Há algumas semanas, durante o Seminário Internacional de Jornalismo Online, realizado na Cásper Líbero, ouvi uma frase do professor Fernando Firmino, da UEPB, que estuda o uso de tecnologias móveis no jornalismo: “não existe um dispositivo que possamos dizer próprio do jornalismo”. No mesmo instante, fiz um complemento despretensioso no Twitter. “Na verdade, tem: papel e tinta”.
Você já deve imaginar que, em 140 caracteres ou menos, não dá pra explicar o que “papel e tinta” querem dizer. A jornalista Elisangela Roxo, surpresa, refez a pergunta duas vezes: “papel e tinta foram pensados para o jornalismo?! É isso mesmo?! Mas jornalismo não é um conceito preso a plataformas!”. Nem mesmo um bate-papo no intervalo do evento foi suficiente para traduzir o meu ponto de vista…
Mas enfim. Minha observação poderia começar com a própria origem dos primeiros registros históricos, que só se tornaram objeto de estudo a partir da escrita. Se durante séculos a necessidade de propagar informações sempre demandou bons contadores de história, e aqui poderíamos lembrar do teatro grego ou dos trovadores da Idade Média, outras civilizações antigas, como a Roma Antiga ou a China, já usavam a mídia impressa.
Não é objetivo desse texto fazer um minucioso levantamento histórico dos últimos 500 anos. A questão aqui é: de lá para cá, “papel e tinta” representa o único suporte pensado exatamente para fins de distribuição e armazenamento de informação, antes mesmo da máquina de Gutemberg em 1447. As tecnologias que surgiram depois foram apropriadas para a comunicação, dando sentido a idéia de que, realmente, jornalismo independe de plataformas.
A “internet vitoriana”
Em 1998, o jornalista inglês publicou, em um livro, a história de uma rede de informações construída após o homem estudar diversas aplicações para a eletricidade. Em 1828, um experimento do físico Joseph Henry constatou que um eletroímã poderia acionar uma sineta à distância. Mais tarde, em 1838, Samuel Morse testava, com sucesso, o primeiro telégrafo elétrico.
Standage definiu a rede telegráfica como sendo a “internet vitoriana”, sendo muito feliz ao constatar que o impacto social da transmissão de informações revela inúmeras similaridades com a rede do nosso tempo: imediatismo, mensagens codificadas, bate-papo entre namorados, consolidação de uma subcultura, crimes, tentativas governamentais de regulamentação, entre outras situações marcadas por esperanças, medos e desconhecimentos…
Repare que “papel e tinta”, nesse contexto, pode ser substituído por “eletricidade e fios”, tecnologias que não foram pensadas para o jornalismo mas foram apropriadas adequadamente – como bem disse o professor Fernando Firmino. Vou mais longe ao abusar um pouco da palavra “convergência” (e peço desculpas ao lançar mão de um termo que adora querer explicar tudo), usando-a como uma espécie de “cola” para juntar evoluções tecnológicas na indústria da mídia (que começou com papel e tinta), informática, eletrônica e telecomunicações (que começou com o telégrafo).
O “fim” do papel e tinta
Lembrei desse diálogo quando soube esses dias que o Jornal do Brasil, o primeiro a experimentar a web nos anos 90 ao reproduzir seu conteúdo na rede, irá “descontinuar” a versão impressa, apostando tudo no online. Não será o primeiro periódico a fazer isso: em novembro de 2001, A Gazeta Esportiva publicou sua última edição no papel, mantendo seu legado no portal Gazeta Esportiva Net.
Sabemos que, nos dois casos, questões administrativas sobressaem a qualquer debate relacionado ao aproveitamento de novas tecnologias. De qualquer forma, é comum aproveitarmos a aparição de dispositivos “convergentes” para dizer, sem pensar muito, que “estas traquitanas vão sustentar o jornalismo no futuro”.
É um exercício fascinante (e muitas vezes com resultados engraçadíssimos) tentar prever o futuro, por exemplo, do papel e da tinta. Cauteloso, tomo emprestada uma frase do Tiago Doria, pinçada daqui: “muitas respostas para problemas atuais podem estar no passado”. Ou ainda a observação de Standage: podemos esperar as mesmas reações que vimos com o telégrafo (ou do papel e tinta) diante de qualquer invenção que apareça no século XXI, pois são consequências naturais da natureza humana, e não da tecnologia.