Avenida Paulista é o símbolo de São Paulo. Mas quem se importa?

Nas últimas semanas, a TV Globo de São Paulo vem promovendo um concurso: para marcar os 460 anos da capital, ela quer saber “qual é o símbolo de São Paulo”. Para isso, oferece aos espectadores uma enquete com dez opções, todas apontando algum marco turístico da cidade. A votação permanecerá aberta até o dia 22, e no sábado 25, dia da festinha, o mais votado será divulgado aos paulistanos.

Como tudo indica que a ideia foi sugerida em uma reunião de pauta rotineira (portanto apressada), ninguém deve ter questionado sua originalidade. Ou, caso a pergunta tenha aparecido, algum editor pode ter dito: “Tanto faz quantas vezes já fizeram essa eleição, agora é a nossa vez e é só isso que importa. A gente aproveita e pede pros populares mandarem fotos nos lugares e seguimos pagando de moderninhos conectados”.

Imagino que, nesse cenário hipotético, a emissora não se lembre que já fez essa escolha “a sério”.

Entre 8 de abril e 22 de maio de 1990, a Rede Globo e o Banco Itaú promoveram a campanha “Eleja São Paulo”, num modelo parecido com a votação deste mês. Uma forte divulgação nos intervalos comerciais apresentava 20 cartões postais paulistanos: Avenida Paulista, Parque do Ibirapuera, Museu do Ipiranga, Catedral da Sé, Memorial da América Latina, Viaduto do Chá, Obelisco, Estação da Luz, Monumento da Independência, Estádio do Pacaembu, Teatro Municipal, Instituto Butantã, Masp, Monumento às Bandeiras, Mercado das Flores, Pátio do Colégio, Edifício do Banespa, Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Mosteiro de São Bento e Palácio dos Bandeirantes.

A votação popular foi feita por cédulas de papel nas agências do Itaú – ah vá, não tinha Internet?! Com 332,4 mil votos (22,9% do total de 1,454 milhões), a Avenida Paulista foi o símbolo vencedor. O impacto midiático da propaganda foi grande o suficiente para que o então vereador Walter Abrahão (locutor esportivo já falecido) propusesse a oficialização do resultado. Dessa forma, saiu a Lei Ordinária nº 11.006, de 20 de junho de 1991. Seus dois primeiros artigos: “Fica oficializada a Avenida Paulista como imagem da Cidade de São Paulo”, “Nos impressos de todos os poderes municipais, além do brasão oficial, poderá constar, opcionalmente, o logotipo relativo à Avenida Paulista”.

Ora, se já existe uma lei municipal, concebida a partir de uma votação democrática e ignorada pela atual campanha, qual a relevância dessa nova “enquete multimídia”? Ou talvez seja o caso de questionar a importância de certos decretos e projetos de uma Câmara Municipal – que acabam reforçando uma imagem de “ninguém liga para o que eles fazem”. A Globo pode reafirmar que a eleição deste ano “não tem valor estatístico nem pretende afrontar qualquer decisão legal, apenas pretende valorizar a cidade em alusão a uma data redonda de aniversário”.

Cuidado. Por mais que a proposta pareça inocente, ela reforça uma pegadinha aos moldes daquele irritante “publicidade também é informação” do Grupo Bandeirantes. Na versão 2014, os símbolos de São Paulo sugeridos foram reduzidos a dez: além da Paulista, a Catedral, o Masp, o Pacaembu, a Luz, o Pátio do Colégio, o Ibirapuera e o Teatro Municipal reaparecem. O Mercadão, abandonado nos anos 90 (só viria a ser reinaugurado pela Dona Marta do PT neste século) está na lista. O décimo candidato é a Ponte Estaiada.

Sim, o Estilingão. Aquele monstro curvo de concreto e estais. Virou “símbolo da cidade” por insistência, ao dar as costas para o estúdio de vidro dos telejornais da emissora. Um trabalho muito bacana elaborado por Giliard Sousa Ribeiro e José Guilherme de Almeida faz uma relação muito interessante entre a Avenida Paulista (mencionando a campanha “Eleja São Paulo”) e a obra inaugurada em 2008 (esses dias). Para os autores, parte da população simplesmente aceita este novo “cartão postal” sem questionar a lógica: afinal, o que tem de mais uma via de acesso entre o Real Parque e a Avenida das Águas Espraiadas (ainda sem acesso à Imigrantes e sem o trem que levará à Congonhas)? Simples: a ponte Otávio Frias de Oliveira é o “signo materializado da fetichização do poder, do enaltecimento do capital e do avanço tecnológico”. Bingo.

Se tomarmos uma eleição já feita, é justo afirmar que os pouco mais de dois quilômetros da Paulista represente uma síntese da cidade. Suas paradas, manifestações, turistas, lojas, bancos, museus, bares… Algo acontece no coração da gente quando cruzamos a Brigadeiro e nos tornamos aquele povo que sobe e desce a Brigadeiro para ir ao trabalho. Assim, tanto faz qual ícone entre as dez alternativas vá ganhar uma enquete feita pela internet, dessas que o KibeLoco adora mostrar o quanto são representativas. Talvez a maior relevância desta campanha seja reforçar goela abaixo uma ponte da Marginal Pinheiros como via turística – até a estátua do Borba Gato é uma atração melhor. Só houve um momento no qual o Estilingão foi definitivamente apropriado como um símbolo genuíno dos paulistanos. Foi durante aqueles rolezinhos de junho.

Se alguém souber o nome do fotógrafo, comente!

Atualizado: assim como há 24 anos, venceu a Avenida Paulista. De algum jeito, aquela lei que ninguém lembra ainda faz sentido. Agora, estranho mesmo é o Pacaembu ter ficado atrás da Ponte Estaiada, em último lugar. Culpa do Itaquerão.

Comentários em blogs: ainda existem? (4)

  1. Por incrível que pareça, até hoje quando penso em São Paulo, a primeira imagem que me vem é a do Edifício Copan. Culpa da enciclopédia que eu lia nos anos 80, que abria o verbete “São Paulo” com uma foto desse edifício.

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