Já devo ter escrito essa frase em outros textos – não importa, a história da humanidade é cíclica, e não poderia ser diferente com a nossa realidade. Um cidadão com febre decide resolver o problema quebrando o termômetro. Moral da história: é bem mais fácil e rápido se livrar dos indicadores do que acabar com os sintomas.
Antes que você entregue um atestado de ignorância ao sujeito, observe as grades da sua janela, o interfone do seu prédio, o complexo (e caro) sistema de segurança contratado pelos moradores da sua rua… Não seria mais interessante se o verdadeiro responsável pela ordem (no caso, o Estado) agisse com eficiência, ao invés dos pobres contribuintes terem que gastar ainda mais com o que, em tese, não precisaria?
Tudo bem, admito que esse exemplo não pode ser comparado ao termômetro quebrado. Talvez a uma compressa de gelo na testa ou a um chazinho-placebo sem nenhum comprimido. Vamos sair da sua casa e ir até a uma agência bancária. Pode ser aquela que certamente já te deixou constrangido, por causa da curiosidade do segurança. E você ali, preso na porta giratória, mostrando chaves, celular, guarda-chuva, cortador de unha, prótese metálica… Na prática, é assim: já que não podemos acabar com os ladrões de banco, vamos dar um jeito de inibir todo mundo.
A parábola do termômetro quebrado vale para outros casos onde há excesso de controle por conta de outro tipo de descontrole. Desde blogs com cadastro para evitar spam até os radares fotográficos nas ruas. Essa semana, um projeto de lei do gênero voltou à baila: trata-se da idéia de identificar usuários de Internet. Assim: você só conseguiria navegar na Internet se o seu provedor de acesso soubesse, a partir do IP, espécie de endereço digital dos computadores, o seu nome, RG, CPF, enfim. Sob o risco de ir para a cadeia caso isso não ocorra. O projeto foi retirado da pauta, por excesso de críticas.
É uma questão polêmica. Eu mesmo não consegui entender como é que, por exemplo, um usuário web seria identificado a partir de cybercafés, conexão discada, computadores públicos ou qualquer um que resulte em um IP diferente a cada acesso. Ao mesmo tempo, a caça aos piratas ou outros criminosos virtuais, está melhorando – aliás, para resolver esse problema, um dos focos é esse; o outro, como diria Cristovam, é a educação. E mais: o interesse em punir usuários do mal não pode ser exclusividade do Brasil – tome o exemplo do Orkut e a briga com o Ministério Público: quem se responsabiliza pelos fraudadores do mundinho azul do turcão?
Longe de mim bancar o anarquista xiita, que prega a liberdade total, a auto-regulação do sistema, afinal de contas assim que a web cresceu… Calma lá. Também tenho grades na minha janela, e também adoraria ver uma atitude que realmente reduzisse o número de maus elementos na Internet. Mas a própria questão do senador Eduardo Azeredo, autor do projeto, já me deixa com o pé atrás. “Como coibir os diversos crimes cibernéticos? É disso que se trata”. Coibir é o mesmo objetivo das câmeras do condomínio e das portas giratórias nos bancos. Assim como quebrar o termômetro também coíbe a febre…
Em tempo: sei que isso tem pouco a ver, mas vou tentar forçar a barra. Na África do Sul, acabam de lançar um tipo de preservativo que pode ser, digamos, instalado em apenas um segundo. A idéia é incentivar o uso da camisinha no país, um dos campeões em HIV positivo no planeta.
Então pra quê complicar, se as coisas podem ser simples e eficientes? Se fosse aqui, iam inventar um decreto obrigando o uso de preservativos, sob pena de reclusão.
Leia também o que o Júnior pensa sobre anonimato – e a sua conclusão sobre o projeto. Mestre Evilasio também registrou sua crítica. Quer ir mais longe? Leia A Nova Corja.
(Postado em 09/11/2006, e assim como o projeto de lei do Azeredo, merece voltar à tona. E se o Papa ajudou os congressistas a aumentarem seu salário, o que servirá de distração agora? Não deixe de ler mais sobre o tema: o Marcelo Trasel não só contesta a proposta, como também escancara a ignorância parlamentar; o Rodrigo apresenta as Azeredetes; o Daniel Duende revela que sente náuseas; por fim, Franklin Bravos traz um vídeo e outra porção de links.)
Pois é Seu Marmota,
Você abordou um ponto importante, é a mesma coisa que obrigar filmes estrangeiros serem dublados ao invés de melhorar a educação. E o que mais me irrita é o lance do lobby das empresas de certificação digital, é a mesma coisa de sempre, as leis não são feitas visando o bem do cidadão, mas o bem das empresas patrocinadoras das campanhas políticas, vergonha.
Em gostei dos outros Links, O Evilasio, sempre competentíssimo nos textos e com um layout de extremo bom gosto (Hehehe), o Nova Corja tem assuntos relevantes. Muito bom.
Abração broder.
André, adorei o comentário. =) Ah! Obrigada pelo link também!=)
André,
Eu sempre fiz esse tipo de comparação com relação a um item em especial: celulares no presídio. Ao invés de deixar entrar celular lá dentro, o governo:
-Gasta dinheiro com Bloqueadores (que nunca funcionam);
-Obriga as OPERADORAS (ABSURDO!) a retirarem as torres de transmissão das redondezas do presídio;
-Faz uma mega-operação para as operadoras começarem a cadastrar os celulares pré-pagos…
Não seria mais fácil impedir a entrada dos aparelhos?
Mas a gente sabe: o buraco é beeeem mais embaixo.
Aquele abraço!!
Comentado por Mr. Pinguim — Quinta-feira, 9 de Novembro de 2006 às 12h04
É, mestre, essa mania do governo de burocratizar tudo o que vê pela frente é triste. Os nossos ‘dignos’ congressistas, ao invés de se aterem aos temas que realmente são relevantes para a sociedade, pretenderam tornar um dos poucos ambientes de lazer que não depende deles uma atração engessada e restritiva. Essa exigência quebraria a liberdade que norteia a internet, e em momento algum impediria a ação de criminosos virtuais, mas apenas acarretaria custos para os provedores, que os repassariam aos clientes, aumentando os preços e restringindo ainda mais o mercado, indo de encontro à idéia de inclusão digital do governo… 😛
Relaxa… mais uma lei que não vai ser cumprida, pois não vai haver ninguém pra fiscalizar…
Isso é Brasil!!!
Ô “seu” Marmota, tudo bom contigo?
Dá licença ô de casa… tô entrando…. 🙂
O Technorati (que é covardemente mais verde do que eu) me contou que vc tava falando de mim e das minhas náuseas frente ao “remédio danado de ruim” do Azeredo para os problemas da internet.
A panacéia do hômi é mesmo danada de ruim, sô. Como diria algum blogueiro bacana por aí, o sinhozinho Azeredo tá querendo jogar a criança fora junto com a água suja do banho. Pior ainda, ele parece não entender xongas de como dar banho em criança. Mas isso parece ser bem normal. O Träsel (que tem um sobrenome mó legal, vc não acha?) já dizia que há uma notável ignorância sobre internet em nossos legisladores. De fato, eu também disse isso (antes mesmo de ler o Träsel, com sobrenome legal e tudo) lá nos comentários feitos no post do Zé Murilo sobre o assunto no Global Voices.
Juntando a ignorância com a vontade de comer (e violentando um dito popular honesto, tadinho), o senador Azeredo resolveu insistir no erro e lançar um (ou mais um?) substitutivo para ver se colava, e se agradava seus amigos do Bradesco. Só que o amigão Azeredo nem sequer cumpre as regras que propõe, e tem cookies feios e maus e em seu próprio site.
Em suma… quem entende estes políticos? Se a política brasileira não fosse geralmente um samba do crioulo doido, do que mais a gente iria rir? Da atuação do Ronaldinho? 😉
Abraços do Verde
(que não faz a MENOR idéia do porque do mineirês no início do comentário. deu vontade, oras!).
Pois é né Andrézão meu broder, e saber que essa lei ´só pra ver se os cartórios digitais finalmente emplacam mesmo. Que chato.
Abração broder, bom domingão pra ti
Sabe qual outra parábola que deveria ser trazia a tona? A da ESFINGE! 😉
Ê Brasil! Depois reclamam…
Infelizmente nossos governantes (inclua aí o legislativo) só sabem punir quem cumpre a lei. No caso da nova lei de arma é a mesma coisa. Quem está sendo obrigado a desarmar-se e/ou cadastrar-se é justamente o proprietário de arma registrada! Nada se falou no combate ao tráfico de armas. Da mesma forma, o aumento da carga tributária recai justamente quem é assalariado e tem o imposto debitado na fonte. Quando a arrecadação cai por causa da sonegação, o governo avança exatamente sobre quem não tem como escapar.