Como é duro trabalhar na selva

“Cara, você não está bem. E dá pra ver pelo seu blog”, disse hoje um amigo, preocupado com o relaxo deste espaço. “Não tem como enganar: para cada texto simplório inédito, você republica quatro! E o que era aquela piadinha cretina e sem graça de ontem? Ainda que fosse nova, mas era mais um dos seus calhaus!”, argumentou com veemência, entrando para o cada vez mais popular TCCM (Todos Contra o Calhau do Marmota). Ele tem razão: como todo blog, ele reflete exatamente o pensamento e o estado de espírito de seu autor. No meu caso, tanto o primeiro quanto o segundo exibem o rótulo “exausto”.

Tudo porque, graças a alguns motivos particulares (entre eles o carro na oficina por tempo indeterminado), eu me obriguei a uma experiência sócio-biológica, que já completou dez dias: depois de algumas dezenas de meses, optei por trabalhar cedo. Ao contrário do que eu imaginava, meu “célebro” seguiu o coro das “minhas junta”, reclamando sistematicamente e exigindo o retorno imediato das manhãs em ritmo lento e tardes e noites no auge criativo. Qualquer hora dessas eu desperto – se bem que, antes disso, vai ser preciso dormir muito.

Digo que foi uma reação orgânica inesperada porque já cumpri essa rotina diversas vezes na vida. A pior das fases foi durante os primeiros anos da Escola Técnica Federal, onde a primeira aula começava as sete – foram três anos acordando as 4h30, somados a outros longos períodos cruzando as léguas que separam minha casa da civilização no fim da madrugada. Desta vez, passo manhãs e tardes tentando me reanimar à base de água no rosto e doses de café. Claro que, à noite, não sobra muita coisa.

O próprio Tuca, quando nos vimos após a estréia do Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado na última quinta, estranhou ao me ver indo embora de fininho, sem sugerir qualquer encontrinho rápido ao fim da noite. “Quem diria, hein? Difícil imaginar aquele cara animado, que conversa por horas noite adentro, pudesse ficar nesse estado”. Será a idade?

“Não reclama, seu moleque… Você é um guri novo, na flor da juventude. E tem mais, todo mundo trabalha nesse horário”, bradou a minha mãe, enquanto engolia o café dias atrás. Pois aí é que mora o grande problema: é todo mundo ao mesmo tempo. Com raras exceções, o pobre coitado que não tem por onde escapar do trânsito atravessa densos oceanos de veículos cuja maré é determinada por motociclistas engraçadinhos, motoristas estressados ou caminhoneiros despreparados.

Já quem opta pelo transporte coletivo encontra grandes amontoados em ônibus, metrô e trens pretensamente expressos – como suportar a agonia entre o Brás e a Luz? São corredores, catracas, escadas rolantes e plataformas (que mais parecem bretes para contenção de gado) tomadas por uma quantidade interminável de povo mal-educado – desde o boboca que ignora o aviso de “assento preferencial” até o apressado-empurrador-de-gente-indefesa, passando pelo estressadinho que não perde a chance de usar a frase “não reclama e pega um táxi”.

Eu até admito que eu estou ficando ranzinza cedo demais. Posso até comparar esse estado semi-letárgico com aquela sensação pós-estréia na academia de ginástica: seu corpo acostuma depois de algumas semanas, mas na primeira oportunidade, dizemos “basta”. Mas não há como negar que o sistema de transportes está no limite, sempre na beira do caos. E por mais que seja totalmente necessário, ou que o dia-a-dia nos faça dizer “ah, não tem outro jeito”, isso não é vida.

É como se milhares de pessoas fossem processadas diariamente em uma centrífuga, sendo despejadas em pontos diversos da cidade como se estivéssemos na selva. São todos heróis, mas que amanhã podem ganhar um epitáfio do gênero “sempre levando a vida, até que um dia a levaram”. Credo, nem é bom pensar nessas coisas. Vou parar de falar bobagem e pegar mais um café.

Comentários em blogs: ainda existem? (11)

  1. Eh meu caro…
    Final de semestre, acumulos no trabalho, vontade de viajar, sol, calor, frio, chuva…

    Viajar, ou dar umazinha?

    Sei la, indifere…o importante eh relaxar, esquecer os problemas(tentar), e tocar o barco.

    Neh nao!?

    Abracos!

  2. Pô Marmota, do Brás até a Luz é uma maravilha, fica bem mais vazio. Experimenta na volta, depois de passar pelo Brás, pra ver como fica gostoso. Ontem eu não consegui nem atender o celular, pq meu braço não alcançou o bolso a tempo.

    Como disse, isso não é vida…
    Abraço!

  3. Bom, novamente .. Well come to our club, my dear friend!!
    O metrô tá uma porcaria em sampa, desde a implantação do bilhete único para o metrô um sistema já debilitado chegou ao limite máximo possível … as paradas estão durando muitas vezes mais de cinco minutos em pleno horário de pico e o nervosismo impera nos trêns. Hoje, morando na zona norte, a situação é ligeiramente mais tranquila mas morei por muitos anos na zona leste e imagino o que você tá passando, marmota … Mas comemore, você ainda tem seu carro. Se eu por exemplo fosse comprar um eu teria ou de batê-lo constantemente no poste ou pagar um motorista particular que deveria ficar full time a minha disposição, o que significaria uma boa dispesa mensal além de combustível e manutensão … Aparentemente terei de ficar com o metrô mesmo, e por um bom tempo, até me tornar um ricaço se eu me tornar um algum dia … então tente lembrar disso quando estiver sendo moido dentro do trêm: você ainda está melhor que muita gente por aí.

    Grande abraço!
    Marlon

  4. Marmota, eu adoro seu blog.
    leio e releio. pode ficar cansado e descando…dessa leitora não sairá uma palavra de cobrança…rsss
    bom dia, bom transito e bom trabalho!

  5. É por essas e outras que moro quase em frente à faculdade 😛
    Deve ser complicado ter que acordar cedo e enfrentar trânsito “de verdade” todo dia (em Pelotas, temos só um simulacro de trânsito).
    As republicações estão interessantes, mas não é a mesma coisa que um post novo, criativo e original. Espero que te adaptes em seguida ao novo ritmo diário 🙂

  6. Cara:

    Nem gosto de me lembrar dos meus dias de ônibus e metrô. Ando cansada também mas sem remédio: perdi meu CD do antigo Universo Anárquico. Sem desmerecer a senhora sua mãe, há pessoas que funcionam de dia e outras de noite.

    Quando tive que acordar cedão para ser professora primária, quase morri. Depois me acostumei.

    Vai pro RS, onde a comida é farta, os bus tranqs e as mulheres bonitas.

  7. Eu acho que tem a ver com o signo. Eu ando zicadíssima: bati o carro e perdi o celular, só para te dar uma idéia. Deve ser alguma conjunção de planetas contra os taurinos.

  8. hehe, trabalho ha 10 anos no mesmo local e sempre me utilizei de transporte publico para esse deslocamento. Cidade pequena é diferente. Pego dois ônibus para ir e levo um total de 50 minutos nesse percurso. Embora não possa comparar com o que você passa, também não estou mais tendo paciência com as pessoas que se utilizam de transporte público. também já me questionei se não seria a idade.

  9. Depois de 8 anos trabalhando no mesmo lugar e mesmo continuando a bater cartão, eu chego atrasada todo santo dia. Me recuso a sair de casa junto com todo mundo e a ficar horas no trânsito. Saio mais tarde e chego mais tarde, mas mais descansada e menos mal-humorada. A empresa ainda não percebeu que eu seria mais feliz e mais produtiva se pudesse entrar ainda mais tarde e sair mais tarde. Às vezes o povo vai embora e eu fico, já de noite, com o andar inteiro só para mim. E trabalho mais, muito mais do que as 9 horas do mesmo dia em que já trabalhei. Se eu fosse mão-de-obra automatizada, apertando parafuso o dia todo, até entenderia. Mas impor horário comercial a um trabalho intelectual é burrice na minha opinião. Isso só me desgasta e me impede de ser melhor na minha função.

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