E continua o mistério de…POOOOOORTO DO DESESPEEEEEERO!!!

(Nos episódios anteriores, Roberto e Zeca acertam um novo serviço enquanto Mariana queima carne podre em uma casa velha. Seu ex-noivo Daniel recebe um inesperado telefonema, e antes de embarcar para o Canadá, é obrigado a executar um serviço para seu pai. Mas ao chegar, tem uma surpresa infeliz. Perto dali, dois paquistaneses explodem um restaurante e vão parar em outro plano. Como se isso tudo não bastasse, o Ministro da Economia do Canadá foi misteriosamente assassinado – notícia que pega Mariana e Roberto de surpresa.)

Capítulo VIXI, ops, X: O Flashback

– Mas que merda, Mari. Você sabe que horas são? Não, não, mais do que isso. Você é capaz de me dizer um único lugar pra gente ir? Estamos andando sem direção há horas! – dizia Roberto, caindo de sono ao volante.

Na verdade, ele sabia exatamente para onde estavam indo. Precisava resolver o imbróglio dos paquistaneses antes que sobrasse para ele. Ele queria mesmo era tirar Mariana do transe. De olhos abertos e expressão inerte, estava sentada no banco do passageiro, mas era como se não estivesse. “Deve estar pensando na morte do ministro”, imaginou Roberto.

Mariana estava realmente bem longe da estrada, e nem fazia idéia de que horas eram. Aliás, naquele instante, seu relógio estava alguns meses atrasado.

Era mais uma manhã agradável de outono em Barcelona quando o vôo 6824 da Ibéria trouxe o casal Mariana e Daniel. A felicidade dos dois era latente, diante da primeira grande viagem do casal desde o início do namoro. A linda e doce Mariana não continha seu deslumbramento, sempre agarrada ao seu grande amor.

– Olha, querido! Está tudo escrito em catalão!!! Nossa, isso aqui é um sonho!!!

Daniel tinha certeza de que seria a semana mais feliz de sua vida. Continuação de um verdadeiro golpe de sorte: a idéia do casamento já o entusiasmava quando Camacho, um amigo de infância, reapareceu no Orkut. Contou que deixara o Brasil há 10 anos e se estabelecera na Europa. Fez questão de pagar duas passagens para o velho amigo e sua futura esposa conhecerem sua nova morada. Era tudo que ele precisava para selar definitivamente seu futuro com Mariana.

Os amigos se encontraram e se abraçaram longamente ainda no saguão do aeroporto. No caminho até sua residência no Bairro Gótico, Camacho contou que, quando chegou à cidade, conseguiu emprego de vendedor em uma simpática livraria. Com o tempo, virou sócio do negócio, até o dono resolver aproveitar a vida, passando o estabelecimento totalmente para as mãos dele. Morava num amplo e confortável apartamento bem acima da livraria, na Calle Boqueria, perto da Rambla.

– Amigos, como dissemos aqui, mi casa es su casa. Bienvenidos!

Apesar do cansaço da viagem, o casal não perdeu muito tempo e, ao lado de Camacho, foram caminhar pelos arredores. Mariana era, nitidamente, a mais feliz: toda movimentação da Rambla, lojas de flores, bancas, quiosques, e muita, muita gente. De todas as raças, cores e classes sociais.

– Puxa vida, é praticamente impossível identificar um típico cidadão da cidade… São muito diferentes – impressionou-se Mariana.
– Sim, minha querida. A Espanha é um dos países com maior número de imigrantes, todos entusiasmados com o crescimento econômico, e a Catalunha é o destino preferido deles. Só aqui, dez por cento dos habitantes vieram de outros países – respondeu o também imigrante Camacho.
– Dez por cento? Mas é muita gente! – surpreendeu-se Daniel.
– Sim, e existem regiões onde o número é ainda maior. Temos um bairro chamado Raval, aqui perto do velho porto, onde praticamente a metade dos moradores vieram de fora. Especialmente marroquinos, argelinos, paquistaneses…

Já na plaza Catalunya, Mariana parou subitamente e viu, ao longe, um sujeito alto e bonito. Todo vestido de preto, óculos escuros e um penteado ondulado que lembrava as curvas de Gaudi. O rapaz também parou de caminhar ao notar Mariana. Tirou os óculos lentamente e sorriu. Mariana desconsiderou o vai-e-vem de pessoas e, diante daquele estranho homem de preto, o relógio dela parou como há muito não acontecia.

– Acorda, Má. Vamos comer. Tá tudo bem com você? – cutucou Daniel.
– Hã? Ah, sim. Desculpa, querido, ainda estou encantada com tudo…

Sentaram perto dali, numa mesinha do Café Zurich. Daniel e Camacho colocavam as fofocas em dia, enquanto Mariana continuava dispersa. Pediu licença para ir ao banheiro. Mal levantou e foi abordada por um garçom, que lhe entregou um bilhete.

“Hoje, dez da noite, no porto. Não falte” era a mensagem.

Mariana ficou o resto da tarde sem conseguir disfarçar a ansiedade. Sequer prestou atenção na caminhada pelas ruas largas do Eixample: ficou maquinando uma desculpa para deixar o noivo e seu amigo naquela noite e matar sua curiosidade.

Não foi difícil. Aliás, foi mais fácil do que imaginava. Daniel e Camacho tinham muito assunto para conversar, e foi o que fizeram antes, durante e depois do jantar, no apartamento.

– Dani, querido, acho que vou tomar um ar. Minha cabeça está girando…
– Má, o que você tem? Você passou o tempo todo longe, parece que não está gostando…
– Ai, deixe de bobagens, Dani. É a viagem da minha vida. Eu só quero espairecer um pouquinho…
– Não acha melhor se deitar? Tivemos um dia cheio, nem descansamos direito
– Não, não. Uma caminhada vai me fazer bem. Eu não demoro.
– Fique tranquilo, Daniel. É seguro caminhar por aqui – interrompeu Camacho. – Tome, Mariana, leve uma cópia da chave.

Ela agradeceu e deixou o pequeno prédio da Calle Boqueria. Usava um discreto vestidinho vermelho. Pouca maquiagem, para não despertar qualquer suspeita. Caminhou depressa, com passadas firmes. Em pouco mais de dez minutos, já estava no porto de Barcelona.

Ficou maravilhada com a visão do mar Mediterrâneo. Continuou sentindo a leve brisa da noite, caminhando pelo largo deck de madeira, espécie de ponte que avança mar adentro decorada com esculturas onduladas de metal. E lá estava ele, sentado em um dos bancos do deck. Também usava vermelho.

Mari respirou fundo, ignorou a pulsação acelerada e se aproximou lentamente. O homem levantou-se, sorriu e, sem dizer uma única palavra, tomou Mari em seus braços, abraçou com força e lhe beijou. Mari tremia e transpirava, mas não oferecia nenhuma resistência. Ele beijava seu pescoço, acariciava sua nuca. Mari também o beijava cada vez mais, enquanto ele a segurava pelos quadris. Ela desabotoava a camisa vermelha, tocava seus lábios em seu peito, arranhava suas costas…

Foram longos e ardentes minutos até que, saciados, finalmente se apresentaram.

– Oi, muito prazer, Mariana Ambrosio – disse, depois de um longo suspiro, ainda sentada no colo do cidadão.
– O prazer é todo meu. Pode me chamar apenas de Roberto.

Mariana não o chamou de Roberto. Não naquele momento. Preferiu agarrá-lo e beijá-lo de novo antes de deixá-lo ali. Não sabia exatamente se aquilo era uma simples curtição noturna ou o início de uma longa paixão. Na verdade, nem sabia mais se gostaria de ser a mesma Mariana de sempre. Decidiu não pensar no assunto e voltar para o apartamento. Roberto o tranquilizou:

– Mariana, acredite: com certeza vamos nos ver de novo.

Camacho e Daniel passaram praticamente a noite inteira lembrando histórias passadas. Nem se deram conta do adiantado da hora quando Mariana chegou.

– E o Julhão, Dani? Ainda metido em jogatina, aqueles esquemas todos?
– Nossa, cada vez mais, Camacho. Cada vez mais… Mas é a vida dele, não tenho direito de me meter.
– Ah, Dani… Depois que meu pai morreu por um motivo tão besta, tão…
– Verdade, eu estava na oitava série, mas lembro da história.
– Então. Decidi que aquilo não era para mim. E agora estou aqui!
– Fez bem você. Pena que ainda não tenho como largar meu pai. Ainda mais agora, estamos pensando seriamente em casar, morar juntos, construir nossa casa… Eu tento juntar uma grana, mas…
– Falando em casamento, ouça: ela chegou.
– Má! Tudo bem? Nossa, como você demorou!!!
– Oi meu amor… Oi, Camacho… Você tinha razão, devia ir para a cama. Essa cidade mexeu demais com os meus sentidos.

A semana de Mariana passou como um raio. Passearam pelos arredores da Sagrada Família, visitaram o bairro de Montjuic a partir da Plaza de España e as instalações dos Jogos Olímpicos de 1992, caminharam pela novíssima Barceloneta, entraram no mítico estádio Camp Nou…

Mariana esboçava sorrisos, fazia algumas perguntas, abraçava Daniel… Mas no fundo estava perturbada. Não deixava de pensar em Roberto. Seguiu a mesma rotina do primeiro dia: saía para dar uma volta à noite, sempre em direção ao porto. Passava longos minutos caminhando. Sentava e observava o movimento, sempre sozinha. Ne ela mesmo sabia o que estava fazendo ali, ou o que passava exatamente por sua cabeça. Foi assim até a penúltima noite na cidade, e a promessa feita por Roberto na primeira noite estava prestes a ruir.

O último passeio proposto por Camacho foi o Parc Guell. Parecia ter sido de propósito: foi o dia mais ensolarado e agradável. Eram muitos os visitantes contemplando jardins, esculturas, mosaicos e a visão privilegiada de todos os pontos de Barcelona.

Lá do alto, Mariana reconheceu alguém parecido com a razão do seu desespero. Olhou de novo: era Roberto mesmo. Tinha entrado na lojinha de souvenirs, perto da entrada. Ela pediu licença a Daniel e Camacho: usou novamente a desculpa do banheiro. Desceu as escadarias do parque com muita pressa e, longe do campo de visão dos dois, entrou na lojinha.

– Dani, não quero me meter na sua vida, mas acho sua noiva um pouco… Esquisita. Ela não olha nos nossos olhos quando conversa, e isso não é bom. Tem certeza que vai se casar com ela?
– Tenho sim, Camacho. É a mulher da minha vida. Ela está mesmo um pouco diferente aqui, mas é a primeira vez que viajamos assim, acho que isso tudo foi demais para ela. Com o tempo, tudo vai ficar bem.

Perto dali, Mariana e Roberto se abraçaram e beijaram apaixonadamente. Mas ela não demorou a interromper e cobrar a promessa.

– Seu, seu… Seu louco! Você não disse que a gente ia se ver? Como você acha que eu fiquei aqui aqui, esperando notícias suas?
– Mariana, escuta, tive uma semana um pouco cheia. Não posso falar disso com você.
– Como não pode? O que você quer me esconder?
– Bom, você viu o noticiário?
– Noticiário? Você acha que eu tenho tempo pra essas coisas? Passei a semana toda pensando em você, naquela noite no porto… Tudo isso na frente do meu noivo!!!
– Tudo bem, tudo bem, me escuta. Não posso falar sobre essa semana. Tudo que eu posso dizer é que não posso mais ficar aqui.
– Aqui, no parque?
– Não, não. Na cidade. Vou ter que sair daqui.
– Então você vai… Para o Brasil?
– Não, não. Pro Brasil eu também não posso ir. Tenho amigos em Montreal, no Canadá. Provavelmente eu me encontre com eles e, quem sabe…
– Isso! Isso, Roberto! Eu… Eu… Eu posso dizer pro meu pai que conheço você, seus amigos… Digo pra eles que vou fazer um intercâmbio, que eu preciso aprender inglês… Como é o nome dos seus amigos?
– Bom, tem a Maira, o Zeca… Mas espera, você tem certeza que quer mesmo fazer isso?
– Escute aqui, Roberto, aquela noite no porto foi a coisa mais especial que já me aconteceu na vida. E nós dois estávamos de vermelho! Não é possível. Eu preciso saber o que o destino reservou pra gente. Me espere, Roberto, eu vou te procurar em Montreal.

Mais um beijo antes de finalmente se despedirem, sem imaginar quando seria o próximo encontro.

Coincidência ou não, naquela mesma semana, a polícia de Barcelona terminou a prisão de onze paquistaneses, que planejavam a destruição de edifícios históricos na cidade. Todos pertenciam a uma organização terrorista, e segundo indícios preliminares, dois deles tinham contato direto com a Al Qaeda: Mohammad Afzaal e Shahzad Ali Gujar – esse último condenado por envio ilegal de dinheiro ao Paquistão, quantia que superariam os 800 mil euros.

Roberto continuava dirigindo, sonolento. Os primeiros sinais do amanhecer fizeram com que Mariana finalmente se manifestasse.

– Roberto, você nunca me contou por que você teve que fugir de Barcelona…
– Ah, Mari, vai te catar. Isso não faz a menor diferença. Temos outras coisas pra pensar agora.
– É, você tem razão. Nem sei porque diabos lembrei disso. Continue dirigindo, vai. – murmurou, antes de tirar um cigarro da bolsa.

Porto do Desespero é uma idéia muito bacana da Ana Lucia: um romance policial coletivo que, como diria Dona Milú, é um grande mistéééério. Teria, em princípio, 20 capítulos, mas ao contrário de Bang Bang, Porto do Desespero está virando cult, e dificilmente a brincadeira vai acabar tão cedo.

Em pouco mais de uma semana, a história prosseguiu graças a Leila, Serbon, Vanessa, Alex Castro, Biajoni, Nélson Moraes, Marcos VP, Olivia… Até esbarrar em mim. E agora? Que emoções reservam os próximos capítulos?

- Marmota, vou ser franco. Esse capítulo ficou uma bosta. Você fica enrolando, falando da cidade, dos caras que era amigos... Mas eu quero saber da Mariana!!! Era pra ser simples, mas misterioso. Ficou simplório e confuso.
- Bom, eu também não gostei. Mas não tinha como melhorar muito. Além de ter ficado no plantão durante o feriado e cultivar um mau humor incômodo, não tenho a menor noção de como deve funcionar um roteiro, o que são turning points, entre outros conceitos fundamentais que ajudam a estruturar qualquer história...
- E outra: a tal da Mariana é que comanda o batatal... E vem agora você dizer que ela era boazinha? Você a enfraqueceu completamente com essa porra de flashback! Ah, francamente!!! Faça-me o favor!!!
- Ei, seu mala, pense comigo: o que será que motivou Mariana a se transformar no que ela é hoje? Foi só amor pelo Roberto? Esse é um mistério tão interessante quanto o seu provável envolvimento na morte do tal ministro. Tudo que eu queria é deixar claro que nem sempre ela foi assim.
- Bah. Ainda bem que tem gente demais pensando nesse "port du desespoir". Da próxima vez, tente ser mais atraente.
- Vou tentar, prometo. Mas enfim, agora quem tem que se virar é a Roberta!

Comentários em blogs: ainda existem? (9)

  1. Marmota querido, adorei, ficou muitooooo bom. Todo mundo tava querendo mais detalhes sobre esses dois, e principalmente sobre a tal Mariana que de ingênua nao tinha nada 🙂 Brigadao e valeu a espera ! Beijocas.

  2. Marmota! Uma gafe no penultimo post:

    “Procurei algum artigo que pudesse me fazer pensar sobre os benefícios da tristeza. Encontrei esse texto do Rubem Alves, publicado na Folha de S. Paulo em outubro do mês passado. Dele retirei uma frase que certamente vou usar outras vezes: “a alma se alimenta de coisas que não existem”. Como você está aí empanturrado de chocolate e bacalhau, não deixe de ler o artigo todo.”

    Outubro do mes passado ?! rs

    Abs!

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