Namoro em estado de choque

De uns anos pra cá, passei a questionar veementemente os relacionamentos à distância. Entendo que os laços ficaram mais estreitos graças à rede e os computadores… Mas entre trocar bits e fluidos, ainda prefiro o segundo. Muitas vezes, o preço de um rótulo com os dizeres “comprometidos” nas testas do casal é bem elevado. São comuns histórias envolvendo tropeços na falta de convivência, em algumas mentirinhas ou omissões, e até mesmo incidentes nos deslocamentos – responsáveis pelos poucos momentos efetivamente juntos.

Mas até agora, não tinha ouvido nada parecido com o que um amigo contou recentemente. Ele estava voltando do interior de São Paulo quando um rapaz, completamente exausto, perguntou: “me diga, da Barra Funda até o Tietê… É difícil chegar á pé?”. A resposta veio acompanhada de uma testa franzida e olhar desconfiado: a caminhada, além de grotesca, é desnecessária, graças ao Metrô.

Por mais idiota que a pergunta se pareça, meu amigo logo perceberia que ela não veio à toa. O rapaz esbaforido, engenheiro, conheceu a moça, também engenheira, num desses fóruns web totalmente profissionais. Trocaram e-mails, telefones, endereços e, depois de algumas semanas, carícias e afins: ela, que vive no interior paulista, foi visitá-lo no Rio de Janeiro. Exatos 800 quilômetros. E não há ônibus direto: São Paulo era escala obrigatória.

Seria o segundo passeio de mãos dadas entre os engenheiros enamorados. Desta vez, era ele que percorreria a via-crucis. A menina, certamente com pena do rapaz, combinou um ponto de encontro mais fácil: a rodoviária de uma cidade entre São Paulo e a casa dela. Uma excelente idéia, mas que se revelaria trágica: ao desembarcar, ele simplesmente não a encontrou lá.

Dezenas de ligações para o celular da amada (o único número que dispunha), que caiam insistentemente na caixa postal. Num cybercafé, tratou de buscar o sobrenome dela na lista de assinantes. Foram mais seis ou nove telefonemas, até encontrar a residência dela. Alguém atendeu, ainda mais preocupado: a moça realmente havia sumido do mapa.

Nosso herói apaixonado tratou de viajar para a cidade de sua donzela em perigo. O calor da tarde só aumentava seu nervosismo e preocupação. Horas mais tarde, munido de um papel com o endereço anotado, pegou um táxi até a casa dos futuros sogros. Portões trancados, janelas fechadas. Campainha, palmas… Nada. Um vizinho apareceu, dizendo: “acabaram de sair, e estavam com muita pressa!”.

Todos os sentimentos derivados da frustração, do desânimo e do desespero se misturaram ferozmente. Mas se acalmaram antes do sol se pôr, com um toque em seu celular. Era o número da namorada. Alegria! Ela estaria bem, afinal!

“Alô, pois não? Qual sua graça? Ah, sim, e o que o senhor é da senhorita Barroso? Positivo, senhor. Eu sou o Sargento Mococa, aqui da Equipe da Polícia Rodoviária Federal da 7ª Delegacia de Jaboticabal. Encontramos o seu número entre as chamadas recebidas pela senhorita Barroso nas últimas horas”, anunciou, contando toda a história.

Ela estava a caminho da tal rodoviária, quando um dos pneus de seu carro furou. Subitamente, dois sujeitos apareceram e ajudaram-na com o macaco e o estepe. Porém, com segundas intenções: com o veículo em ordem, os cabras anunciaram um sequestro. Rodaram com ela pelas estradas paulistas, em busca de um caixa eletrônico e todo o dinheiro que pudessem roubar. Largaram-na sem o carro, justamente em Jaboticabal – local que, diga-se, nada tinha a ver com a história.

Enfim, soube que ela estava internada na Santa Casa, em estado de choque. Sem pensar duas vezes, pegou o último ônibus para Jaboticabal para saciar de uma vez por todas sua inquietação. Pensava que todo o castigo já havia acabado… Não é preciso imaginar como ele ficou ao saber que nada daquilo havia adiantado: pouco tempo antes de chegar no hospital, a engenheira da Internet já tinha recebido alta.

Gargalhadas. Chutes no poste. Socos nas paredes. Lágrimas. E mais gargalhadas. Tudo o que ele precisava naquele instante eram poucas horas de sono e um caixa eletrônico para garantir uma volta tranquila. Acredite: seu nervosismo era tamanho que, ao tentar sacar alguns trocados, conseguiu digitar errado sua senha. Três vezes. Perdeu, preibói. Cartão bloqueado.

Com os poucos caraminguás em seu bolso, comprou uma passagem para São Paulo. Tinha o suficiente para chegar ao Rio, mas para isso, teria que ir a pé do Terminal Barra Funda, onde chegaria, até o Tietê, de onde saem os ônibus para a capital fluminense. Comovido com esse relato inacreditável, meu amigo fez questão de pagar um bilhete de Metrô, com sinceros votos de melhor sorte da próxima vez.

Tanto quem contou este causo quanto outros da mesa, que também ouviram, mostraram uma esperada face embasbacada… Só que foram complacentes ao comentar a história. “Tem coisas que dariam um filme… Mas são coisas da vida, acontecem…”. Pois eu tenho absoluta certeza que a culpa é da distância: se os engenheiros morassem na mesma cidade, isso jamais aconteceria.

Tudo bem, haveriam outros problemas, admito. Mas esse não.

André Marmota tem uma incrível habilidade: transforma-se de “homem de todas as vidas” a “uma lembrancinha aí” em poucas semanas. Quer saber mais?

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Comentários em blogs: ainda existem? (8)

  1. Morando na mesma cidade teriam vááários problemas… morando na mesma casa teriam váááários problemas… não há casal sem problemas… não adianta fugir deles… e estou fatalista demais pra falar no assunto… blé…

  2. Buenas André,
    Olha, este texto parece lógico, mas nem sempre as coisas funcionam da maneira mais aparente. Eu, por exemplo, tenho toda a autoridade para falar que namoro a distância é complicado, doído, sofrido, até careta mesmo. Você fica lá na balada, com os amigos, sem se divertir porque está pensando nela, que está a quinhentos km de distância e justamente naquela noite declinou um convite das amigas para saír porque “sem você aqui não tem graça, amor.”.
    Fica falando prá todo mundo de uma pessoa que não é vista, parecendo um cara meio de pino solto com uma amiguinha imaginária, e todos ficam pensando que você está nessas de “namoro virtual” porque não tem competência para pegar ninguém mais perto, e etc.
    Você não dorme direito, passa horas sentado em frente a um computador, conversando via skype com uma voz do outro lado (para mim web cams são … nada úteis :p) … e se sente feliz com isso.
    E … sim, você está certo, trocar fluídos com a pessoa amada é melhor do que trocar bits, imagine o humor de um sugeito no final de um período de mês e meio longe da amada, quando só há dois dias para estar com ela.
    Só que, como já diria o Renatinho, “quem irá dizer que não existe razão no que o coração faz?”

    Por mais que namoro a distância seja mesmo tudo isso, pode funcionar. E quando funciona, é tudo de bom. Minha esposa chegou pela internet, e acredito que todo o nosso esforço para levar a relação enquanto estávamos longe valeu, sem dúvidas, apena. Até hoje as pessoas ficam impressionadas quando explicamos que nos conhecemos e levamos toda a relação de namoro, noivado e afins a distância.
    Não é atoa que os casos de sussesso de relações a distância sejam poucos, já que todo o processo e a evolução desta é, sem dúvidas, desgastante. Mas todos os caminhos traçados pelo amor, se bem cuidados e cultivados, com bom senso e coisas assim, são válidos.
    Quanto ao engenheiro do seu texto, eu não ficaria surpreso se ele tivesse jogado na loteria e não tivesse ganhado naquele dia …
    Grande abraço!
    Marlon

  3. hehehehehehe, isso é o que chamo de azar. Sabe, já tive um relacionamento dessa mesma forma. Conheci pela internet e moravamos em cidades diferentes. Mas, era perto, não dava 100Km. Mas, mesmo assim é muito complicado. Outro desses eu prefiro evitar.

  4. Ah vai, o cara provavelmente contou essa história toda só pra ganhar um passe do metrô! Já ouviu aquela do cara que pede dois reais pra inteirar a gasolina e o carro tá parado lá na frente?

    Pára com isso, namoros à distância existem e funcionam! Hehehe!

  5. Eu morei na estrada durante uns três anos… Enquanto a Má não vinha pra sampa!
    Primeiro era Bus sexta indo pra Poços e segunda direto pro trampo (pra aproveitar mais junto dela), depois de carro quase que a mesma coisa…

    Não dá realmente muito certo! Histórias tão trágicas eu não tive graças a Deus!
    Mas pelo menos foi temporário! Melhor mesmo junto!

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