Breve história de um navegador que acabou

(Importante: boa parte do relato a seguir é um daqueles que caiu em meus ouvidos certa vez, graças a um bom contador de histórias que certamente a ouviu de outro cidadão, que por sua vez era apenas mais um elo deste interminável telefone sem fio. Qualquer semelhança entre as próximas linhas e a realidade corre o sério risco de ser mera coincidência).

Era uma vez um jovem muito sabido, nascido numa pacata cidade do estado norte-americano de Iowa. Sua inteligência o levou para a Universidade de Illinois, onde após alguns verões brincando no Centro Nacional de Aplicações de Supercomputação (em inglês, NCSA), apaixonou-se por uma novidade fabulosa. Tratava-se de um novo padrão de código, criado em 1989 por Tim Berners-Lee, utilizado para formatar e relacionar documentos dentro do ambiente de Internet.

O jovem rapaz mergulhou a fundo naquele tal HTML. E ao lado de um colega de turma, desenharam e programaram um software capaz de interpretar os arquivos codificados por esse novo formato. Isso foi em dezembro de 1992. Levou uns quatro meses para que a dupla apresentasse a primeira versão daquilo que hoje conhecemos como “navegador”: o NCSA Mosaic 1.0. Era muito divertido abrir um arquivo texto escrito em HTML e vê-lo repleto de marcações em negrito, itálico, além de pequenas ilustrações e estranhos trechos azuis, os tais hiperlinks.

Nosso herói tinha em mãos um produto muito bacana, por isso decidiu conversar com quem realmente interessava. Mudou-se para a Califórnia e foi atrás de Bill Gates, que naquele ano estava prestes a se tornar pela primeira vez o número um na lista da Forbes. Bateu na porta do escritório, foi convidado para entrar e foi logo apresentando seu novíssimo produto.

– Cara, é sensacional! Você carrega uma página aqui, ela aparece na tela do browser, você clica por aqui e continua navegando pela Internet! Não é espetacular?

Gates meditou por alguns segundos, até responder ao colega.

– Puxa, eu juro pra você que estou sem entender. Não vi nada de espetacular nessa janelinha. E esse papo de Internet? Meu, que viagem. Ninguém vai querer usar um computador pessoal para se conectar à uma rede como essa: lenta e sem nenhuma atração. Internet não faz parte do nosso plano de negócios. Nossos clientes querem é aplicativos rápidos em seus computadores pessoais. Mais do que isso: eles precisam ser bonitos, coloridos, janelas em tons degradê… Chapa, agradeço demais a sua visita, mas não estou interessado.

“Tudo bem”, pensou. “Vou convidar uns amigos de Illinois, fundar uma empresa e distribuir meu navegador por conta própria”.

Seu nome era Marc Andreessen. E não demorou para encontrar alguém interessado em abrir uma nova firma: Jim Clark, fundador da Silicon Graphics, acreditava que o tal “navegador” tinha potencial. Criou, em 1994, a Mosaic Communications Corporation – empresa que, naquele mesmo ano, mudou seu nome para Netscape.

Foi um tiro certeiro. Durante os anos seguintes, a nova empresa abriu seu capital na nova bolsa de valores eletrônica, a Nasdaq, e cresceu rapidamente – não demorou para o rapaz sabido virar capa da Time. Para o azar de Bill Gates, Netscape passou a ser sinônimo de Internet – eu mesmo só parei de usar lá pelos idos de 1998, na versão Communicator 4.0 (que tinha um sensacional editor HTML).

Nessa altura do campeonato, o homem mais rico do mundo já havia percebido o tamanho da lambança. Mas tratou de correr: em 1995, quando a Microsoft lançou sua novíssima versão do Windows, já existia um browser vagabundo, baseado no velho código do Mosaic, adquirido diante da Spyglass – empresa detentora do “espólio” da NCSA.

Era a primeira versão do horrendo Internet Explorer, que só confrontou o Netscape em pé de igualdade na famosa “guerra dos browsers” justamente em 1998, quando lançou sua versão 5.0. embutida no Windows 98 – que, diga-se, rendeu um belo processo antitrust. No mesmo ano, a empresa de Marc Andreessen foi vendida para outra gigante, a America Online. Nascia ainda a fundação Mozilla, que passou a desenvolver um novo browser, baseado no código do Netscape – hoje, o já popular Firefox. Nos últimos anos, praticamente ninguém mais usava o bom e velho navegador de logomarca verde em forma de timão.

O último capítulo desta incrível história veio na última semana de 2007: a AOL anunciou o fim do desenvolvimento do Netscape Navigator, além dos serviços de suporte, no próximo dia 1º de fevereiro. Quem tem a última versão instalado – a 9.0, lançada em dezembro de 2007 – percebe inúmeras semelhanças ao Firefox, o que explica o futuro redirecioamento do site para a página do Mozilla.

Considerado o pai do navegador ao lado de Eric Bina, Marc Andreessen continua sua vida numa boa. Bill Gates também, ainda bastante rico. Ambos aprenderam porém que, nesse mundo, não é possível prever absolutamente nada.

Para saber mais – Além do post no MeioBit, repleto de comentários nostálgicos, e do Rodrigo Ghedin (aliás, valeu pela correção do texto nos comentários!), encontrei um texto bem bacana do Marcus – em galego, que é bem parecido com o português. Ali encontrei a versão em quadrinhos para a morte do navegador, pinçada do the Joy of Tech.

Comentários em blogs: ainda existem? (9)

  1. Texto legal! Só precisa de uma correção: o Internet Explorer passou a ser distribuído junto com o Windows a partir da versão 95 OSR2, e não na 98.

    Sobre a teimosia de Gates, parece que a experiência amarga com o Netscape não lhe ensinou a lição. Passados alguns anos, dois jovens universitários criaram um site de busca na garagem, e em seguida conquistaram o mercado de buscas, e passaram a lançar uma leva de serviços onlie bem bolados. Apenas quando a Google estava consolidada a Microsoft respondeu, com a horrível e confusa divisão “Live”. A implantação dela foi tão ruim, que até hoje muita gente não sabe a diferença entre as divisões MSN e Live…

    Ok, ok, paro por aqui.

    []’s!

  2. Tio André, quando o senhor puder, encontre a história do teuto-brasileiro considerado pai de tudo que é tocador de música com fone de ouvido.
    Li que ele chegou a oferecer o produto ao presidente de uma multinacional japonesa (essa, que o presidente tem até autobriografia publicada… Morita, é isso?)e o homem perguntou se ele pretendia andar com um alto-falante nos ombros…
    Seria uma história e tanto para ser contada.

  3. Tudo bem que para mim o Netscape estava morto há tempos. Mas confesso que os inúmeros posts falando da decisão recente da AOL me trouxeram lembranças e muita nostalgia. Me vi com bons anos a menos, na sala de computação da fea usp, descobrindo o mundo através do Netscape 3, deslumbrado. Bateu saudade.

  4. Sou outro com nostalgia do Netscape. Foi das raras vezes em que a Microsoft tremeu nas bases, e também das raras vezes em que a Microsoft conseguiu reagir de uma maneira mais incisiva.
    Talvez o grande erro na carreira do Netscape foi a compra pela AOL. Muita gente não queria a Microsoft, mas sabia que as práticas da AOL não eram assim tão melhores (vide o fracasso dela fora dos EUA). Entre o ruim e o pior, a decisão não é tão complicada assim, ainda que quem saia perdendo de qualquer maneira é quem opta por um dos dois.

    Ainda assim, como já li de outras pessoas, está para surgir logotipo e animação de carregamento de página mais bonita que a do Netscape. Aquelas estrelas cadentes, a sombrinha e os outros detalhes eram simplesmente lindos. Mais ainda, davam uma ligeira distração em tempos de net discada e carregamentos lentos…
    Não estaria na hora de a Fundação Mozilla adquirir os direitos de uso de um nome moribundo? Talvez a AOL venda a preço de banana…

  5. E eu, que não entendo nada dessas coisas de internet, gostei muito de ler sobre a vida e a obra do Netscape. Mas a melhor parte é a do inventor do programinha, que realmente deu a volta por cima (foi um temporário “chupa, Bill Gates!”… hehehe). Adorei! E vê interage no MSN quando a gente puxa papo, viu?

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