Estava em total sinergia com o som do Nenhum de Nós enquanto voltava de carro para casa nesta quinta. Aquilo ajudava a minimizar a sensação de estar trabalhando enquanto muita gente descansava, bem longe dali. O feriado paulistano diminuiu a bagunça da Marginal Tietê, parcialmente interditada todas as noites por causa das obras de recapeamento. Já estava bem perto da Trabalhadores (não consigo chamar a rodovia de Ayrton Senna) quando atropelei uma pedra.
Mas não era um desses pedregulhos inofensivos que soltam do asfalto durante a obra. Era um senhor bloco de concreto. Parecia que estava ali de propósito, para alguns desatentos cantantes, como eu, passarem por cima e aprenderem uma boa lição. De fato, parei o carro no acostamento quase ao lado do antigo Paes Mendonça da Penha. Bem a frente de outros três veículos, também parados.
“Nossa, será que todos passaram pela maldita pedra?”, pensei. Uma análise mais aprofundada para reconhecer, entre os veículos, uma viatura policial, com as luzes giroflex desligadas. Havia outra parada, do outro lado da via local. Pelo menos três policiais militares caminhavam pelos canteiros da Marginal, como se estivessem caçando.
Claramente, a pedra era cúmplice de um golpe sujo, e os guardas já estavam providenciando a prisão dos malfeitores. A essa altura, já tinha decidido sair do carro e começar a deliciosa troca de pneus. No mesmo instante, mais um carro, cujo plec-plec da roda denunciava mais uma vítima. Parou alguns metros à frente de mim. As duas pessoas olharam para a minha cara de “sim, foi aquela pedra” e riram.
Um deles estava curioso com a movimentação policial e decidiu especular, deixando o colega com o macaco e a chave de roda. Voltou em cinco minutos, com a expressão séria. “Meu, aqueles ali ó foram tudo roubado, aí os gambé cataram os cara no fragrante”. Ao mesmo tempo que imaginei a angústia daqueles que foram abordados há poucos instantes, agradeci a Deus por mais uma dessas intervenções sabe-se lá de onde fez com que a dupla de amigos e eu tivessem apenas um pneu furado.
Com o estepe mais vazio que cheio, entrei naquele posto ao lado do viaduto de Guarulhos, para calibrá-lo. Contei com a ajuda do simpático frentista, que já nem dá mais bola para esse tipo de ocorrência. “Todo dia é isso aí. Teve uma vez que ficaram uns dez carros parados, e todos foram roubados. E a PM sabe que isso acontece toda noite, mas estão nem aí”, comentou.
Antes de confirmar as 28 libras regulamentares em cada pneu, outro carro encosta ao lado. Pai, mãe e filhos adolescentes no banco de trás. Um homem aparentando seus quarenta e poucos anos desceu assustado. “O senhor também passou por cima da pedra?”, perguntei. Ele disse que sim e, quando eu e o frentista contamos a história, ele virou os olhos para a família. Mistura de preocupação e alívio.
Já era madrugada de sexta quando encostei no primeiro borracheiro aberto, já na avenida São Miguel. Fui atendido por um velho aparentemente banguela e dopado, mas muito solícito. “Foi buraco?”, perguntou o ancião. Ao saber da tentativa de assalto, foi direto. “Se esses bandidos usassem a criatividade deles pra trabalhar… Tinha que ter pena de morte… Os caras iam pensar duas vezes antes de fazer besteira”, balbuciou, entre outras palavras incompreensíveis.
Bela maneira de dizer “feliz aniversário” a uma cidade que não para de surpreender.
“É muito difícil andar por São Paulo. Mesmo quem se desloca pouco pela cidade sente os efeitos do caos no trânsito, além das limitações no sistema de transporte público. Qualquer paulistano concorda com os forasteiros que “não conhecem bem a cidade, apenas onde dá para chegar de Metrô”. O que, convenhamos, também está cada vez mais difícil, especialmente para quem vive na zona leste. Aproveitar as coisas boas que a cidade oferece sem pensar nisso? Só depois das dez da noite, ou em feriados como o desse dia 25″.
Esse foi o meu depoimento à Renata Honorato, que foi uma das responsáveis por esse post do Sampaist, que reflete a diversidade dessa cidade detestável, mas necessária em nossas vidas.
Parabéns, São Paulo, apesar de tudo.
Sobre a precariedade do transporte público, só posso te dizer uma coisa: visite Brasília. Vc vai voltar achando o de SP uma beleza…
Bjs.
Ainda bem que eu não sinto essa necessidade!!!
Abraço
Gosto muito de São Paulo, até de papo de paulistanos eu gostava. Verdade que não vou a São Paulo desde 1985 e que sempre tinha alguém da cidade para me ciceronear. Vivo na Grande Los Angeles; são cidades parecidas, só que nós temos mar. Nosso metrô é incipiente. Ambas têm vida invisível para os turistas que não têm uma conexão local. Passam e não verão nada do interessante.
Lamento o acidente.
Ainda bem que vc nao vive nas areas de conflito de Israel, onde as pedras nao jogadas no chão, e sim na cabeça de motoristas e passates. Só mais um adendo para vc se sentir aliviado!
Cara, não consigo me ver morando em São Paulo. Tenho que ir a capital uma vez ou outra por conta do serviço, mas para mim são ocasiões traumáticas, hehe. Sou do interior e para mim o lugar é uma loucura.
Graças a Deus nunca precisei parar para trocar pneu nesta cidade perigosa e esburacada. Digamos que eu tenho sorte…
Super obrigada pela “citação”, André!
E o seminário, hein…
Graças a Deus, moro no interior..não troco essa traquilidade por nada