Porque gostei do carneirinho da Pixar

Antes de mais nada, uma recomendação: vá ver Os Incríveis. Vale cada centavo do seu ingresso – e não apenas por ser um desenho de super-heróis, pelo roteiro tipo “poderia ser a sua vida”, ou mesmo por levar a chancela da Pixar.

Agora, o assunto principal: o já tradicional curta-metragem, que antecede as animações da Pixar. Trata-se de Boundin’, escrito, dirigido e narrado por Bud Luckey. Uma decepção para a maioria dos meus conhecidos que já viram – entre eles o autor do futuro best-seller “As Alegrias que o Google me Dá”, Rafael Galvão.

Pois eu achei sensacional. E antes de começar a explicação, um aviso: as linhas a seguir contam a história do curta-metragem da Pixar. Se você detesta spoilers, pare de ler aqui mesmo.

Um texto rimado e compassado apresenta uma paisagem típica do sudoeste norte-americano, além do personagem principal: um alegre carneirinho. Nada é capaz de lhe tirar o contentamento e a vontade de dançar e sapatear. Seu astral contagia todos os animais que lhe cercam – entre eles algumas marmotas, que acompanham os passos do ovino, não menos sorridentes.

Claro que só a presença das marmotas já seria um motivo suficiente para definir o filme como impagável.

Mas a história prossegue. Subitamente, ouve-se o barulho de um caminhão. Um braço puxa o carneirinho e o devolve, segundos depois, tosquiada. Sua lã formosa e brilhante some, deixando-o com uma aparência, bem, digamos… Cômica. Claro que as marmotas são as primeiras a fazer chacota, rindo descaradamente do pobre animal.

Deprimido e tímido, o carneirnho pára de dançar, e se perde diante de algo que julga um grande problema.

Sem perder a rima, o narrador avisa a chegada de um saltitante jackalope – espécie de coelho com chifres, lendário personagem do folclore norte-americano. Ele encontra o carneirinho, que conta o seu drama existencial.

Sem titubear, o jackalope diz ao carneiro que a lã roubada não representa a sua essência, e que a vida é especial demais para ser desperdiçada por motivos como esse. O coelhão finaliza sua sessão de auto-ajuda com uma sugestão para animar o feiosinho rosado: pular!

E a dica funciona. O carneirinho começa a pular, e diante dessa nova perspectiva, esquece do pequeno problema e volta a sorrir. As marmotas e os outros animais param de zombar, e a vida volta ao normal.

E aqui o detalhe que faz toda a diferença. O tempo passa, a lã volta e, novamente, o pequeno carneiro é tosquiado. Mas desta vez não há problema: ele mostra que entendeu o recado do jackalope e continua contente, dançando.

Enfim. Além do texto, que é praticamente uma poesia, o curta chama a atenção por outros detalhes: em nenhum momento, os tosquiadores são taxados de malévolos. As marmotas não são condenadas por darem risada da vida alheia. E a estranha figura do jackalope errante, que poderia ter mais motivos para desdenhar do mundo, simplesmente deixou sua mensagem e seguiu em frente.

Não há duelo entre o bem e o mal, nem um pré-julgamento de valores. Não existe uma tendência contrária ou a favor para qualquer dos lados da história. Apenas a história de alguém que superou seus pequenos dramas cotidianos de maneira positiva.

Era tudo que eu precisava ouvir. Mais do que isso, concordo plenamente com a última frase: sorte de quem pode cruzar com um jackalope nessa vida. E apesar do mal-humor não passar, não canso de agradecer aos meus.

André Marmota acredita em um futuro com blogs atualizados, livros impressos, videolocadoras, amores sinceros, entre outros anacronismos. Quer saber mais?

Leia outros posts em Plantão Marmota. Permalink

Comentários em blogs: ainda existem? (5)

  1. Depois que eu vi meu amigo Pedro Cirne falar sobre deficientes físicos assistindo a esse curta-metragem, confesso que comecei a repensar… Mas ainda mantenho a essência da opinião!

  2. Bom, vc traduziu o muito bem o motivo para eu ter gostado do curta… Era isso!

    Nada de politicamente correto, sem grandes lições de moral… Só alguém superando uma crise!!!

    T+

Vai comentar ou ficar apenas olhando?

Campos com * são obrigatórios. Relaxe: não vou montar um mailing com seus dados para vender na Praça da República.


*