Correm os anos, surge o amanhã radioso de luz…

Tinha três meses de gestação quando o destino decidiu que eu seria torcedor do Internacional. Nessa época, meus pais seguiam nômades pelo interior de São Paulo, graças a expansão do sistema de telefonia no estado – que dependia da mão de obra qualificada do meu pai e outros técnicos em telecomunicações. Comemorariam um ano de matrimônio no dia 24 de dezembro de 1976. Longe do sul do Brasil, mas na expectativa do nascimento de seu primeiro filho.

Mas os primeiros fogos de artifício foram lançados já no dia 12 de dezembro daquele ano. Naquela tarde, o Colorado recebeu o Corinthians, no Beira-Rio, em jogo único. O time de Rubens Minelli sufocou o alvinegro paulista durante praticamente todo o jogo, e foi recompensado aos 29 do primeiro tempo, quando Dadá fez o primeiro de cabeça, após cobrança de falta de Valdomiro. O mesmo Valdomiro, também de bola parada, fez o gol do título, aos 12 do segundo tempo. Um lance polêmico: José Roberto Wright titubeou antes de validar o placar, o que provocou a revolta dos corintianos. Já era tarde: o Inter de Figueroa, Falcão e cia. era bicampeão brasileiro.

Meu pai devia ser o único colorado naquelas bandas. Pior: devia ser o único que desconhecia o fanatismo da torcida corintiana. Natural para quem passou mais de vinte anos entre a zona rural e uma pequena, mas próspera, cidade do interior gaúcho. Naquela noite, sua paixão pelas coisas de sua terra falou mais alto: pegou minha mãe grávida e uma bandeira do Inter, e saiu com sua Brasília branca buzinando pelas ruas aos gritos de “é campeão”.

Guarde todos os seus julgamentos de valor para você. Saiba apenas que, boa parte deles, já foram ditos em casa nesses últimos anos. Partimos para o desfecho: ao passar por um barzinho vagabundo, os corintianos não perdoaram: atiraram garrafas, copos, pedras, cadeiras… Meu pai teve alguns ferimentos leves, e por alguma obra divina, minha mãe escapou ilesa. Um mínimo detalhe poderia simplesmente representar a ausência destas linhas aqui.

Traduzindo: por pouco, os corintianos não tiram a minha vida. E por essa razão, já sabia desde criança pra qual time jamais iria torcer na vida. Ao mesmo tempo, mesmo à distância, fui alimentando minha admiração pelo Colorado. Sentimento que, pelo menos nessa reta final de Brasileirão, congrega palmeirenses, são-paulinos… Enfim, todos aqueles que também querem ver a desgraça do Corinthians – nunca esse time teve tanta torcida.

E independente da posição em que terminar o Campeonato, eu só tenho a agradecer. Fazia tempo que não sorria tanto graças ao meu time do coração. Obrigado, Inter!

***

Quanto ao jogo deste domingo, todo o país viu o placar: Márcio Resende de Freitas 1 x 0 Internacional. Expulsar o Tinga e não marcar um pênalti claríssimo são atos típicos desse cidadão, que repetiu a dose no mesmo estádio após a final do Brasileirão em 95. Muitos podem dizer que não vai ser esse lance que vai tirar o título do Inter. Uns vão lembrar de atuações pífias, como a derrota para o Paraná em Cascavel (ou seja, em casa). Outros vão contar os quatro pontos a mais que o Corinthians embolsou graças ao Edílson Pereira de Carvalho. Mas que fomos roubados descaradamente, isso fomos. Enfim, ainda restam duas rodadas, e não tá morto quem peleia.

***

Enquanto isso, nos sábados de super-rodada da Bundesliga, torcidas diversas compartilham o mesmo espaço, especialmente nas estações de trem e nos vagões dos comboios regionais. Todos devidamente paramentados – camisas, chapéus, cachecóis e muita cerveja. Muitas vezes em grupos. E todos convivem pacificamente – cantam e fazem brincadeiras, claro, mas sem esquecer o respeito. Infelizmente meu conformismo é tão grande que, diante daquilo, fiquei muito surpreso (por algo que devia ser normal). E lamentei, pois nem eu nem as próximas três ou nove gerações verão algo assim no meu país.

Comentários em blogs: ainda existem? (7)

  1. Aqui em Toronto, assisti ao vivo, na tevê, ao meu time ser ROUBADO por esse cidadão. Não bastasse tudo o que aconteceu nesse campeonato, o jogo entre os dois melhores ficou manchado por esse “erro”.

    Mas uma coisa é certa: só roubando para tirar o título do Inter, porque no campo, somos os melhores.

    abraço

  2. Isso NUNCA será visto no seu país. Tá, vá lá, só quando o São Paulo for campeão de tudo todos os anos, e não tiver mais nenhum outro time. Quem sabe em 2006? 🙂

  3. Isso mesmo, São Paulo no coração, ódio do Curíntcha, e berrando adoidado pelo Inter.

    Sete porcento – ou onze, quem se importa? – de chances de ganhar o campeonato? Mas ainda é chance, né não?

  4. O Brasileirão 2005 está manchado há tempos. Até alguns corintianos ficaram com vergonha do que aconteceu ontem…

    É o título mais “meia boca” da história do futebol brasileiro. Parabéns, Corinthians.

  5. Pôxa. Eu sou Corinthiano, André, e você sabe que não sou “nazista” em minha opinião sobre futebol.

    Disse isto só para não parecer que serei falso e hipócrita no parágrafo a seguir:

    -Eu achei um absurdo o juiz não dar pênalti naquele lance. Pior, fiquei mal ao pensar que eu não poderei comemorar o título deste ano de forma totalmente isenta: sempre que gritar “campeão” vão rebater com um “ediiiiillllssonnn”.

    Mas a minha opinião sincera é: a culpa de tudo o que aconteceu este ano (e em anos passados) não é da torcida, dos jogadores ou da imprensa – tá bom, a TV tem sua parcela de culpa. A culpa MAIOR por esta palhaçada é de uma classe : CARTOLAS. Eles que criam e destroem, mandam e desmandas e eles queme escolher e preparam os juízes que aí estão.

    Mas enfim, já falei demais.

    Só para completar: Com ou sem apito, acho que este ano seria do corinthians mesmo…

    Abraços!

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