Ranquinite (ou: fim da blogosfera? É porque você quer aparecer…)

Segure-se na cadeira, salve tudo no pen-drive e não esqueça de colocar o smartphone no bolso: já ecoam com força as trombetas do apocalipse. Tudo porque os profetas deixaram suas cavernas para proclamar. “A blogosfera vai acabar! É uma cilada, Bino! Fuja para as montanhas!”.

Duas fagulhas relacionadas a essa hecatombe caíram na rede nas últimas semanas. Uma é o artigo da Wired, assinado por Paul Boutin, que desanima qualquer blogueiro iniciante: suas opiniões não serão lidas por ninguém, quando muito por um comentarista idiota e anônimo. Além disso, é possível fazer no Twitter tudo que se conseguia com o blog em 2004.

A outra gerou algumas faíscas a mais. Artigo do The Economist lembra que Jason Calacanis, fundador da rede Weblogs Inc, desistiu de blogar em função “da pressão e do trabalho que dá em permanecer na lista dos top-top”. Conclusão: o fato dos blogs atingirem certo destaque, especialmente em grandes corporações, e entrarem no “mainstream”, vai matá-los. Mais trombetas.

As duas provocações culminaram com alguns desdobramentos, como o de Nicholas Carr, no blog Rough Type. Para ele, os blogs chegaram à “crise de meia-idade” em função da sua importância exagerada. Além disso, nos últimos anos, o ato de blogar passou por transformações que sufocaram a informalidade e descompromisso da época áurea do “blog moleque”.

Mas voltando ao apocalipse: então a blogosfera vai acabar. Mas o que é “blogosfera” para você? Se a sua resposta for algo como “aquele grupo de páginas elaboradas por caras bacanas que sempre aparecem na crista da onda, onde ainda vou fazer parte”, dá para entender as razões desse assassinato.

Muito se especulou a respeito do impacto das inovações tecnológicas na comunicação. Teríamos condições de promover inteligência coletiva, construida a partir dos múltiplos nós da rede e da presença de ferramentas colaborativas – como ocorre na conversação entre blogs, por exemplo. O que se vê, no entanto, é o oposto: propostas puramente individuais com objetivos relacionados a influência, reputação ou popularidade.

É lógico que ninguém escreve suas idéias sem que pessoas ao redor comentem, reconheçam, construam uma imagem positiva. Agora, de uma forma bem generalista: quem começar a brincadeira apenas pela busca ao título de Miss Cangaíba, provavelmente não vai conseguir, vai se frustrar e, por fim, desistir.

E isso não é de hoje. Nesta análise da cobertura política norte-americana, os autores observaram que, ao contrário da propagada “democratização da web”, a relação não é igualitária. São poucos os que conseguem atenção, referências e consequente tráfego. Isso atingiu um fenômeno batizado “googlearchy”, e explica perfeitamente as razões pelas quais boa parte das ações envolvendo redes sociais costumam envolver sempre os mesmos.

Ainda avaliando o “mainstream brazuca”, poderíamos incluir outro termo, consequência desse: ranquinite. Doença contagiosa que denota o real sentido em criar um espaço na rede: aparecer no topo da cadeia alimentar. Aliás, “ranquinite” é a melhor definição para boa parte das reações adversas à brincadeira do J. Noronha. Porque ao invés de conversar, colaborar ou participar de maneira inteligente, deve ser mais fácil conquistar autoridade no grito ou com arroubos de personalidade.

De verdade? Tomara que a ranquinite se torne a gripe espanhola da rede, matando essa “blogosfera nociva” e varrendo para a insignificância plena todas as cabeças vazias que perambulam fazendo barulho e espuma. No fim, restará esse tal “mainstream” definido pela “googlearchy” – inteligente, profissional e relevante, por que não? – e, bem longe daí, infinitas comunidades interconectadas, formada por leitores e autores convivendo pacificamente com outras formas de informação – não é, Lu?

Enfim, tomo emprestado as palavras do Silvio Meira: “a escrita na rede ainda está nascendo. Ainda falta muito pra que se saiba o que estamos fazendo. Mas este não é o problema. Vamos continuar fazendo e tentando descobrir…”.

A propósito, essa inversão de valores provocada pelas hierarquias dos rankings, em contraponto à construção de inteligência coletiva, poderia se transformar em um pré-projeto de mestrado muito interessante. O que acham, amigos acadêmicos?

Atualizado: não parece irônico que, depois de um artigo apontar para uma reflexão a respeito do “mainstream blogueiro” e seu impacto, a revista Época elaborar uma seleção de 80 blogs? Óbvio que essa matéria representa alguns aspectos positivos – aquela velha idéia de que o público-alvo de uma revista de circulação nacional, em tese, não conhece blogs. Para os heavy-users, fica aquele misto de orgulho dos amigos e sensação de déjà vu. Enfim, dê uma navegada pelos comentários da revista e divirta-se com os ataques de ranquinite.

André Marmota adora usar a função “rand” do PHP, combinada com um array repleto de frases diferentes. Paaaaarabéns! Quer saber mais?

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Comentários em blogs: ainda existem? (17)

  1. Achei maravilhoso este artigo. E concordo completamente, aliás recentemente escrevi sobre isso.

    Não sei você ficou sabendo da “campanha” que estamos fazendo junto com alguns blogs, a campanha é uma forma de crítica à esse tipo de blogueiro.

    Bom, de qualquer maneira, achei a lista do J.Noronha bem plausível, tirando um ou outro achei sensacional e serviu para mostrar esse ego exacerbado pior até do que o ego de publicitário.

    =D

    Um abraço.

  2. Só pra constar, aos que dizem “a blogosfera está morta” respondo “e ela em algum momento esteve viva?”

    Não acho que exista “blogosfera”. Como não acho que exista “twittosfera”. “Whateversfera” é meu pau de óculos (desculpem a sinceridade).

    No caso dos blogs… Existem, sim, blogs feitos por pessoas. Existem, sim, blogs que se tornaram, ou foram comprados por, empresas. Existem, sim, blogs que fazem parte do “mainstream media”. Existem, sim, blogs miguxos. Mas acho que chamar de “blogosfera” é forçar demais.

  3. Com certeza, há que se estudar o papel dos rankings na relações humanas e o que mais convier.

    “é possível fazer no Twitter tudo que se conseguia com o blog em 2004” é um exagero, não? Escrever um texto em parágrafos de 140 letras(e não contando caracteres acentuados, que são cadeias de caracteres) é tenso.

    Mas se acabar, a vida prossegue. O importante é fazer blog por diversão. Tipo eu, que só almejo meu título de “Melhor blog com transtorno de personalidade”, e o resto é lucro. =D

  4. Bom, a melhor frase que ouvi sobre esse novo hype foi a seguinte: no dia em que a blogosfera acabar eu estarei aí para fazer um post sobre o assunto…:-)

  5. Sabias palavras, André. O problema da inteligência coletiva na rede é que ela não existe nem offline. Inteligência anda escassa…

    Certamente os blogs não irão desaparecer, mas a profusão que vemos hoje vai durar tanto quanto o tempo de validade do domínio, se tanto.

    Interessante também, na questão dos rankings, é comparar o internacional com o brasileiro. Lá fora reflete mais ou menos a qualidade, já aqui…

  6. Afinal, muita gente entrou nessa pra se tornar um “popstar” dos blogs. Em um texto que li recente, diz que antes estar na TV era sinonimo de existir. Hoje, existem meios alternativos para divulgar a propria existencia…blogs..twitter…etc

  7. Parece que os princípios da teoria darwinista acabam valendo também para as redes de informação na Internet: só os fortes sobrevivem. Quantos blogs nascem e morrem todos os meses… e uns poucos sobrevivem há anos. Fotologs, Orkuts e Twitters da vida seguem na mesma linha: algumas redes vingam, outras sucumbem.

    No final das contas, só quem realmente interessa vai permanecer na rede. O resto é resto.

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