendo. Decidi resgatar algumas moedas na bolsa até somar um real. “Aí, tá vendo?”, retrucou o bigode. “Opa! Lembra o que eu disse sobre ser simpático?”, devolvi. Quase desisti das Goiabinhas.
Algumas moedas de cinco, dez e vinte e cinco centavos depois, fizemos a tão esperada troca: um real por duas Goiabinhas. O homem guardou os trocos, parou alguns minutos na minha frente e, sem encontrar palavras, parou por poucos instantes antes de dizer: “você vai ser muito feliz”. Apertou a minha mão e saiu. Perdeu-se no meio da multidão.
Nos últimos dias, procurei o homem da Goiabinha pelos arredores, mas não o encontrei mais. Num relance, tive a impressão de que ele, na verdade, era alguma entidade enviada por alguma força celestial divina, simplesmente para testar a capacidade do meu coração. Devo ter sido aprovado, acho.
Apesar que, ultimamente, ando respondendo as alternativas erradas em outras provas. Se isso foi realmente mais um teste, minha média continua baixa.
Revirando textos antigos…
“Sexta-feira, 30 de Maio de 2003
Morar sozinho: o que você acha?”
Ainda precisa de uns toques, meu?
Abdrézão você me tocou (oops!) no fundo do coração meu broder. Fez uma boa ação em conversar com o bigode, muito maior do que a transação goiabenta. Parabéns!! Bonito mesmo.
Que você vai ser muito feliz eu não tenho dúvidas, André.
Só espero que o tal bigode não tenha dito isso levando em consideração apenas o prazer de “degustar” as goiabinhas… rsrs
Beijo!
Ah! Isso me lembrou uma história parecida que aconteceu comigo.
Estava eu andando pela Sete de Setembro em pleno centro de Curitiba, sábado de manhã, perto do prédio do Cefet/UTFPR, quando um rapaz de uns 20 anos me pár, todo simpático, pedindo que eu comprasse uma cartela de adesivos pra ajudá-lo a pagar um cursinho pré vestibular. Eu não tinha nada na bolsa, nada mesmo e tive que dizer não.
Pôxa, o cara foi tão gente fina, dava um caldo!
Duas semanas depois, encontrei ele de novo, na Rua das Flores. Parei ele e perguntei: “Tu não é o cara que tava vendendo adesivo pra pagar o cursinho?”. “Era não, sou”, ele respondeu.
Comprei duas cartelas!
Você já ouviu falar em um estudo sociológico em que o estudante, candidato a Ph.D., finge que é faxineiro da faculdade e ninguém o reconhece mais? Isso me incomoda tanto quanto “entrada de serviço”. Parece claro que você está fazendo por onde. Pedinte é chato mas alguém tem que amar os pobres sem ser só de teorias marxistas.
Você é ótimo!
Eu também sempre penso isso, se é Jesus disfarçado de gente….rs
Eu confesso que meu barreirômetro social anda quase desativado. Quando eu não dou alguma coisa, acabo me sentindo mal. Resta ficar entre a sublimação do “não dá pra resolver os problemas de todo mundo, eu que já tenho tantos” e a exortação do “o mundo tem que girar e o que a gente dá, retorna”. Entre um momento e outro, vou tentanto chorar menos dentro do carro, que olho não tem limpador de para-brisa…
É um dilema difícil, muito difícil. Dar ou não dar? E se o dinheiro for pro pão? E se for pra cachaça? E se for mentira? E o que estou incentivando com isso? Do que eu quero me livrar?
Ah, Marmota. Há algum tempo eu decidi ouvir o coração. Quando acho que devo dar dinheiro dou, quando sinto que não é pra dar não dou. E eu estudo, estudo, estudo. Pra ver se faço alguma coisa.
Entao… o senhor da goiabinha me fez lembrar do anjo de A felicidade nao se compra, que veio mostrar ao George o quanto ele era especial e como o mundo ficaria sem graca sem ele. E, olha, que bom que veio um desconhecido e enxergou que voce vai ser muito feliz. Ele nao pode ser considerado suspeito, sim? Um beijo bem grande.
Hoje mesmo, ao lado de uma pessoa que vc deve conhecer, eu premiei um rapaz no farol por causa dos dotes artísticos dele. Mágico dos bons, o figura, um escurinho que aparentava ter uns 15 anos, conseguiu me desconcertar ao fazer sumir um pedaço de plástico que ele exibia nas mãos. Duas vezes. Valor do show: R$ 1,00.
Mas é por aí, se quiser arrancar alguma grana de mim, na paz, que seja por um bom motivo. Tem que fazer por merecer, seja lá qual for o classe do indivíduo. Esmola por esmola, continuo contra.
Sou contra esmola e, ainda que com nó no coração, não dou dinheiro pra ninguém nos semáforos. Mas essa sua história me fez lembrar de uma outra sobre um anjo, num dia em que eu passei um apuro e falei em voz alta “vai aparecer um anjo pra me ajudar”. Não deu cinco minutos e apareceu um cara, do nada, dizendo “ei, precisa de ajuda? hoje sou seu anjo!”. Por isso, acho que existem coisas assim, meio sobrenaturais, que aparecem pra gente quando precisamos fortalecer nossas crenças, nos sentirmos especiais, reaprender a olhar o próximo com mais carinho e compreensão. Você passou no teste da goiabinha porque tem valores boníssimos dentro de você. Talvez estivesse na hora de espalhá-los pela Avenida Paulista, ainda que por meio do sorriso alheio que você ensinou a acontecer. 😉
Uma vez uma senhora bem idosa chegou até mim e disse que estava perdida e etc etc, e precisava do dinheiro para o ônibus. Disse que não tinha e ela foi-se embora.
Acabei ficando na dúvida se era verdade ou não. Mas nunca dou dinheiro. Se estiver com fome, que pare numa padaria e dê um pão, um biscoito. Dinheiro não.
Pois é caro Marmota,
Tá muito difícil acreditar em alguém, só tem malandro na praça, mas… de vez em quando aparece um realmente necessitado e o duro é como separer o joio do trigo. Fizeste bem, não sei se faria o mesmo, já virei pedra dura.
Abraços
Pô, foi nessa mesma Paulista, no ponto em frente à nave-mãe, que um cara chegou para pedir esmola e me chamou pelo nome. CA-BU-LO-SO. Isso talvez prove que essas entidades existem. A que apareceu par amima cabou se entregando q