Raciocina, segurança!

Se você conhece pessoalmente um rapaz educado, cortês e inteligente que exerça a função de segurança, cumprimente-o e comemore com ele. Certamente é o único num raio de alguns quilômetros. Aliás, não entendo como podem os profissionais dessa área se conformarem com a pecha de acéfalo mal-educado, sem tomar iniciativas contundentes para acabar com essa generalização.

Talvez a culpa nem seja deles. Não me surpreenderia se soubesse que as empresas interessadas querem exatamente isso: “tem que ser grosso e cumprir ordens sem pensar”. Imagino como seria um fictício processo seletivo. Algo como “sente aí e escreva uma redação”. Quem retrucasse, questionando a razão de um teste do gênero, seria eliminado. Quem redigisse um texto e entregasse rapidamente, também. Os eleitos seriam os cururus sentados na carteira, sem conseguir completar a tarefa. Se o candidato sequer passasse da primeira linha, viraria chefe de segurança.

Lembro de um desses na entrada de um megashow, daqueles cuja marola empesteava a fila antes mesmo da festa começar. Mas a preocupação dos homens de preto, ao revistar as bolsas e mochilas, não era exatamente a busca por entorpecentes. Tive que deixar uma inofensiva caneta Bic nas mãos de um deles. “Isso pode virar uma arma”, dizia. E o que dizer da brita usada pela organização do evento para forrar o chão? Mas que gente esperta…

Encontrei o último espécime desse tipo num respiro rápido na Fnac Paulista. Assim que entrei pela Alameda Santos, fui surpreendido pelas capas de Veja e Carta Capital. Enquanto a primeira comemorava a intervenção do governo dos EUA após a eclosão da crise e a falência do banco de investimento Lehman Brothers, a segunda adverte que o pacote de 700 bilhões de dólares oferecido por Bush só ameniza, mas não resolve. O curioso é que este “salva-não salva” foi ilustrado pela mesma figura: Tio Sam, com cara de bonzão, oferecendo grana.

Como tinha certeza de que esqueceria disso nos dias seguintes (talvez sequer tivesse tempo pra postar sobre as tais capas), decidi fotografá-las com o celular. Aproximei o aparelho da capa de Veja e cliquei. O barulhinho da câmera chamou a atenção do segurança, que veio em minha direção antes que pudesse me aproximar da Carta Capital.

– Senhor, é proibido tirar fotos aqui dentro.

A razão deve ser puramente comercial. Fotografar gôndolas pode caracterizar espionagem, não é legal, enfim. Deve haver uma explicação clara e correta, mas de total desconhecimento do cumpridor de ordens.

– Não estou fotografando a loja, mas a capa da revista. Veja, é só a capa. Vou te explicar o significado da palavra “reprodução” em fotojornalismo…

Eu devo ser mais idiota que o segurança. Ora, tentar explicar algo a ele…

– Senhor, é proibido. Meu gerente vai chamar a atenção…

– Ah, chama ele aqui. Vamos conversar. Assim não preciso explicar o que é “reprodução” em fotojornalismo duas vezes…

A cara feia do homem aumentou. Eles não conseguem dialogar: provavelmente repetem três ou quatro palavras decoradas após o treinamento e, caso não saibam mais nenhuma, ameaçam. Desisti da segunda foto e parti para a saída, chamando-o de algum adjetivo qualquer.

No corredor da loja, observo um carrão em exposição, chamando a atenção dos consumidores. No mesmo instante, um gordinho aficcionado sacou sua máquina digital para registrar o bólido. Não pensei duas vezes. Voltei ao segurança para argumentar.

– Olha ali, ó. Tá tirando fotos. Vai lá falar com ele.

– Ah, do carro pode.

Arregalei meus olhos e ergui meus braços, com ar de “como assim?”. O sujeito de terno simplesmente deu risada e voltou ao seu posto, disposto a cumprir suas ordens e cair na próxima contradição.

Comentários em blogs: ainda existem? (12)

  1. A seriedade, a uniformidade no trato e a intimidação psicológica aos indivíduos são características do trabalho do segurança. Seriedade é diferente de truculência e falta de sensibilidade. Se um segurança agir de modo diferente dos seus colegas ele não estará representando a lei daquele determinado ambiente – por isso o estrito cumprimento das ordens. Pior: ele estará mostrando que aquele ambiente não tem normas – e os bens jurídicos que os seguranças zelam (da integridade física ao patrimônio) não podem ficar desprotegidos, alguns critérios devem existir para assegurá-los.

    Muitas vezes a busca pessoal que um segurança realiza não se presta, necessariamente, à procura de objetos. A intimidação psicológica ao indivíduo é que é importante. É como se fosse um alerta a quem se proponha ao cometimento de qualquer transgressão. Por isso, em grandes eventos, cantores e mestres de cerimônia dizem: “agradecemos a presença da Polícia Militar no evento”. Isso não é um agradecimento, mas um aviso de que a PM está ali.

    Existem excessos? Sim, não há dúvida. Mas se eu fosse cumprimentar todo profissional de segurança que conheço que é “educado, cortês e inteligente”, certamente iria perder muitos dias. Tenha certeza que nós não nos conformamos com a pecha de “acéfalo mal-educado”, e, ao contrário, combatemos ao máximo quem apregoa esse estigma de maneira autista e generalizadora – principalmente quando se trata de profissionais da área de comunicação, jornalistas, publicitários, etc.. Dá vontade de falar: Raciocina, jornalista!

  2. Houve uma época em que eu pensava em andar com uma câmera digital para registrar algumas cenas que imaginava pudessem servir de material para êventuais crônicas (quem sabe). Como elas chamam muita atenção, achei melhor usar um celular com câmera, que eu poderia manusear dando a impressão de que estivesse procurando alguma mensagem ou jogando golfe.

    O tempo passou, desisti da idéia de perder meu tempo caçando fotos e não usei o celular para fotografar. Nem escrevi mais.

    Hmm… Vou ver se dá pra desativar o barulho-imitação de diafragma.

  3. Só imagino a sua cara de “como assim”, hahaha!

    Pois é, o teste para ser segurança deve ser só teste de truculência, sem dúvida.

    E eu adoro essas “coincidências” de capas de revista. Vc reparou que até a disposição das notas na mão do Sam é rigorosamente a mesma? Incrível!

  4. Todos os seguranças que tive a oportunidade de trocar algumas palavras tanto em shopping, cinema, portaria, lojas, bancos e até os de festas foram sempre bem simpáticos comigo.
    agora o que não suporto de maneira alguma são aqueles contratados para shows de grande e médio porte. aquele tipo clássico que empurra, bate e xinga qualquer um independente de ser homem ou mulher.

    se o cara é meio grosso, vá lá, como dito anteriormente, talvez faça parte da profissão mesmo, agora, ser agressivo e se portar com falta de respeito, aí é o fim do mundo…

  5. hhahahahah Vc já teve problemas com o segurança da Fnac então? Outro dia, na mesma Fnac, o segurança estava ralhando com um rapaz de bike, que queria parar no estacionamento. Mó bafafá! Isso que é da Fnac! Imagine segurança de baile funk! Por sinal, a Fnac é pessima para responder clientes. Mandei um email de sugestão, pois as revistas de negócios estão todas na seção “Masculinas”, dificil para cacete de achar, e nem me responderam …
    Péssimos…
    E o design da carta capital eh mto ruim cara…
    Ve se responde meu email se der 🙂

  6. Segurança é a única coisa que eles não fazem.
    Conheço poucos realmente educados ou que tenham algum cerebro.(Mas conheço!) A maioria fala aquela decoreba-master como no mcDonald’s. Nem gaste seu tempo argumentando ! Ele não vai compreender.

  7. Apenas atualizando meu registro anterior.

    Consegui desativar o efeito sonoro imitação de diafragma e estou pronto para ludibriar os incautos seguranças.

    Ou apenas os seguranças incautos?

  8. Ainda hoje, existem cargos e funções, que estão aí apenas para seguir ordens, sem pensar e sem iniciativas que não estejam pré-definidas em ordens. Assim morrem adolescentes na porta de boates pelas mãos de um PM que estava “cumprindo o seu dever”.

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