Esses dias conversava com uma amiga sobre “destino”. Ela evocou aquela velha máxima do “tudo está escrito, traçado em nossa vida”. Eu sempre vi essa história com ressalvas: então está decidido em algum livro sagrado que você vai se transformar numa bichona. Então, durante à noite, você se debate na cama, tentando se livrar do destino que tenta invadir suas entranhas. Você grita e se contorce: “eu não sou viado”, mas não adianta. Apesar de se contorcer todo, já era. O destino lhe tirou do armário.
Claro que o assunto é bem mais complexo, e normalmente a vida apronta alguma história de difícil compreensão aos olhos de reles mortais como nós. Como na presença curta, porém marcante, de um anjo iluminado em nosso mundinho estranho.
Então esse anjinho decidiu conhecer, aprender e ensinar alguma coisa a respeito desse negocio inexplicável que nós chamamos vida. Mas como era feita essencialmente de luz, com alegria infinita, não seria surpresa alguma encontrar algumas dificuldades para chegar aqui.
E foi assim que ela chegou, com o nome Beatriz. Sem avisar, surpreendendo a todos. Cientificamente, tratava-se de uma criança com apenas 24 semanas de gestação, vinte e poucos centímetros, 530 gramas. Foi capaz de carregar toda sua própria luz, além do amor e da esperança de seus pais e todos os tios-coruja. A primeira lição desse anjo iluminado estava dada: como conseguir transformar uma série de planos numa bagunça.
A lição seguinte seria mais difícil: vencer um dia após o outro. Espiritualmente era uma fortaleza, mas para continuar sua jornada, contava com o máximo de conhecimento acumulado nessa terra de gente doida. Terapia intensiva, aparelhos, sondas, surfactante pulmonar exógeno, entre outros avanços da medicina que a ajudavam a respirar, se alimentar, manter sua temperatura… Enfim, a se desenvolver.
O pequeninho anjo de luz passou duas semanas descobrindo a força das orações e das palavras de confiança, o poder do amor e a capacidade das pessoas em se desdobrar por alguém até o limite da exaustão. Também descobriu que não basta ser apenas luz para coexistir entre homens de carne e osso, repletos de defeitos e problemas. Apesar de tamanha torcida por sucessivas vitórias, como sobreviver apenas de felicidade diante de tanta injustiça?
Eu poderia aproveitar a presença do Papa, considerado por 80% dos brasileiros como representante direto de Deus, se ele acredita em destino. Ou simplesmente dizer a ele, ou a quem interessar, que a última lição de Beatriz às pessoas que não sabem muito bem o que é o destino veio nesta madrugada. A mais difícil e inexplicável delas. O anjo iluminado ficou tempo suficiente para conhecer, aprender e ensinar alguma coisa a respeito desse negocio inexplicável que nós chamamos vida.
Nossa! O.o É, ninguém vira blogstar à toa, né? Nada mais a comentar!
Não sei… todas as vezes que acontece uma coisa assim por perto de mim, com alguém que eu conheço, com alguém que eu amo, com alguém que eu talvez não tenha muita intimidade… todas as vezes eu penso numa única coisa: que a morte é uma inimiga cruel… muito cruel…
Sobre um anjo iluminado…
Também não consigo entender e muito menos explicar o porquê de isso acontecer. Eu fui um dos que oraram para que este anjo ficasse entre nós e chorei ontem à noite ao perguntar a Deus o motivo de ele não responder como eu queria. Peço agora para que o Senhor dê força para quem fica aqui neste mundo incompreensível.
Tão pequena e tão cheia de universo.
Puxa, André… que lindo seu texto e seu ponto de vista…
Eu sou bastante agnóstica, mas oro em situações assim, porque acredito que orar e pedir não tem a ver com determinada religião, mas sim com vontade de que algo aconteça ou deixe de acontecer.
Mas obviamente que não tenho depois como ‘jogar a culpa’ em ninguém caso os pedidos não sejam aceitos… enfim, me conformo (às vezes não muito), triste ou não.
Paz e serenidade para os seus amigos que perderam seu anjinho. A Beatriz certamente deixou ensinamentos pra eles, assim como levou muitos com ela. 🙂
Um beijo, querido.
Acho que o número de questionamentos na vida crescem em velocidade assombrosamente maior do que as respostas. E as respostas, quando aparecem, ainda são incompreensíveis, verdadeiros enigmas. Ainda não sei se viver é buscar mais respostas ou para de questionar.
Ponto de vista tocante, demonstra enorme sensibilidade. Se eu tivesse respostas, certamente que as dividiria com você. O fato é que, pelo menos, você aprendeu alguma coisa com a Beatriz. Isso já é um tremendo indício do que seja viver.
Sou uma boba manteiga derretida. Envio à família de Beatriz=felicidade minhas sinceras condolências.
Não acredito em explicações. Prematuro é difícil, por quê acontece a morte, o Alzheimer instantâneo, sei lá. Acho que a gente deve tentar olhar para a luz( de óculos escuros), curtir os amigos, tentar ser feliz. Que lindo seu texto!
André, querido, que lindo seu texto. Lágrimas nos olhos, puxa vida. Força para os que ficam, é o que peço agora… Um beijo!
Agradecemos a bela homenagem.
Nós três. 🙂