Nem vou perder muito tempo explicando que essa não é uma daquelas semanas maravilhosas, em que tudo dá certo: já me dei conta que, há tempos, deixei de contar com esse privilégio. Com essa completa falta de tempo, atualizar o blog como gostaria também virou um desafio. São raras as vezes em que posso sentar e pensar em algo diferente pra este espaço. Quando surge a idéia, transformo-a em palavras usando tempo recorde, quase sempre de cabeça, com poucas consultas e algumas piadas fracas.
Foi assim com o registro da Guerra dos Farrapos, no último dia 20. A proposta era, resumidamente, relacionar a data que serve como verdadeiro “dia da independência” para os gaúchos com seu estereótipo oito ou oitenta. Sem querer, o texto provocou o seguinte comentário do Afonso:
Caro Marmota,
Embora louvável a referência, mesmo que com certo tom jocoso (senão debochado), à Revolução Farroupilha, devo informar-lhe que existem diversas imprecisões no seu texto, e incorreções até. Sugeriria, antes de relatar e propagar fatos históricos, a leitura de bons livros, pois até a letra do hino publicada está errada. Por certo não vou corrigí-lo aqui, mas quem sabe para o próximo 20 de setembro possa publicar um post com informações corretas.
Como falta de tempo não pode servir de explicação para a presença de asneiras no texto, respondi prontamente com um agradecimento e um pedido de desculpas, pedindo se possível todas as correções que julgasse necessárias. Logo depois, em uma longa visita, identifiquei um verdadeiro especialista na Revolução Farroupilha. Tive a sensação de que, apesar da minha ligação com o Rio Grande, não levo esse e outros assuntos da minha vida tão a sério, o que talvez tenha me deixado plural e distante demais da querência…
Mas enfim. Tive o prazer de receber duas mensagens do paizão da Clarissa (clara referência a personagem mais marcante de Érico Veríssimo, sábia escolha), retificando o texto de terça-feira. Segue uma “colagem” de ambos:
Caro André,
Confesso que a leitura do post, num primeiro momento, deixou-me um tanto quanto "desgostoso". Não tanto pelas imprecisões, mas um pouco pelo "tom" (convenhamos que fazer observações sobre o apelido de alguém é assumir um tom jocoso). Não tenho por hábito ser agressivo nos comentários, até porque, isso não leva a nada. Sei bem, no entanto, que extrapolei. Não sei se chegaste a ler os últimos posts que fiz, mas procurei colocar alguns aspectos diferenciados sobre a Revolução Farroupilha, até mesmo para desmistificar essa questão do "separatismo" que, pasme, nunca foi idéia do Bento Gonçalves e de boa parte dos revolucionários.
Quanto a questão da letra do hino, não se trata de três modificações, mas, sim, de três letras distintas, muito embora as duas últimas tenham tomado por base a primeira letra composta pelo meu tataravô. As informações sobre datas estão corretas, apenas que, na versão oficial, a segunda estrofe ("Entre nós revive Atenas...) foi suprimida e não consta mais do hino.
Bem sei que um post não é lugar para longos tratados históricos mas, por exemplo, Bento Gonçalves não marchou rumo a Porto Alegre em 20 de setembro. Quem o fez (e podes conferir no post de hoje, 20/09, que fiz) foram Gomes Jardim e Onofre Pires. Bento entrou em Porto Alegre somente no dia 21. Teria sido mais correto dizer que "os revolucionários marcharam rumo a Porto Alegre".
Outro ponto: Piratini foi apenas uma das várias capitais da República. Caçapava, São Gabriel (por pouco tempo) e, principalmente, Alegrete foram as demais. Por sinal, esse é um erro cometido por alguns historiadores que constumam chamar a República Rio-grandense (nome oficial) de República do Piratini.
As condições do tratado que levou a paz ao Rio Grande do Sul não foram propostas pelo Duque de Caxias. Ao contrário. O Império não tinha nenhum interesse, em função da situação política do prata, em perder o RS. Assim, Caxias tinha instruções precisas de acatar tudo o que lhe fosse pedido. Temos os registros da correspondência entre Bento Gonçalves e Caxias, onde Bento, este sim, coloca todas as condições para a paz, que prontamente foram aceitas por Caxias.
Demais, a expressão "a formação do povo gaúcho se fez diante dessa "briga" não corresponde a realidade. O gaúcho, à epoca da RF, já era um povo com todas as características que lhe atribuem, inclusive a bem citada bipolarização.
Por fim, a citação das questões platinas. Uma das razões de se dizer que o gaúcho é o único brasileiro por opção, é justamente por ter tido a possibilidade de união com o Uruguai ou Argentina. Ambos queriam o RS como parceiro. Oribe, Rivera e Rosas estiveram envolvidos, direta ou indiretamente, nas questões farroupilhas.
Que razões tinha o Império para manter o Rio Grande do Sul? Aparentemente nenhuma, a não ser o fato de já ter perdido a Província Cisplatina e de que, bem ou mal, as fronteiras do RS materiam afastados os argentinos e
uruguaios.
Houve um tempo, sim, em que o Rio Grande do Sul foi espanhol e as influências dessa formação as temos até hoje, o que não nos faz menos brasileiros.
Claro que foram poucas as explicações, até por inconveniente que seria ficar dando "aulas" por aqui. No más, como se diz por aqui, não leve a sério a Zero Hora. Simplesmente não presta.
Especialista não sei se sou, mas como minha família está umbilicalmente ligada à história do RS (não apenas por esse que citei, mas por todos os demais - um dia ainda conto essas histórias), acabo estudando um pouco mais do que seria de se esperar. E, sem querer, posso acabar exagerando. Talvez esteja fora de moda, nesse país de severinos, jefersons, secretárias que querem virar deputadas e de lindas mulheres de corruptores, sentir orgulho da nossa história.
Feito o registro, reitero meus agradecimentos e a minha postura diante deste e qualquer outra forma de contato que se faz aqui: valorizar quem o faz e fortalecer essa incrível rede de pessoas costurada pelos blogs. Porque a última coisa que pretendo juntar aqui são verdades absolutas ou trocas de farpas em defesa disso ou daquilo. Até porque, como bem lembrou o Afonso, já tem gente demais perdendo tempo com isso por aí.
E na minha próxima viagem periódica na casa dos parentes, vou convidar o Afonso e a família pra jantar no CTG 35, ali do lado do Bourbon!
Caríssimo, heheheh não precisava tudo isso. De qualquer forma, está aceito convite. Assim a Clarisa terá sua estréia diante de uma picanha bem mal passada. abs
Como você disse, não existe verdade absoluta pra fatos históricos. Eu admiro o povo gaúcho, que se dá ao trabalho de preservar esse tipo de memória. No norte do Paraná, pelo menos (os curitibanos são mais parecidos com os gaúchos nesses assuntos – mesmo porque ninguém parece saber que no norte se fala com sotaque de São Paulo – Paraná é só Curitiba pra muita gente), a única coisa que a gente sabe sobre nossa história é que fomos colonizados por paulistas, mineiros e japoneses, pela Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná…
Se esse churrasco no CTG 35 for na segunda metade de dezembro desse ano, poderias me incluir na lista de convivas?
abraco.
Cara… Louros a ti!!! Pelo post, pela postura e pelo espaço aberto ao Afonso…
Clarissa é um nome lindo mesmo… luminoso! 🙂
O que te faz um grande jornalista é a grande pessoa que és. Teria sido muito prático enlatar o e-mail da crítica. Você é astuto, sagaz, democrático e, como sempre muito, muito politicamente correto. Ponto prá ti.
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Vamos ver se você se habilita a participar do show junto do tiozinho das boleadeiras, quando fores ao 35. Se precisar de companhia (não muito pra carne), você sabe.
Beijos
Êêêê Marmotão! Sempre elegante e educado com as pessoas que entram em contato por aqui. Foi assim que ganhaste este visitante diário que vos fala! 😉 Abração!
Sem querer polemizar… acho que as pequenas imprecisões (algumas por diferença de versão e outras por mera opinião) não comprometem o entendimento do episódio e nem muito menos o mérito do post que foi levar essa bela história do nosso povo para as novas gerações.
Mas enfim, pelo menos com a discussão o Marmota arranjou assunto para mais um post.