Em alguma estrada na Grande São Paulo, um rapaz decidiu ligar para a namorada. Estava preocupado: sua amada andava estranha nas últimas horas, apesar das boas perspectivas que ainda mantinha. O telefonema foi mais tenso do que supunha: teve que parar o carro no acostamento para ouvi-la dizer que o tempo deles havia acabado. “Não percebe que viramos amigos?”. Com o fim da chamada e de sua história com ela, viu no seu corpo um rasgo profundo aberto por um afiado ponto de interrogação. Além de uma única palavra em sua mente: “mas… Mas…”.
Longe dali, em uma universidade particular, um grupo de alunos participava de um encontro informal com o professor orientador. A intenção era sensacional: todos compartilhariam seus dilemas e obstáculos no caminho árduo da pesquisa acadêmica. Longe de resolver problemas, aquela catarse coletiva revelava um tipo de obviedade que adoramos ignorar: estavam todos no mesmo barco. Junto com cada intervenção, o mestre fazia questão de lembrar: a ciência é feita de incertezas, hipóteses e inquietações. Estas são as chaves que abrem as portas para o conhecimento.
Dois andares acima, na sala da coordenação, alguns docentes se debruçavam num documento fresquinho. Tratava-se das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Jornalismo. “Temos até 2015 para modificar nossa grade curricular e adequá-la a estas exigências”. Só isso? “Claro que não. Esta é uma oportunidade para solidificarmos nossa identidade, tendo como base nossos desejos: qual é o perfil que queremos para o nosso egresso?”. Um dos coordenadores tratou de colocar mais uma variável nesta celeuma: “ao mesmo tempo, não podemos ignorar as peculiaridades e as limitações da instituição: não vai ser nada fácil manobrar certas questões”. Ouviu-se um longo suspiro.
Foi quando alguém lembrou a ausência de uma das professoras mais ativas e dedicadas. Sua luta, naquele instante, era o retorno de um câncer – nestas circunstâncias, a doença volta mais agressiva. “Só pode ser algum tipo de força oculta, invisível aos nossos olhos, para atingir alguém como ela desse jeito cruel”. Dividiam uma contraditória mistura de saudade, esperança e descrença. Ouviu-se um novo e mais longo suspiro.
Um psicanalista atendia em seu consultório, no mesmo bairro da universidade. Ouvia atentamente outro de seus pacientes despejando queixumes no divã. “Eu planejei minha vida toda, tinha um cenário prontinho, ouvia de sua boca todas as certezas que me davam segurança… Agora não sei o que fazer, estou sem chão!”. Com tranquilidade e paciência, o doutor tentava abrir os olhos do pobre neurótico: a vida é como uma dança, dinâmica e fluida. Não há como ignorar o imprevisível.
O tempo passa. Duas amigas se reencontram depois de longas semanas. Uma reclamou das contas: qualquer dinheirinho que caísse em sua conta corrente serviria apenas para tapar uma parte do buraco. “Meu bem, até posso te ajudar, mas só você tem o poder de controlar suas despesas, sua mente, enfim”.
A outra desabafou: estava com medo de criar expectativas sobre algumas coisas boas de sua vida e levar mais um tombo. Dizia que a sensação eram de uma caminhada para o lado meio certo – ou ao menos longe do lugar errado. “Sabe, apesar de não termos nenhuma ideia do que você vai encontrar lá adiante, está bom agora, não é? Por que pensa tanto num futuro tão distante?”. Elas sorriram, choraram, se abraçaram.
Noutro canto da cidade, em uma reunião de equipe no escritório da empresa, o líder compartilhava sua angústia. “Já contatamos potenciais clientes de diversas formas, enviamos dezenas de propostas, mas ainda não encontramos o nosso modelo de negócios”. Poderia parecer algum tipo de preocupação ou desculpa, mas o astral na sala era diferente. “Todos aqui sabem qual o nosso DNA, cultivamos nossas paixões… Isso determina o nosso posicionamento, a nossa imagem. Algumas engrenagens parecem lentas, mas é seguro que a máquina está bem montada”, sentenciou com firmeza.
Minutos depois, em uma pausa para o café, alguém perguntou: “ei, o que aconteceu com aquele boeing da Malaysia Airlines?”. Em meio aos comentários mais evidentes (está na ilha de Lost ou em Atlântida), alguém solta esta: “provavelmente ele pousou em alguma novela da Record, onde vão os desaparecidos. E provavelmente nenhum dos celulares deles eram da Tim”.
Alguém lembrou do Ulysses Guimarães, que “provavelmente virou oferenda em Angra”. Quanto mau gosto. Outro mencionou as mães da Praça de Maio, mulheres guerreiras e desesperadas que se reuniam, com lenços brancos na cabeça, diante da Casa Rosada, exigindo notícias sobre os filhos desaparecidos durante a ditadura militar na Argentina. Em todas as histórias, a dor é parecida: nenhuma delas possui um desfecho.
Longos meses se passaram daquele telefonema na estrada. Aquele rapaz, num momento de fraqueza, pesca algumas boas notícias de seu antigo affair nas poucas pistas reveladas no perfil fechado do Facebook. “Vou cumprimentá-la”, decidiu, ingenuamente, talvez para checar se aquele corte aberto ainda doía. Acreditava que demonstrar interesse no outro e felicitar conquistas fosse um sinal de carinho. “Mas não contei nada disso… Como você soube?! Quem te disse???”. Ele pediu calma, queria vê-la desprovida de armas. “Eu não estou armada, estive sempre aqui! Você que ficou com raiva, sumiu do meu radar, saiu falando mal de mim por aí!!!”. Mas… Mas…
Olho para cada um destes pequenos episódios e penso naquilo que considero o meu maior medo: a dúvida. Todo ser humano teme aquilo que não conhece. Alguns lidam melhor com isso… Já eu, ao lado da dúvida, me sinto uma criança perdida no shopping. A essa altura, já aprendi: a única forma de não se perder por aí é se trancar dentro de casa.
Sendo assim, coragem, ânimo, fé: respire, dê sua mão, vamos sair.
Pensando na história do avião que sumiu, acho que dá pra fazer uma analogia de que uma má resposta é o corpo que vc vela, chora e depois segue em frente, a dúvida é que não permite que a vida siga… uma má solução é melhor que solução nenhuma… amei seu texto, só pra variar.
Posso dar um conselho? Célebre as dúvidas. O pior que pode acontecer é fracassar. Então, celebre ainda mais os fracassos. Porque adoro uma frase (que acho que é de Churchill): “sucesso é caminhar de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo”.