Vez ou outra eu questiono minha vocação profissional. Típico daquele momento curioso de transição comum a todos os meus amigos com mais ou menos trinta anos: não tão velhos para dispensarem trejeitos adolescentes, nem tão novos para lidarem com responsabilidades profissionais. Ao final do dia, eu me pergunto se nasci mesmo para ser jornalista.
A dúvida aumentou essa semana, logo quando vi o Adilson dizer que “jornalista é um bicho pedante por definição”. Pouco antes, conversei com um estudante ao telefone, ávido por algumas dicas ou uma luzinha qualquer. Falei com ele uma meia hora, e logo depois, chegou um e-mail. “Oi, tudo bom? Acabamos de nos falar ao telefone, aliás, muito obrigado por toda sua atenção. Nunca tinha sido recebido de forma tão simpática e agradável. Gostaria muito de poder manter contato e, se Deus quiser, poder trabalhar ao seu lado um dia”. Definitivamente, se o Adilson estiver certo, preciso mudar de área.
Tantas dúvidas me fizeram lembrar quando foi que eu tive a maldita idéia de estudar jornalismo. Não lembro exatamente da idade, mas tenho em minha memória dois fatos marcantes que contribuíram decisivamente para a minha decisão. Em uma manhã inteira da oitava série, em 1991, minha professora de geografia, a Marlene, irmã da diretora, decidiu fazer um teste vocacional – que, por sinal, foi retirado de um antigo Guia do Estudante, que era meu. Depois que eu fiz o meu, ela olhou nos meus olhos e disse: “se for mesmo fazer jornalismo, faça Cásper Líbero”. A professora Marlene tinha uma personalidade forte, enérgica. Eu jamais tive coragem de desobedecê-la.
O segundo fato marcante tem data registrada. Dezoito de julho de 1992. Era a minha segunda viagem a Pelotas naquele mês: a primeira tinha sido no dia três, quando meu avô faleceu. Mas bem antes da má notícia eu já tinha planejado duas semanas de geada pela manhã e pão com torresmo com meus primos. Era um período em que o trajeto entre São Paulo e o sul do país exercia um fascínio muito grande em mim, a ponto de registrar datas, horários, quilometragens, gastos, etc… Tudo em uma caderneta de capa azul, comprada em 1990 e sistematicamente modificada em seus mais de dez anos ininterruptos de uso.
Enfim. Munido da minha caderneta azul e sentado na janelinha, fazia minhas anotações absolutamente irrelevantes naquele velho ônibus da Penha, vindo do Rio de Janeiro e com Rio Grande como destino final. Ao meu lado, uma moça curiosa, que só interrompeu sua leitura para abordar aquele estranho moleque de quinze anos depois de Registro, depois dos trinta minutos de parada obrigatória no Petropen.
“O que você está anotando?”, perguntou. Logo fiz questão de mostrar a ela todas as páginas da minha caderneta azul, rabiscadas pela minha lapiseira. “Nossa, mas isso é muito metódico…”, estranhou a moça. Logo ela me perguntou o que eu fazia naquele ônibus sozinho, o que eu fazia da vida e o que eu pretendia fazer com ela (a vida, lógico) no futuro. Parecia adivinhar a resposta, graças ao meu kit lapiseira-caderneta. E sorriu, dizendo: “É mesmo? Pois saiba que eu sou jornalista!”. Puxa vida.
Ignorei as anotações e fiquei ouvindo a moça falar sobre a vida dela, afinal de contas, era o meu primeiro contato imediato com alguém da profissão dos meus sonhos. Disse que trabalhava na Gazeta Mercantil, que gostava daquilo que fazia, apesar de não ter hora para entrar, nem para sair, nem feriado, enfim. Disse que era importante ler muito, conversar muito com as pessoas, gostar muito do que se faz, afinal as decepções existem…
Mas disse que era um trabalho acima de tudo gratificante, o que me deixou ainda mais entusiasmado. Intercalava com uma ou outra história, como a de uma festa que ela tinha ido recentemente. Contou que desembarcaria em Curitiba para se encontrar com um amigo – ou seja, minha primeira conversa oficial com uma jornalista, além de algumas cochiladas noturnas, durou apenas as três horas que separam Registro da capital paranaense.
Consegui lembrar desses e de outros detalhes, além do sorriso da moça, seus cabelos castanhos ondulados… Mas aos quinze anos, eu realmente não sabia usar o conjunto elementar de escrita: no meio de tantas informações absolutamente desnecessárias em minha caderneta azul, a que eu mais desejava, o nome da moça, não estava lá. É uma pena: adoraria reencontrá-la qualquer hora dessas e dizer, com o dedo em riste: obrigado, moça, a culpa também é sua.
(Postado em 18/08/2006)
Pois é, André… eu ainda não cheguei nos 30 (falta um pouquinho), mas também me questiono. E agora, lendo o seu texto, lembrei do porquê quis ser jornalista. Eu ouvia jogos nos rádios e anotava todas as informações do São Paulo – escalação, substituições, cartões amarelos e vermelhos. E sonhava em trabalhar na Gazeta Esportiva… Muitas coisas são mesmo melhores em sonhos, não é mesmo?
Cara, nem fala. Acho que isso está passando pela cabeça de boa parte dos jornalistas que conheço. Eu tenho feito a mesma pergunta quase todos os dias. Na escola sempre fui péssimo em português, e manjava bem de física e matemática. Maldito jornalzinho escolar que me pegou! Também estou prestes a completar 30 anos e a dúvida bate. Será que dá tempo de recomeçar?
Ah, você teve sorte, meu caro… eu escolhi Ciência da Computação no completo escuro. Ironicamente, foi a única palestra na Mostra de Profissões na qual eu não consegui entrar.
No mais, a vida guarda surpresas, e às vezes é melhor que os sonhos, não?
Sou Publicitário, e as vezes me pergunto a mesma coisa… será que estou na profissão certa? acho que deveria ter prestado concurso público rsrsrs…
Abraços
Quando criança me fascinavam os jornalistas pois li muitas revistas ilustradas. Quis fazer engenharia minha mãe vetou. Quis fazer “relações internacionais” nem pensar –Que diacho de profissão é essa? Vai fazer arquitetura! — E fui mas nunca exerci a profissão depois de formada. Fui estudar e dar aula de inglês. Talvez a realização do meu sonho jornalístico de ralações internacionais tenha sido realidade com os alunos bilingues em seu jornal, que criei para eles aprenderem a usar os computadores e desenvolver parcerias dos de alto QI e dos de baixa produtividade, o Dual Express. Era 1993-94, eu era “bamba em tecnologia.
Hoje só sei teclar, e mal.
Você para mim tem a cancha do bom jornalista sem o mau-caráter que associo a tantos, indfelizmente. Sem treinamento seu texto seria insípido e desorganizado.
E existe alguém que esteja plenamente satisfeito com a escolha profissional? Parece que sempre fica aquela dúvida, aquele “e se eu fosse…?” solto no ar.
Ainda estou longe de saber se fiz a escolha certa, mas já começo a pensar que errei feio ao optar por cursar Direito o.0
Eu me lembro de ter escolhido no segundo colegial, em 2001, depois de uma professora elogiar uma redação. Como eu sempre gostei de escrever e de levantar estatística, fui procurar alguma coisa que pudesse aproveitar as duas coisas. E não me arrependi em um só momento até hoje.
Penso quase que todo dia que “a essência do jornalismo está em se foder”. Devo ser a única pessoa do mundo que se sente mais feliz quando fica até as dez da noite de um domingo na redação, ou que perde um Ano Novo com a família para cobrir a São Silvestre. O que não tem remédio, remediado está – dizem.
É claro que estar perdo de quem a gente gosta é muito bom. Mas tem horas em que a sensação do dever cumprido é incomparável, não?
Ahhhhhhh, meu caro e eterno jornalista, é tão bom saber que ainda o bichinho te morde a ponto de querer espantá-lo…Talvez essa seja a essência de alguém que deixa de ser um jornalista comum porque, na verdade, tu és mesmo um ESCRITOR…agora o bicho vai pegar!
Pobre moça…. risos…
Às vezes acho que eu iria gostar de ser jornalista… outras vezes acho que não, que seria demais pra minha cabeça.