Faça sempre tudo o que precisa fazer

Há exatos dois anos, tive o privilégio de olhar nos olhos de alguém que mudou minha vida. Daquele instante até hoje, um vírus alojado em alguma área obscura do cérebro indica que preciso fazê-la feliz. E não importa a forma como isso aconteça.

Muitos meses antes do dia 18 de julho de 2003, esse tal vírus se desenvolveu de maneira parecida, mas com resultado fatal. Fez com que meu lado racional, normalmente o dominante, concebesse uma idéia a princípio brilhante: uma declaração de amor durante um baile de formatura. Para garantir o sucesso dessa empreitada, cerquei todas as possibilidades: melhor roupa, presentes no bolso, amigos como testemunha.

Naquela noite, a menina dos meus sonhos me apresentou ao Abílio, sujeito que se tornaria seu marido. E o mundo caiu sob a minha cabeça, concluindo o trabalho destrutivo da maldita virose.

A formatura do Abílio tinha se transformado em piada fraca em 18 de julho de 2003, e continuou sendo fichinha se comparada ao desenrolar da minha história nesses últimos dois anos. A pessoa que havia mudado minha vida naquela tarde, mesmo sempre presente, se tornou mais distante. Também estava prestes a se formar em direito – e a data da festa ganhou significado magnífico, graças aos percalços que precisou superar para garantir seu diploma.

Pois bem, o destino deixou cair em meu colo a grande chance de resolver três problemas de uma única vez. Participar de uma nova festa e exorcizar o terrível baile do Abílio. Continuar a missão de fazê-la feliz sem pensar em receber qualquer pagamento. Por fim, demonstrar que somos capazes de fazer aquilo que temos vontade, e não o mais fácil.

E realmente não era tarefa simples. O grande baile estava marcado para o dia 15 de janeiro de 2005, um sábado. Num salão a cerca de 1500 quilômetros da capital paulista. Durante a semana anterior, trabalho intenso dia e noite. E na sexta-feira, véspera do grande dia, uma triste notícia: o falecimento do pai de um grande amigo.

Pareciam sinais fortes para que eu não cometesse qualquer sandice e permanecesse em casa naquele final de semana. Mas querem saber? Bananas pros sinais. Tomei o vôo 8721 da Varig, pouco depois das nove da manhã daquele sábado, seguido de um ônibus para um quartel general estratégico. Convidei uma prima para acompanhar o que viria a ser um momento histórico: desaparecer em São Paulo para surgir repentinamente em um baile.

O sol já se escondia no horizonte enquanto me aproximava do local da festa. Curiosamente, o efeito devastador dos tempos de Abílio calejaram meus pensamentos: as expectativas que poluíram minha mente da primeira vez simplesmente não existiam. Estava livre. Sorrido. Preparado apenas para surpreendê-la com um abraço de parabéns, e nada mais.

O plano estava preparado e ensaiado: indicaria para a minha prima quem era a moça simpática que motivara meu deslocamento. Calmamente, ela se apresentaria e lhe entregaria uma carta, preparada cuidadosamente com antecedência, contendo palavras enigmáticas e um pedido simples: vire-se. E voilá: teríamos eu, em sua frente. Genial, não?

Mas encontrá-la em meio a centenas de convidados virou tarefa complicada. Minha prima, seu namorado e eu rodamos o salão de ponta a ponta após a colação de grau, em vão. Foi quando lembrei do filme “O Casamento do meu Melhor Amigo”, onde o protagonista avisa a mocinha que está por perto usando o celular.

Tremenda tolice. Que formanda levaria o celular para um baile? Mesmo se estivesse com ele, que razão a levaria atender o bicho? Idéia de jerico, que botaria uma pá de cal em tudo que motivou a corrida e as horas mal dormidas.

Mas ela atendeu! Disse que foi ao acaso, já que estava trocando a beca pelo vestido de festa no banheiro quando ouviu o aparelho tocar. E agradeceu os cumprimentos sorrindo – antes de avisar que estava bem ali, a alguns metros de distância. Seu tom de voz mudou. Passou a engasgar com as palavras: conseguia apenas pronunciar “seu louco”, misturado com “ele está aqui”.

Finalmente consigo avistá-la. Aproximo devagar, com os braços levantados. Ela fechou os olhos e abaixou a cabeça, incrédula. E me abraçou durante eternos e inesquecíveis cento e poucos segundos.

Tudo que aconteceu na sequência acabou de uma vez por todas com a trágica festa do Abílio. Era como se tivesse poderes mágicos: transformei recordações horrendas em felicidade suficiente para inebriar a mim e a ela.

Missão cumprida. O dia mais feliz da vida dela ganhou cores novas. O dia mais triste da minha vida foi substituído por outro. Voltei para casa na segunda-feira, dia 17, com a certeza de que podemos tomar decisões baseadas em nossa vontade de ser feliz em detrimento ao comodismo do “está bom assim”. Tudo pode ser melhor, sempre.

***

Histórias como essa acontecem sempre na vida de qualquer um, e sempre que ouvimos alguém contar uma aventura bacana, inevitavelmente enxergamos-na como um filme. Pessoalmente, imagino como seria ótimo se um dia pudéssemos registrar histórias passadas em vídeo.

Bom, ao menos desta vez, para minha alegria, consegui!

Como Fazer Um Filme De Formatura Direito é o nome compridinho mas bonitinho dessa aventura, sugerido pelo Lello. Botei todas as palavras do título em destaque num caça-palavras, provocando um efeito visual diferente: é possível ler coisas como “formatura de direito”, “filme de formatura”, “como fazer direito”… Oréver.

A versão integral do vídeo conta a incrível história acima em 50 minutos, em DVD que possui apenas uma cópia, com destinatário específico. A todos vocês, temos a versão joinha, com um resumo de quase cinco minutos e compactação acelerada.

Comentários em blogs: ainda existem? (19)

  1. Meu, o que foi isso que eu acabei de ver? André, que filminho ótimo! E How Soon Is Now você pegou pesado, hein? Golpe baixo!
    Sério, muito bom mesmo. Admiro atitudes assim. Pessoas life hunters, hedonistas e sem medo de fazer certas coisas. Parabéns, André. Seu gesto foi mesmo lindo.
    Ah…e pega mal falar que uma lágrima escorreu quando entraram os acordes de Every Breath You Take? Pois é…e nem é TPM… 😉
    Um beijo.

  2. Existem pessoas que tem o dom de fazer os outros felizes independentemente de viagens surpresas.
    O que fizeste foi indescritível, inenarrável e muito, muito, muito louco e lindo.
    Que guria afortunada esta, hein? Beijos!

    Ps.: o efeito do vídeo é incrivelmente propagado no tempo. Aquela aguinha do olho ainda insiste em sair.

  3. Sou testemunha e alvo das loucuras do André. Trata-se, simplesmente, de uma pessoa que nos faz crer no bom futuro da humanidade.
    Além disso, isso tudo foi moleza, perto de perder a carta de motorista, unicamente por amizade. Hehehe!

  4. O q dizer, né Dé? História sensacional, como sempre! Aliás, a escolha de How Soon is Now? tocou fundo, detonou comigo e foi muito fácil me deixar desabar agora…bom, nossa vida é feita desses momentos!
    e nem preciso dizer, valeu muito pela força…
    um beijão!

  5. Cara, que show. Mandou muito bem. Juro que chegou a juntar aguinha no canto do olho.

    Devias fazer mais coisas assim. Ficou muito bacana.

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